Houve um sismo quase tão forte como o de 1755 que afetou praticamente todo o país, incluindo a Madeira e os Açores, atravessou ao Europa, chegando à Holanda, e que era até agora praticamente desconhecido. O trabalho de identificação e caracterização do evento foi agora publicado numa revista da especialidade, a Seismological Research Letters, por uma família de estudiosos portugueses, que além de partilharem a casa e o apelido, partilham também o interesse por arquivos históricos.
Depois de uma apurada e paciente pesquisa os professores do ensino secundário, José Ribeiro e Ana Correia, e a filha de ambos, a geógrafa Ana Ribeiro, conseguiram, pela primeira vez, obter uma estimativa fidedigna da localização do epicentro e da magnitude de um sismo que atingiu o País a 2 de Fevereiro de 1816. Com origem na zona de fratura Açores-Gibraltar e intensidade estimada de 8,6, o abalo tinha sido subvalorizado até agora, tendo sido atribuída uma magnitude apenas de seis.
O Jornal de Coimbra publicava ‘as contas’, que eram da autoria dos médicos de cada concelho. Estes textos eram sobre casos de curas de doenças, mas incluía meteorologia.
José Ribeiro
Paciência, dedicação e trabalho de equipa estarão na origem deste sucesso. “Dividimos as valências”, diz José Ribeiro, professor na Escola Secundária com 3º ciclo de Henrique Medina, em Esposende, que desde sempre se dedica a atividades de cariz científico, algumas delas feitas com os alunos, como aconteceu há anos com a realização de análises químicas à qualidade das águas. No início da década, José Ribeiro deu-se conta de que havia notícias de sismos não registados, publicadas em jornais dos anos 30 do século passado. “Ficamos cientes de que havia muito trabalho para fazer nesta área”, conta. O interesse aumentou em 2004, após a ocorrência do tsunami que varreu o Índico. Depois de ter conseguido identificar e publicar um artigo científico sobre um sismo de grau 6, ocorrido em 1880, na Serra da Estrela, sentido num raio de 400 quilómetros, os dois professores e a geógrafa dedicaram-se ao praticamente desconhecido evento de 1816. Procuraram relatos em jornais estrangeiros, sobretudo franceses e ingleses, publicações científicas, notas enviadas por observatórios astronómicos – que na altura ainda não tinha sismógrafo – cartas, biografias. “O Jornal de Coimbra publicava ‘as contas’, que eram da autoria dos médicos de cada concelho. Estes textos eram sobre casos de curas de doenças, mas incluía meteorologia”, revela José Ribeiro. Também havia os dietários, registos dos conventos beneditinos, e no meio dos documentos lá vinham os relatos dos sismos.
Um elemento crucial neste processo de identificação foi uma carta escrita pelo historiador americano, William Hickley Prescott, que de visita a familiares em Ponta Delgada foi apanhado pelo tremor de terra. Na carta que escreveu à irmã, a relatar o sucedido, descreve o susto que apanhou, a duração do abalo – três minutos e meio – e a extrema violência do evento que causou danos nas casas e edifícios públicos.
Graças a este trabalho de pesquisa e à utilização do método de cálculo denominado Bakun e Wentworth conseguiram chegar à conclusão de que em lugar de uma magnitude à volta de 7 e de ter epicentro localizado na ponta este da falha Gloria, o sismo de 1816 afinal teve uma magnitude de 8,6, com epicentro em 37.8° N e 19.8° W, próximo da parte central da falha Gloria (como se pode ver no mapa).
Também não é verdade que só tenha morrido uma pessoa, em consequência do abalo. Segundo os registos teria havido apenas uma vítima, em Lisboa, “morta de susto”. De acordo com José Ribeiro, terá havido pelo menos doze vítimas mortais em Ovar. “Foi muito importante a colaboração de um funcionário da câmara de Ovar que nos arranjou notícias que permitiram perceber que o impacto foi grande nesta região.”
O que não terá acontecido, como sucedeu em Lisboa, com o sismo de 1755, foi um maremoto, pelo menos digno de nota. “Não havia marégrafos naquela altura. Mas mesmo que tivesse havido maremoto já chegaria à costa muito atenuado. O tipo de movimentos deste sismo, horizontais, não dá origem à formação de um tsunami muito grande”, explica.