Começou a ser desenvolvido em 2019 e conta com quatro investidores, “todos portugueses”. O Adamastor Furia, que foi apresentado esta terça-feira, na Alfândega do Porto, é o primeiro superdesportivo português, e quer competir “com o Valkyrie, da Aston Martin, a Ferrari e a Porsche”. Será posto à venda pelo valor de €1,6 milhões (mais impostos).
Para isso, ainda precisa de passar nos testes de estrada, que incluem testes de embate e demais homologações, um processo que será iniciado no próximo mês. Mas em simulador os resultados são animadores, garante Ricardo Quintas, CEO da Adamastor, e um dos fundadores da empresa que nasceria em 2012 pelas suas mãos e as de Nuno Faria.
“A nossa preocupação, entre várias, é o baixo custo de operação”, diz, em entrevista à EXAME, na véspera da apresentação do Furia. “Comparado com a concorrência, tem um custo extremamente baixo. Só aí temos uma grande mais-valia”, responde quando lhe perguntamos como pensa competir com e destacar-se entre algumas das marcas mais valiosas – e consagradas – do mercado automóvel mundial. As tais que elegeu como suas concorrentes. “Depois, diferenciamo-nos com o tipo de serviço que prestamos”, realça, explicando que terão uma equipa de cinco pessoas dedicadas a ir a casa de qualquer cliente para resolver questões menores que possam surgir ao longo do tempo de utilização do Furia. No mesmo sentido, a Adamastor estará sempre disponível para receber as unidades na fábrica de Perafita, em Matosinhos, para questões que exijam maior intervenção, e com garantia de fábrica.
“Mas para saberem o que o carro vale, vão ter de aguardar um bocadinho”, admite. “Vai começar a ser visto em corridas, e aí as pessoas vão perceber”. Segundo as especificações técnicas partilhadas com os jornalistas, o Furia conta com chassis em fibra de carbono, motor de 6 cilindros em V, biturbo, e origem Ford Performance, uma potência de mais de 650 cavalos, e uma aceleração de 0 a 100km/h de cerca de 3,5 segundos.
Investigação e Desenvolvimento no topo das prioridades
Regressemos aos números, para perceber como tudo aconteceu: desde 2019, e até ao final deste ano – no limite, até junho de 2025 – a Adamastor conta alocar €17 milhões a este projeto do Furia. O valor inclui Investigação e Desenvolvimento, infraestruturas, licenças de software e maquinaria. “O maior investimento foi, sem dúvida, em Investigação e Desenvolvimento”, diz o CEO. “Tivemos de aprender muito, para depois sermos muito eficientes. É normal”, explica. Uma vez que os testes de estrada ainda não estão feitos, parte deses €17 milhões está guardado para responder a eventuais correções que tenham de ser realizadas. “O objetivo é, ainda no final do anom termos as duas homologações – FIA e Autoridades Europeias – para podermos conseguir vender as unidades e participar em corridas”.
O Adamastor Furia começou a ser desenhado em 2019 por uma equipa nuclear que conta com 14 pessoas – nem todas a trabalhar a 100% para a empresa – e que inclui profissionais que colaboram com equipas de Formula 1, como João Ginete (atualmente na Haas F1 Team) e técnicos que foram fazendo carreira sobretudo em Portugal. Para que a ideia fosse para a frente, numa fase incial, para além dos fundadores da Adamastor, foram essenciais ainda os contributos de Alfredo Matos e Frederico Ribeiro.
E é neste núcleo de 14 pessoas que, garante Ricardo Quintas, reside o núcleo que dará formação a quem chega, e o responsável pelos novos carros desenhados pela Adamastor. “Gostava que desenhássemos um modelo a cada dois anos. Mas eu só preciso de um aerodinamicista quando estou a desenhar um novo modelo, não preciso dele sempre”, nota, quando questionado sobre como continuará a desenvolver a Adamastor sem uma equipa de profissionais dedicada a 100%, ao contrário do que acontece na concorrência.
Além disso, salienta, “como queremos estar sempre na vanguarda da tecnologia e inovação, é bom termos estas pessoas” a trabalhar no que de melhor se faz no mundo.
Para a fábrica, serão contratados, entretanto, os cerca de 100 profissionais necessários para que se dê início ao processo de produção: “No final de 2025 contamos ter 108 pessoas. Neste momento temos as 14 da equipa nuclear, mais um grupo de consultores subcontratados que nos apoiam, e que são cerca de 10 pessoas”, esclarece. Mas, para responder aos seus próprios objetivos – a construção de 25 unidades por ano – tem de ter uma fábrica a funcionar sem falhas, durante os próximos meses.
