Em abril do ano passado, a paralisação da atividade económica causada pela pandemia e alguns fatores técnicos do mercado levaram a que o impensável acontecesse e um dos contratos de futuros de petróleo negociasse com preços negativos. Mas não foi preciso muito tempo para a matéria-prima passar de valores historicamente baixos para máximos de vários anos, atingindo preços que pesam no bolso dos consumidores e podem complicar a recuperação da economia global.
Em apenas 12 meses, o preço do barril de Brent, que serve de referência para a economia europeia, valorizou cerca de 126% para mais de 85 dólares. Este desempenho traduziu-se num acréscimo expressivo do que se paga quando se abastece o automóvel. Em Portugal, por exemplo, os preços do gasóleo e da gasolina aumentam mais de 27% e 22%, respetivamente, desde outubro do ano passado. Estão nos valores mais altos de sempre e forçaram o governo a anunciar algumas medidas para mitigar o efeito destas subidas nos bolsos das empresas e famílias.
A escalada arrisca não ficar por aqui e há bancos de investimento e analistas a avisar que os preços podem superar a fasquia dos 100 dólares, especialmente se o próximo inverno for frio. O Bank of America referiu em setembro, citado pela Reuters, que nesse caso iria aumentar as estimativas para os preços do ouro negro para os três dígitos. E esta semana os analistas do Goldman Sachs avisaram que existe o risco da projeção que têm para o valor do Brent – 90 dólares até final do ano – ser conservadora. Consideram que o preço poderá ter de aumentar para 110 dólares para se encontrar um equilíbrio entre a oferta e a procura.
Oferta restrita, procura em alta e reservas baixas
Existem vários fatores a explicar a subida acentuada dos preços do petróleo. Um dos principais está relacionado com a política da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e outros produtores como a Rússia e que formam a OPEP+. Em vez de decidir um regresso rápido aos níveis de produção verificados antes da pandemia, o bloco decidiu em julho fazer subidas graduais e relativamente modestas. A cada mês, e até abril de 2022, aumentam a oferta em 400 mil barris por dia para ir compensando os cortes de produção de 5,8 milhões de barris por dia decididos no ano passado como resposta aos baixos preços.
Já do lado da procura, o ritmo tem sido forte devido à recuperação da atividade económica. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que aumente em 5,5 milhões barris diários este ano e em 3,3 milhões no próximo ano, levando a procura diária para 99,6 milhões de barris por dia em 2022, um valor ligeiramente acima do verificado antes da pandemia.
Além da retoma da atividade, o apetite por petróleo está a aumentar também como uma alternativa aos problemas na oferta e no preço de outras matérias-primas, como o gás natural. “Os preços estão a escalar para máximos de vários anos já que a falta de gás natural e de carvão aumentam a procura por petróleo, o que poderá manter o mercado em défice pelo menos até ao final do ano”, refere a AIE. Esta crise energética levou a que a procura adicional por petróleo, em substituição do gás e carvão, se situe em 500 mil barris por dia.
Os preços estão a escalar para máximos de vários anos já que a falta de gás natural e de carvão aumentam a procura por petróleo, o que poderá manter o mercado em défice pelo menos até ao final do ano
Agência internacional de energia
Também o nível de reservas causa algumas preocupações sobre a evolução futura dos preços. “Os dados preliminares mostram que os stocks nos países da OCDE baixaram em 23 milhões de barris por dia para um valor 210 milhões abaixo da média dos últimos cinco anos e para o nível mais baixo desde março de 2015”, sublinha a AIE. Já que existem ainda problemas na oferta, o risco é que essas reservas continuem a descer, o que poderá colocar mais pressão no mercado.
A ajudar a mitigar o efeito do aumento da procura e das baixas reservas poderá estar a recuperação da capacidade de produção nos EUA, após as paragens forçadas pelo furacão Ida que chegaram a diminuir a oferta num máximo de 1,75 milhões barris por dia.
Pesadas todas as dinâmicas do mercado, Craig Erlam observa, numa nota a investidores a que a EXAME teve acesso, que “há ainda muitos fatores a impulsionar a subida do petróleo e os fundamentais permanecem extremamente favoráveis”. O analista da corretora Oanda nota que as revisões em alta da procura por petróleo acontecem ainda antes do início do inverno, altura do maior consumo de matérias-primas energéticas. “Seria uma surpresa vermos o petróleo regressar aos três dígitos mais para o final do ano? Provavelmente não”, conclui.