A maior gestora de ativos do mundo tem uma visão bastante cautelosa para a economia mundial. A BlackRock considera que os próximos tempos continuarão a ser marcados por uma elevada incerteza, forte volatilidade e inflação alta. E defendem que a era da “Grande Moderação” – que vigorou entre meados de 1980 até 2019 e que “foi um período notável de estabilidade tanto no crescimento como na inflação” – acabou.
Isto porque, argumentam num relatório a investidores, “os constrangimentos na produção – provenientes de uma mudança maciça no consumo e da falta de mão de obra – estão a condicionar a economia e a impulsionar a inflação”. E esse não é o único problema: “Os níveis recordes de dívida indicam que pequenas alterações nas taxas de juro têm um impacto significativo – nos governos, famílias e empresas”.
A contribuir para o ceticismo da BlackRock está também o que os responsáveis da gestora dizem ser uma “hiper-politização de tudo que acaba por amplificar os argumentos simplistas, tornando as soluções políticas mais pobres”. Avisam que “o populismo e extremismo de ambos os lados do discurso em temas controversos não se estão a reduzir”, seja o assunto inflação, alterações climáticas ou geopolítica.
O que vai mudar para os investidores
Para quem investe esta nova era trará maior risco e nervosismo. As consequências, diz a BlackRock, serão uma “maior prémio de risco tanto para ações como para obrigações”. Além disso, alerta para o facto de que “as políticas não irão resolver de forma rápida descidas rápidas nos preços dos ativos”. Assim, a gestora considera que “as carteiras de investimento tradicionais de 60% alocado em ações e 40% em obrigações, proteções e modelos de risco baseados em relações históricas deixarão de funcionar”. E isso tornará “ainda mais importante reconhecer e ultrapassar os vieses comportamentais, como a inércia, quando se tomam decisões” e levará a que “as perspetivas do mercado mudem muito mais rapidamente”.
Pesados todos esses fatores, a conclusão é que esta nova era obrigará a um maior dinamismos e atenção por parte dos investidores. Por outras palavras, não será tão fácil fazer dinheiro nos mercados como na última década. Assim sendo, o que aconselha a BlackRock? No curto prazo, a recomendação é de muita cautela com as ações. No entanto, para períodos mais longo esta classe de ativos continua a ser uma das favoritas, ganhando às obrigações soberanas e dívida de empresas.
“Estamos a privilegiar as ações nas perspetivas estratégicas para cinco ou mais anos. Esperamos que os bancos centrais acabem por viver com alguma inflação e se debrucem sobre os riscos de curto prazo”, projeta esta entidade. Já taticamente, para prazos mais curtos, a BlackRock recomenda reduzir a exposição às bolsas dos mercados desenvolvidos já que a atividade económica poderá ressentir-se com o início do aperto das políticas dos bancos centrais.
Europa à beira de um choque económico
A BlackRock mostra-se cética sobre a economia europeia, o que justifica a sua recomendação negativa para as ações do Velho Continente. “A guerra na Europa é a crise mais significativa das últimas décadas. A segurança alimentar e as necessidades energéticas são preocupações essenciais”, refere a gestora. Acrescenta que o bloco europeu “tem carregado o fardo mais pesado da subida dos preços da energia e das matérias-primas após a invasão”. E avisa que existe “um risco claro de recessão já que a crise na energia afeta os rendimentos reais”.
Os especialistas da gestora afirmam que “a Zona Euro deverá sentir o choque económico mais cedo e sai de um ponto de partida em termos de crescimento mais baixo que os EUA”. No entanto, a instituição americana entende que nem tudo são más notícias. “Não devemos subestimar o fortalecimento da união na Europa face à agressão russa”. E conclui que a “Europa tem a oportunidade de criar uma versão mais sustentável e resiliente de si própria – substituindo as elevadas dependências da energia russa e dissipando a imagem de uma economia ‘velha’ ao acelerar a transição verde”.