Para o desenvolvimento do Furia foram ainda fundamentais as cerca de 10 parcerias que a Adamastor fez, seja com fornecedores de matérias-primas, seja com quem desenvolveu motores e caixas de velocidade… “A nossa relação com os nossos parceiros foram fundamentais para diminuir os nossos custos de produção”, sublinha o responsável da empresa. “São todas parcerias de longo ou de muito longo prazos. Queremos manter estas parcerias e que elas sejam benéficas para ambas as partes”, remata.
Por agora, o Furia tem direito a duas versões: uma de estrada, cuja produção será limitada a 60 unidades, e outra de competição. “Este não pode ser limitado, porque imagine que um investidor decide apostar na Adamastor e ter uma equipa. Não podemos dizer que só têm 60 chassis. Tem de ter a certeza de que temos capacidade de reposição de peças”, explica Quintas.
A fábrica de Perafita, um espaço de 2.225 metros quadrados, tem potencial de expansão para o dobro, e é onde tudo vai acontecer. “Estimamos que os primeiros carros vão demorar cerca de 6 meses a produzir. O gargalo de capacidade de produção são os habitáculos”, explica ainda. “Com o equipamento que temos neste momento, sem mão-de-obra, demoramos 6 semanas a produzir um habitáculo. O objetivo é termos equipas suficientes para cumprirmos os nossos planos”.

Numa altura em que os recursos humanos são um problema transversal a várias indústrias, Ricardo Quintas mantém-se otimista, e garante que já começaram a fazer prospeção de mercado junto das Universidades. “Nada deste projeto foi fácil”, atira com uma gargalhada que ouvimos pelo telefone. “Chegámos onde chegámos usando a filosofia de Colin Chapman: “Less is more”. À boa maneira nossa, conseguimos fazer o que fizemos com pouco dinheiro, cometendo o menor número de erros possível, saindo bem à primeira e validando as nossas opções. Só conseguimos isto sendo muito eficientes”, sublinha este portuense formado em Gestão e Administração.
Por isso, é com tranquilidade que o CEO da Adamastor antecipa o sucesso do Furia no mercado automóvel, onde identifica três potenciais clientes: os colecionadores de carros exclusivos, os amantes de carros de alta performance e o condutor que, pontualmente, quer usar o seu carro em pista.
Num primeiro momento, a Adamastor quer vender os Furia na Europa e nos Emirados Árabes. São essas as primeiras homologações a garantir. Só daqui a um tempo que é pensa acelerar para os EUA, América do Sul ou Ásia.
O que se torna claro, também, é que a Adamastor precisa das vendas para começar a produzir – uma vez que a dotação orçamental está prevista para garantir as homologações, mas não muito mais do que isso – ou então de mais investidores.
“Investidores são sempre bem-vindos”, confirma Quintas. “Digo sempre que mais vale ser dono de 10% de um bife do que 100% de um osso. Conseguiríamos crescer. Até porque uma das nossas funções é desenvolver tecnologias” – o que fazem através da Adamastor Advanced Technologies, que já patenteou algumas invenções e que encontrou várias soluções para o desenvolvimento do Furia “e a um custo muito inferior porque quem não tem cão, caça com coelho”, diz.
Digo sempre que mais vale ser dono de 10% de um bife do que 100% de um osso
ricardo quintas
Não fecha, por isso mesmo, a porta a investidores estrangeiros – mas admite que gostaria que a maioria do capital continuasse a ser nacional – até porque, nota, “se tivéssemos €5 milhões por ano para Investigação e Desenvolvimento, dávamos pulos de contentes”.
Para já, é tempo de se concentrar em homologar o Furia, mostrá-lo em pista – a Adamastor não apostará em show-rooms, uma vez que acredita na capacidade de o carro encantar na estrada – e começar a produzir. Se correr tudo bem, daqui a dois anos, a empresa estará a apresentar um novo modelo, desenhado e projetado pelas mesmas 14 pessoas que deram vida ao Furia. Ou por outras, que estas tenham formado.
A escolha do nome da empresa, Adamastor, não terá sido alheia à figura d’O Mostrengo, com que Luís de Camões falou da mitológica figura no Canto V d ‘Os Lusíadas. Nele, o Adamastor simboliza as forças da Natureza que se erguiam do fundo do mar e tornavam difícil o caminho aos navegadores portugueses. Se for parecida com o Mostrengo, a Adamastor arrisca mesmo tornar-se numa empresa muito valiosa para a economia nacional. Mas, tal como referia o CEO da organização no início da nossa conversa, ainda vamos “ter de aguardar um bocadinho” para confirmar. A promessa ficou feita: daqui a dois anos voltaremos a conversar para saber do novo modelo e das vendas do Furia. Que já se destaca por ser o primeiro superdesportivo 100% português. O que significa que, à imagem d’ O Mostrengo, coragem não lhe faltou.