“Acho que hoje, para ser moderado, é preciso ter coragem e discernimento”. Foi assim que António Bagão Félix começou a sua intervenção na Portugal em EXAME, no painel “Clube dos Moderados”, iniciativa na qual a revista aproveitou para celebrar 35 anos de vida.
Bagão Félix partilhou o palco com Luís Marques Mendes, esta terça-feira, 25 de junho, no Auditório Américo Amorim. A sede da Galp recebeu assim a Portugal em EXAME, uma iniciativa que contou com o patrocínio do Bankinter Portugal e da KPMG Portugal, e ainda com o apoio da AdegaMãe.
“É preciso ver a moderação como uma virtude ética. Para além dos aspetos funcionais, claro. Verdadeiramente, a ideia da moderação foi largamente estudada e refletida há 2500 anos por Aristóteles”, continuou o antigo governante, lamentando que “o conceito da mediedade, o meio termo entre os excessos e as insuficiências” se tenha perdido. “Esse meio termo não era em relação à coisa que se estava a tratar, mas em relação à própria pessoa. Atualmente não está na moda ser moderado – pelo contrário! Porque, hoje em dia, ser moderado é ser chato”.
Na sua já costumeira participação neste Clube, Bagão Félix salientou a pressão que a televisão e os novos meios fazem na construção do discurso, com a necessidade de ter um “soundbite” de 30 segundos que funcione. “A pessoa em 30 segundos só diz “bom dia” e “boa tarde” e fica logo pressionada para não ter um raciocínio estruturado. E o raciocínio é uma forma de moderação!”, notou.
“A humildade e a simplicidade democráticas são diferentes do simplismo. Hoje é tudo catalogado e etiquetado à primeira. As ideias, hoje, fazem-se etiquetando, sem buscar compromisso. A busca de compromisso tem subjacente acabar com a ditadura do dia seguinte, e pensar no que é a ideia ou a formulação num prazo mais longo. O que é um convite à moderação. A lógica de se discutir apenas para o dia é um convite para a não moderação, porque despreza a realidade”, avisou ainda o economista.
Luís Marques Mendes acompanhou a ideia e acrescentou uma reflexão: “A moderação pode não estar na moda, para certos segmentos, sobretudo quando as prioridades estão centradas na espuma dos dias, havendo comentadores televisivos de 15 em 15 minutos”, atirou divertido, recordando que ele próprio tem o seu espaço de comentário semanal. “Mas isso é para a bolha política mediática. O País está dividido, hoje, em várias partes”, acredita o advogado. “Duas muito marcantes: a bolha política mediática, que é um conjunto de pessoas que fala sempre das mesmas matérias, e que falam um para os outros…e o País está ao lado disso. O País, em si, quer outras coisas. Quer moderação, equilíbrio, sensatez. Não quer radicalismo, não quer extremismo”, garante.
“A maior parte dos portugueses não é especialista em política. A maior parte do País tem bom senso. E a moderação é o equilíbrio, a sensatez, é ver as coisas com sentido de racionalidade. A moderação não é paralisia, não é situacionista, não é anti-reformista, e claro que não é falta de convicção, evidentemente”, destaca.
Numa conversa conduzida pelo diretor da EXAME, Tiago Freire, Marques Mendes fez ainda questão de esclarecer que se a moderação “não for devidamente explicada, pode pensar-se que moderar é ser conservador. No sentido de não ser reformista. E isso não é verdade”.
“Até um ímpeto reformista ou transformador, exige equilíbrio, moderação e sensatez”, continua.
Bagão Félix reforçou que “a moderação não é um fim em si mesmo, é um método. E não tem nada que ver com a questão ideológica. Tem que ver com a forma como se é capaz de contextualizar o momento, as pessoas envolvidas… o moderado é aquele que percebe as restrições face à questão que se coloca ou à questão que tem de se resolver”.
