Desde que o primeiro filme saiu, em 1977, Star Wars já acumulou quase 10 mil milhões de dólares em receita de bilheteira. Mais ou menos aquilo que o Estado português gastará com Educação em 2020. E isto sem contar com os milhões vindos de bonecos C-3PO ou jogos de cama Luke Skywalker. Ganhar dinheiro não é uma mera consequência destes filmes, faz parte do seu ADN. E no coração das histórias que George Lucas nos conta há também muitas lições de economia a tirar. Nem sempre as melhores. O que sabemos sobre a economia da galáxia?
COMÉRCIO (MAIS OU MENOS) LIVRE
“A desordem instalou-se na República Galáctica. A cobrança de impostos nas rotas de comércio para sistemas remotos está a ser alvo de disputa. Na esperança de resolver o impasse com um bloqueio de naves mortíferas, a gananciosa Federação do Comércio interrompeu todo o comércio para o pequeno planeta Naboo.”
Estas são as primeiras palavras que os espectadores de “Star Wars – A Ameaça Fantasma” viram no écran, em 1999. Para insatisfação de muitos fãs, George Lucas decidiu dedicar uma fatia inesperada de tempo das prequelas a desenhar a sua versão infantil de uma democracia parlamentar e a explicar como funciona a política fiscal da República.
Hoje, com Donald Trump a disparar tarifas no Twitter e em plena guerra comercial com a China, a escolha talvez fosse vista com mais interesse. Em 2019, o líder da Federação do Comércio, em vez de representar um infeliz estereótipo asiático, talvez tivesse cabelo alaranjado. A contaminação entre cinema e realidade comercial da era Trump não seria inédita.
Em 1999, a visão de George Lucas em relação ao comércio internacional parece ser “quanto mais livre, melhor”. A galáxia vive de trocas entre os planetas, com cada um deles a especializar-se em atividades diferentes. Tatooine, planeta de Anakin e Luke Skywalker, vive da exploração e venda de minerais (a família que adotou Luke dedicava-se a absorver humidade do ar). Este sistema comercial é impulsionado pela tecnologia hyperdrive, que permite fazer milhares de anos-luz em poucas horas.
Mas os problemas económicos deste sistema ficam também evidentes no filme, mesmo que Lucas não tenha dado por eles.
“Os ganhos com o comércio galáctico ficam reduzidos pelos monopólios concedidos a poderosos grupos industriais, como a Federação do Comércio, que invadiu o pacífico planeta Naboo no Episódio I. Estas instituições comerciais são problemáticas por vários motivos. Elas permitem que os monopolistas cobrem um premium, absorvendo benefícios que, de outra forma, iriam diretamente para produtores e consumidores. Encorajam a criminalidade por aqueles que tentam contornar o monopólio [como fez Han Solo para Jabba the Hut]. E encorajam os monopolistas a aplicar recursos valiosos na maximização dos lucros. Segundo o então senador de Naboo, Sheev Palpatine, os burocratas da República “estão a ser pagos pela Federação do Comércio”.”
O excerto é de um artigo da “Economist”, intitulado Wookienomics. A revista cita também o trabalho de Dani Rodrik, académico especializado em globalização. A tese central do economista de Harvard é que o atual modelo económico global impede que os países atinjam mais de 2 de 3 objetivos: integração económica, soberania nacional e democracia. Não é possível ter os três ao mesmo tempo.
Em “Ataque dos Clones”, os separatistas da Confederação de Sistemas Independentes procuram restaurar a sua soberania para fugir às regulações e impostos da República. E, ao longo dos três primeiros filmes, os rebeldes lutam por restaurar a democracia, mesmo que o preço a pagar seja uma menor integração económica.
Alguns economistas poderiam olhar para esse primeiro filme da segunda trilogia como um alerta acerca do poder excessivo das multinacionais e dos grandes bancos globais. Porém, como sabemos, o verdadeiro inimigo em Star Wars não era a Federação do Comércio, mas sim o político populista que fingia combatê-la. Talvez o filme tenha mesmo chegado 20 anos antes do tempo.
ESCRAVATURA SOBREVIVE AOS ROBOTS
Para civilizações tão tecnologicamente avançadas, é espantosa a dependência de trabalho escravo um pouco por toda a galáxia. Há droids para tudo, mas muitos humanos continuam a ter vidas horríveis, com trabalhos árduos e perigosos. E, em muitos casos, são ainda vistos como propriedade. Anakin Skywalker e a mãe eram escravos. Estranhamente, quando os Jedi os encontraram em Tatooine, não houve nenhuma tentativa para libertar todos os escravos do planeta.
“Os filmes Star Wars nunca tiveram um Spartacus”, aponta Stephen Carter, na Bloomberg. “Além disso, pouco no grande écran nos diz que nós, os espectadores, devemos ficar indignados pela tão comum utilização de seres humanos como propriedade.” A existência de escravos parece servir apenas para nos fazer ter pena de Anakin, Shmi e Leia, heróis que merecem ser salvos. Os filmes não parecem especialmente preocupados com o princípio de tratar pessoas como objetos.
