Nos últimos meses, os responsáveis do Banco Central Europeu (BCE) já tinham marcado a reunião de 6 de junho como a altura mais apropriada para aliviar as taxas na Zona Euro. E cumpriram com o guião, aliviando os juros de referência em 0,25 pontos percentuais. É o primeiro corte depois de um ciclo agressivo de agravamento do custo de dinheiro, que levou as taxas de referência a subirem 4,5 pontos percentuais em pouco mais de um ano, depois de anos de juros negativos.
A grande questão é se o alívio decidido na reunião de política monetária desta quinta-feira é o primeiro de vários ou se o BCE irá manter as taxas em níveis elevados para garantir que a inflação continua a recuar para a sua meta de 2%. A presidente do BCE, Christine Lagarde, continuou a dar ênfase na parte da mensagem de que os juros continuarão em terreno restritivo e não se comprometeu com mais descidas. “Estamos determinados a assegurar o retorno atempado da inflação ao nosso objetivo de médio prazo de 2%. Para o efeito, manteremos as taxas de juro diretoras suficientemente restritivas enquanto for necessário”, disse na conferência de imprensa em que justificou as decisões tomadas na reunião de política monetária de junho. E salientou: “Não nos comprometemos previamente com uma trajetória de taxas específica”.
De olhos na inflação
Mesmo com o corte desta quinta-feira, a taxa da facilidade permanente de depósito – o juro que o BCE paga aos bancos para lhes guardar dinheiro e que influencia o comportamento das Euribor – situa-se ainda em 3,75%. É um nível historicamente alto e contrasta com os valores negativos que se verificaram entre junho de 2014 e julho de 2022. Já a taxa das operações principais de refinanciamento – o custo que o BCE cobra para emprestar dinheiro à banca – desceu de 4,50% para 4,25%.
Nos mercados financeiros, os investidores e analistas esperavam que o BCE fizesse vários cortes de juros este ano. Mas, apesar de o banco central estar a reconquistar bastante terreno na luta contra a inflação – que baixou de 10,6% em outubro de 2022 para 2,6% no passado mês de maio – Lagarde mantém-se cautelosa. “Não obstante os progressos realizados nos últimos trimestres, as pressões internas sobre os preços permanecem fortes, dado que o crescimento dos salários é elevado, sendo provável que a inflação se mantenha acima do objetivo durante grande parte do próximo ano”, advertiu a presidente do BCE.
Na decisão desta reunião, o Conselho de Governadores contou com novas projeções económicas preparadas pelos economistas do banco central. Preveem que a inflação global seja, em média, de 2,5% em 2024, 2,2% em 2025 e 1,9% em 2026. Este último valor está bastante próximo da meta de 2%. Mas Lagarde salientou riscos. “A inflação poderá revelar-se mais elevada do que o previsto, se os salários ou os lucros aumentarem mais do que o esperado. Os riscos em alta para a inflação também decorrem das tensões geopolíticas acrescidas, que podem fazer subir os preços dos produtos energéticos e os custos de frete no curto prazo e resultar em perturbações no comércio mundial”.
Margem para mais descidas?
No final de 2023, a expectativa de que a inflação descesse rapidamente levou os economistas a antecipar vários cortes de juros na Zona Euro ao longo de 2024. Mas esse cenário já não é assim tão certo. “A persistência da inflação tornou claramente alguns membros do BCE mais cautelosos e relutantes do que há uns meses” em relação à descida dos juros, notam os economistas do banco ING, numa nota a investidores. Acrescentam que “num mundo ideal, no qual a economia da Zona Euro cresce ao ritmo das projeções do BCE com a inflação ligeiramente abaixo de 2%, o banco central poderia continuar a cortar taxas”.
Caso os preços e a economia sigam a rota esperada por Frankfurt, os economistas do ING consideram provável novas descidas em setembro e dezembro. Porém, advertem que não seriam necessárias muitas surpresas negativas do lado da inflação para o BCE evitar novas descidas. Concluem que “com a decisão de hoje, o BCE soltou ligeiramente o travão da política monetária mas, com mais obstáculos inflacionistas na estrada, é muito cedo para sequer pensar em tirar totalmente o pé do travão”.