Ligações entre Pequim e Rússia na mira
A atividade económica chinesa tem sofrido bastante com a política de Covid zero ordenada por Pequim e que tem levado a sucessivos confinamentos que paralisam regiões do país. No entanto, nesta fase, a BlackRock vê alguns sinais positivos que até poderão levar a uma subida da recomendação para as ações do gigante asiático.
“Perspetivamos um forte reinício da atividade económica na segunda metade do ano à medida que os confinamentos forem diminuindo e a repressão regulatória sobre as tecnológicas e outros setores fazendo uma pausa”, revela a gestora de ativos. No entanto, a BlackRock ainda aguarda por uma taxa de vacinação mais elevada nas faixas etárias mais avançadas para reforçar o investimento em ações chinesas.
Além disso, as relações próximas entre Pequim e Moscovo são também motivo para ter um pé atrás em relação ao mercado chinês. “As ligações da China à Rússia criaram uma nova preocupação geopolítica que requer uma maior compensação para deter ativos chineses”, defende a BlackRock.
Neutralidade carbónica como tema de investimento
A crise energética tem levado alguns países a reativarem o carvão e Bruxelas até decidiu que o gás natural merece o rótulo de verde, abrindo a porta a que receba fundos europeus e de entidades que têm mandatos para fazerem investimentos sustentáveis.
No entanto, a BlackRock considera que a corrida à neutralidade carbónica ainda não parou e que até pode acelerar mais que o previsto. “Vemos um caso de investimento para ativos ligados à transição [energética]”, defendem os especialistas da gestora. Realçam que “apesar de a atual política não ser suficiente para atingir a neutralidade carbónica até 2050, a transição pode acelerar à medida que a tecnologia se for desenvolvendo, as preferências sociais se alterem e o custo humano e económico das alterações climáticas se torne mais claro”.
A entidade americana acredita que os mercados ainda não refletiram totalmente nos preços atuais das ações o tema da transição energética; “Postulámos em 2020 que os mercados iriam, ao longo do tempo, valorizar os ativos das empresas mais bem preparadas para a transição. Algum desse ajuste nos preços já aconteceu, mas acreditamos que ainda há muito mais por chegar”.
A BlackRock considera que investir na transição energética não se consegue apenas com a aposta em empresas que já sejam verdes, “mas também em empresas que sejam intensivas em carbono e tenham planos credíveis para a transição ou que forneçam os materiais, equipamentos ou serviços necessários” para a descarbonização. Nessa categoria recaem setores como o petrolífero ou o mineiro, por exemplo.
Esta abordagem pode ser polémica, até porque a maior gestora de ativos do mundo tem sido alvo de críticas por parte de vários grupos ativistas por financiar alguma das empresas que emitem mais dióxido de carbono em redor do globo. No entanto, a gestora explica num dos seus relatórios sobre investimento sustentáveis que “espera permanecer como investidora de longo prazo em setores de intensidade de carbono porque essas empresas desempenham papéis essenciais na economia e numa transição energética ordeira”. Argumenta que, nesses casos, o que é necessário entender é de que forma essas empresas equilibram os investimentos de curto prazo com as perspetivas de longo prazo em direção à transição energética e o posicionamento do modelo operacional num cenário futuro de baixo carbono, que inclua o papel da empresa no contributo para a oferta fiável e acessível de energia.
A tolerância da gestora para com empresas que emitem CO2 aparenta ter aumentado. No ano passado, nas empresas em que tem participação, a BlackRock apoiou 47% das propostas de acionistas relacionadas com maiores exigências a nível social e ambiental. Mas num documento deste ano revelou que iria apoiar um menor número de propostas nessa área, já que muitas se assemelhavam a microgestão e a alterações estratégicas nos modelos de negócio das empresas.
A BlackRock tem cerca de dez biliões (milhões de milhões) de dólares sob gestão – um valor que é mais do dobro do PIB alemão – e lidera o ranking das insituições de investimento que gerem mais dinheiro.