Devemos culpar os jedi? Afinal, eles nem sequer conseguiram perceber que estavam a contribuir para a ascensão de um sith lord à liderança política da galáxia, quanto mais lutarem por maior justiça social.
Ao longo da nossa História, a escravatura foi decisiva para o desenvolvimento de potências económicas. Os Estados Unidos são um bom exemplo disso. Em 1850, dos 23 milhões de habitantes nos EUA, mais de três milhões eram escravos. O Projecto 1619, do “New York Times”, traz esta passagem do sociólogo Matthew Desmond:
“No auge da escravatura, o valor combinado dos trabalhadores escravizados era superior a todos os caminhos-de-ferro e fábricas do país […] A mão de obra escravizada da América era onde a riqueza do país estava […] A escravatura permitiu a esta nação pobre transformar-se numa potência colossal na economia mundial.”
DESTRUIR A DEATH STAR ARRUÍNA A GALÁXIA?
“O Senhor dos Anéis tinha uma filosofia muito medieval: se o rei for um bom homem, o reino irá prosperar. Olhamos para a História real e não é bem assim. Tolkien pode dizer que Aragorn se tornou rei e reinou por 100 anos, que foi sensato e bom. Mas Tolkien não faz a pergunta: qual era a política fiscal de Aragorn? Manteve um exército permanente? O que fez ele em tempos de cheias e fome?”
Estas dúvidas pertencem a George R. R. Martin, autor de “As Crónicas de Gelo e Fogo”, os livros que servem de base à série “Guerra dos Tronos”. Enquanto Martin pode passar páginas a explicar da aplicação de um imposto, Tolkien prefere descrever longamente um tipo de tabaco.
Os primeiros três filmes de Star Wars também tinham uma abordagem mais superficial às questões práticas da política económica. Só assim se explica que haja tão pouca reflexão acerca das consequências de explodir duas estações espaciais do tamanho de pequenas luas. Em 2015, poucos dias antes de estrear o novo filme da terceira trilogia, o matemático Zachary Feinstein, da Universidade de Washington, decidiu colmatar essa falha com a publicação de “It’s a Trap: Emperor Palpatine’s Poison Pill”.
No final de “O Regresso do Jedi”, os ewoks estão a dançar à volta da fogueira e há fogo de artifício um pouco por toda a galáxia, mas é muito provável que a manhã seguinte traga uma forte ressaca. Segundo Feinstein, a revolução deverá mergulhar a economia numa crise profunda, que provavelmente exigirá um resgate financeiro equivalente a 20% do PIB.
Entre a destruição massiva de infraestruturas, a morte do imperador e o vazio de poder que se seguiria, os efeitos da vitória de Luke Skywalker e companheiros seriam imediatos. O cenário mais provável seria um colapso dos mercados semelhante aquele que sucedeu ao 11 de setembro. E essa seria apenas a primeira vaga da crise. O verdadeiro problema estaria na dívida.
George Lucas nunca nos diz, mas a construção de duas Death Stars exigiu muito provavelmente financiamento bancário. Com a queda do Império, não haverá ninguém para cumprir essas obrigações. As instituições financeiras enfrentarão grandes dificuldades e provavelmente até uma corrida aos depósitos. As ondas de choque seriam rapidíssimas, sentidas de Tatooine até Endor.
Feinstein estima que, se quisesse manter a economia da galáxia à tona, a Aliança Rebelde precisaria provavelmente de preparar um resgate entre 15% e 20% do “produto galáctico bruto” (PGB) a aplicar ao longo de quatro anos. Políticos e economistas talvez tivessem discussões semelhantes aquelas a que assistimos durante a crise financeira de 2008, quando alguns defendiam que deveríamos deixar os bancos cair (e talvez usar diretamente o dinheiro para apoiar as famílias em dificuldades). A visão que acabaria por vencer é aquela que é também descrita por Feinstein: sem resgate, a economia da galáxia “entraria uma depressão económica de proporções astronómicas”.
Para chegar a estas estimativas, o matemático aproveita uma resposta dada pela Casa Branca em 2013 a uma petição que pedia que os EUA construíssem uma Death Star. Na altura, a Administração Obama calculava que, só em aço, essa estação espacial custaria 850 triliões de dólares. “A Administração não apoia explodir planetas […] porque haveríamos de gastar incontáveis dólares dos contribuintes numa Death Star com um defeito fundamental que pode ser aproveitado pela nave espacial de um só homem?”, dizia a resposta (era uma brincadeira).
Partindo desse valor, Feinstein assume uma estrutura de custos igual à do porta-aviões nuclear USS Gerald Ford e que um projeto desta envergadura teria o mesmo peso que o Projecto Manhattan – que desenvolveu a bomba atómica – na economia americana.
Contas feitas, a primeira Death Star teria custado 193 quadriliões de dólares. Parece muito, mas representa pouco mais de 4% da economia do Império (por comparação, a economia dos EUA vale apenas 0,0000004% do Império). A segunda Death Star era maior e ficou mais cara: 419 quadriliões de dólares.