Na ocasião, o antigo ministro recordou um episódio de quando trocou a pasta de Ministro do Trabalho para a de Ministro das Finanças, aquando da saída de Durão Barroso do Governo – que daria lugar a Pedro Santana Lopes à cabeça do Executivo social-democrata. Era início de verão, e Bagão Félix tinha entregado o Orçamento do Ministério do Trabalho e da Segurança Social à então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite. Com a dança das cadeiras, coube-lhe a ele avaliar o Orçamento que tinha feito, mas que lhe foi entregue pelo seu sucessor, Fernando Negrão. “Comecei logo a pôr em causa uma série de questões que estavam no Orçamento da Segurança Social – isto é sempre assim entre o antipático do Ministro das Finanças e os ministros setoriais” (risos) Ao fim de um tempo, o Fernando Negrão diz assim: “Oh colega, mas sabe que eu não mudei uma vírgula ao orçamento que o senhor agora está a criticar…”
“E eu de repente, depois de uma gargalhada, aos 55 ou 56 anos, dei por mim a ter uma lição das maiores que tive até hoje. Uma lição dentro de mim. De facto, eu estava a ser honesto para mim próprio quando entreguei o Orçamento à Dra. Manuela Ferreira Leite. E estava a ser honesto depois, quando o recebi como ministro das Finanças. Mas o contexto era outro”. E compreender isso é fundamental para se manter a serenidade e a ponderação, não deixando o pé fugir para os extremismos, salienta.
Bagão Félix aproveitou ainda a presença na Portugal em EXAME para recordar todas as críticas que foram feitas ao livro que coordenou recentemente, e que gerou uma grande polémica nacional – Identidade e Família – lamentando que as principais críticas tivessem chegado mesmo antes de o livro ser lançado.
E, em jeito de brincadeira, revelou que o livro já vai na sua quarta edição, o que possivelmente se deve precisamente a todo o burburinho que se gerou em volta da sua publicação: “e que pena termos prescindido dos direitos de autor”, atirou divertido, antes de admitir que, obviamente, não é moderado em todos os momentos da sua vida.
“A moderação exige seriedade. Por exemplo, no futebol eu não sou moderado”, diz, para ouvir ao seu lado um divertido Marques Mendes a comentar que “isso a gente sabe”.
“Nunca vi um penalty marcado contra o Benfica que fosse bem assinalado”, continua Bagão Félix com uma gargalhada. “E ando há 52 anos a tentar explicar a minha mulher o que é um off side, e não consigo – o que abona a favor dela. Mas aí dou-me ao gozo da imoderação”.
“Agora, no resto, temos de perceber que a seriedade, a humildade, a sensatez são aspetos essenciais para ser moderado. Mas hoje, também contra a moderação, estamos a sofrer as incidências, larvares umas vezes, epidémicas outras vezes, do chamado wokismo, a política de cancelamento. As pessoas hoje já não dizem o que pensam, mas têm de pensar no que dizem e dizê-lo da maneira correta”.
E voltando ao livro, esclarece: “por eu defender uma ideia, não significa que estou a pôr de lado ou que sou contra todas as outras ideias. Quando o livro defende que a prioridade é a família natural, as pessoas não podem acreditar que não se admitem outras formas. O discurso de ódio é bilateral. Tanto é o dos que são radicais, como dos que não são radicais…entramos num processo maniqueísta, em que só há preto e branco, não há cinzento”, lamenta.
Já Marques Mendes aproveitou a manhã passada com o público e a equipa da EXAME para deixar um aviso aos atuais governantes, para quem atirou a responsabilidade de travar o crescimento populismo que, recordou, não é um fenómeno exclusivo de Portugal.
“O populismo nacional, do meu ponto de vista, é um populismo não consolidado. Em grande medida, o sucesso do populismo em Portugal está dependente da governação: se for boa, eficaz, e resolver problemas concretos das pessoas, o populismo leva uma machadada. Se as expectativas que estão criadas não se concretizarem, o populismo volta a subir”, alerta.
“Uma parte deste populismo tem mesmo que ver com questões sociais. Eu compreendo que uma parte grande das pessoas tenha votado da forma que votou em março. Dois anos antes das últimas eleições, tivemos um Governo que, ainda que com maioria absoluta, foi um desastre completo – do ponto de vista de governabilidade, de saídas constantes de pessoas, do ponto de vista de não ter nenhuma iniciativa transformadora…e a partir daí as pessoas ficam zangadas e descontentes. Espero que os governantes atuais não se deslumbrem com as cadeiras do poder e que seja dito a qualquer governante, do PS ou do PSD, que não há vitoria que não termine em derrota. E que está nas mãos, nas mesas, nas pastas deles a capacidade de acabar com o populismo”, concluiu.