Neste último 5 de Outubro, feriado que diz muito pouco às pessoas comuns mas muito aos políticos, Carlos Moedas “roubou o espetáculo” com o anúncio – algo deslocado, diga-se – de que a Câmara Municipal de Lisboa vai passar a celebrar oficialmente o 25 de Novembro de 1975.
Ora tendo em atenção que não há qualquer pulsão popular ou pressão espontânea para que essa data – importante na consolidação do nosso processo democrático – seja celebrada com mais pompa pública, só poderá haver uma outra razão para Moedas ter tirado este coelho da cartola.
E essa razão é que há uma certa direita radicalizada ou em processo radicalizante, que quer fazer do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa o seu ponta de lança “cultural”. E isso é um perigo para o futuro político de Moedas, e um erro que ele parece estar a caminho de cometer.
Quando Moedas, de forma surpreendente, derrotou Fernando Medina, o delfim de António Costa, na CML, não o fez com base numa postura ideológica marcada, nomeadamente de direita. Venceu sobretudo por duas razões: Medina não foi um bom Presidente da Câmara e havia cansaço da população; e Moedas apresentou-se como uma espécie de tecnocrata moderno, uma pessoa menos preocupada com a ideologia e mais com soluções inovadoras para resolver os problemas das pessoas e da cidade. O seu pior momento nessa corrida, a título de exemplo, foi quando se deixou enredar na “luta cultural” das ciclovias, como se estas fossem o grande problema da cidade ou, pior, o símbolo acabado do “esquerdismo” nas nossas vidas.
Ao contrário do que possa parecer quando vemos os debates televisivos, os portugueses não são radicais políticos, nem dum lado nem do outro. Há uma minoria motivada e sectária, de um lado e do outro, mas a larga fatia da população está no meio, nesse imenso centrão a quem preocupa mais as suas dificuldades do dia a dia e menos se vêm do partido A, B ou C. E, pormenor matemático, é esse centrão que ganha eleições, e foi esse centrão que fugiu de Medina e deu a vitória a Moedas.
Ora num momento em que os portugueses moderados estão cansados de “soluções” ideológicas que dificilmente funcionam, Carlos Moedas tem o perfil que pode brilhar em eleições futuras. Não sendo uma pessoa carismática (tal como Montenegro não é, embora ache que sim), vive num período em que, possivelmente, o carisma nunca tão foi tão pouco importante, por comparação com a promessa de um político diferente, tecnicamente preparado e focado na resolução dos problemas.
É esse capital que Carlos Moedas corre o risco de perder com investidas vãs como esta do 25 de Novembro, na qual tem muito mais a perder do que a ganhar. Basta olhar para parte importante daquele eleitorado do centro que lhe deu a vitória em Lisboa: votaria Moedas se ele tivesse carregado na ideologia de direita, ajudando (mesmo que inadvertidamente) a dar gás a tendências mais populistas e radicais? Não creio.
O 25 de Novembro foi um acontecimento fundamental, como parte do nosso processo de saída da ditadura em direção à democracia. Mas foi também progressivamente capturado por uma direita que disfarça mal um saudosismo do antigamente e que convive ainda pior com o 25 de Abril de 1974. Pode pensar-se, ingenuamente, que a nossa maturidade democrática já permite falar destas datas sem as colocar em confronto, e fazer uma certa paz histórica com esse período. Seria bom. Mas alguém pensa que uma comemoração oficial do 25 de Novembro servirá para alguma coisa que não seja atrair às ruas, de forma agora corajosa e confiante, as franjas mais extremas que, com cada vez menos pudor, acham que o que faz falta para resolver o País é um Salazar, mesmo que seja uma cópia barata como os pretendentes que por aí andam?
Neste contexto, das duas uma: ou o Presidente da CML está a ser ingénuo, o que é preocupante, ou está conscientemente a querer comprar essa guerra, o que é pior ainda.
Moedas sabe que está a construir a sua imagem, num País que não o conhecia assim tão bem. E que tem uma base para uma carreira política interna de maiores voos. Mas de cada vez que abandona a camisa de Presidente da CML para falar enquanto militante social-democrata, desgasta o seu capital de político diferente, ao mesmo tempo próximo e tecnocrata, que faz dele uma espécie rara que, eleitoralmente, até pode funcionar.
Com tantos anos de governação socialista sem que o País realmente progrida, há uma fatia da direita que está tão impaciente que não se importa de “normalizar” o Chega ou de radicalizar a sua intervenção e o seu discurso, numa lógica de “tudo é melhor que o PS”. E essa fatia da direita, que é uma pequena parcela da população portuguesa, está a chegar-se a Moedas e a querer fazer dele uma espécie de porta-voz de uma certa ideologia mais vincada.
Por enquanto, apesar de lapsos momentâneos como este, Moedas tem conseguido não ser sequestrado politicamente por essa corrente, de gente agressiva e vocal que se tenta aproximar cada vez mais. Resta saber se ele cometerá o erro de tantos e tantos políticos, de confundir o sentir da população com o sentir dos activistas políticos que o vão cercando com gula e palavras de incentivo.
Se ceder a esse caminho, será um erro que pode comprometer o seu futuro político, a nível nacional. Abdicará de qualidades que o podem distinguir (e que o têm servido bem), como a moderação e uma imagem de bom senso, em favor de um perfil ideológico que não o diferencia e não lhe serve bem.
E que, diga-se, não tem futuro nem ganhará eleições.