Feinstein parte do princípio que parte da dívida da Death Star I já tinha sido paga e que a segunda ainda estava por pagar, o que equivale a um endividamento de 515 quadriliões. Isto se o Imperador Palpatine fosse conservador na gestão das contas públicas – um Wolfgang Schäuble a nível galáctico – e não tivesse outras dívidas.
“O resultado mais surpreendente foi a dimensão do colapso económico”, diz Feinsten. “Sem um resgate, existia uma hipótese não negligenciável de uma quebra de 30% na dimensão da economia galáctica da noite para o dia. Mais do que as perdas com a Grande Depressão ao longo de quatro anos.”
Para aqueles que não perceberam bem como é que o Império tinha sido derrotado – os bons ganharam! – e alguns anos depois regressa com outro nome (“Primeira Ordem”, “Ordem Final”), talvez a resposta seja que os rebeldes foram incapazes de estabilizar a economia da galáxia e que à revolução se seguiu um período de profunda crise económica.
“As perspetivas parecem ser muito negativas para o cidadão comum do Império”, refere Feinstein ao site da Universidade de Washington. Ninguém parece ter um plano e, se os jedi já se mostravam politicamente incompetentes nas prequelas, imagine ter de gerir uma economia em recessão. “Acho que é pouco provável que a Aliança Rebelde tenha a vontade política e os recursos financeiros para oferecer o resgate bancário antes que seja tarde demais.”
Aliás, esta teoria parece ser verbalizada por uma personagem da série “The Mandalorian”, interpretada por Werner Herzog. A série passa-se cinco anos após “O Regresso do Jedi”. “Qualquer métrica que usemos – segurança, prosperidade, oportunidades comerciais, paz – compara a governação imperial com aquilo que está a acontecer agora. Olha lá para fora, o mundo está mais pacífico desde a revolução? Eu só vejo morte e caos.”
ALGUÉM FAZ RECICLAGEM?
Já repararam como o lixo está sempre presente em Star Wars? Anakin Skywalker trabalhava numa sucata, os jawas que vivem em Tatooine recolhem lixo e a Rey vive de encontrar tecnologia abandonada em Jakku.
“O universo Star Wars gera toneladas de lixo, muito dele reciclável. Contudo, apesar de existirem muitas sucatas e quem o recolha, vê-se muito pouca reciclagem. Na sua maioria, o metal, plástico e papel parece ser deitado fora com o lixo”, escreve Adam Minter, autor de “Junkyard Planet”. “O meu exemplo preferido ocorre em “O Império Contra-Ataca”. Num momento crucial, um Imperial Star Destroyer deita para o espaço pedaços gigantes de metal antes de saltar para o hiperespaço (segundo Han Solo, isto faz parte do protocolo imperial). De uma perspetiva terráquea, isto é suicídio comercial: os metais são os materiais mais valiosos para reciclar e mesmo vilões sabem que se pode fazer dinheiro com a sua venda.”
Minter explica que este comportamento aparentemente irracional pode justificar-se com a dimensão da galáxia e a velocidade supersónica de deslocação entre planetas. Ambos esbateram o problema da escassez. Não faltam regiões para continuar a extrair mais minerais, portanto para quê reciclar? O facto de podermos simplesmente saltar de planeta para planeta também diminui as possibilidades de surgir algum movimento ecologista que defenda a reutilização de materiais.
Mais: quem, como Rey, recolhe lixo não parece valorizar a matéria-prima de que ele é feito (o metal de uma nave), mas sim a tecnologia subjacente (um gadget que ainda funcione). Quando vemos as ruínas de um star destroyer em Jakku, ninguém se dá ao trabalho de o desmontar, mas Rey anda aos saltos dentro da nave, a tentar encontrar alguma coisa de “valor”. Espalhados pelos filmes, não faltam exemplos de personagens que tentam encontrar peças para reparar naves.
Isto não faz sentido nenhum para a maior parte da reciclagem feita na Terra, mas um novo tipo de reciclagem assemelha-se ao modelo Star Wars. A explosão de computadores, servidores e smartphones tem aproximado a indústria da forma de trabalho dos Jawas. Em vez de aproveitarem os materiais, tentam usar os gadgets que constituem os aparelhos.
Quando juntamos todos estes temas económicos, não é difícil concluir que, mandem os “bons” ou os “maus”, a galáxia imaginada por George Lucas assemelha-se muito a uma distopia económica. “Um suposto comércio livre corrompido por corporações e monopólios; um Império que gasta somas enormes de dinheiro em tecnologia militar; uma aliança rebelde que não tem qualquer plano para compensar as perdas económicas quando essa tecnologia for destruída; e escravatura por todo o lado, que ninguém na galáxia parece interessado em resolver”, resume Carter.
Ninguém vai ao cinema ver Star Wars para pensar sobre economia. Queremos ver naves espaciais incríveis, o R2-D2 a ser adorável e os tipos dos sabres azuis e verdes a ganharem aos tipos dos sabres vermelhos. Mas um olhar diferente acerca dos filmes pode ajudar a refletir acerca dos desafios económicos do nosso mundo.