Incentivos errados, falta de ambição, burocracia e uma Administração Pública com dificuldades de executar as reformas legisladas. São estas algumas das limitações no modelo de apoio às empresas que existe em Portugal, referidas por Ana Lehmann, professora na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-secretária de Estado da Indústria, e por Carlos Tavares, economista e ex-ministro da Economia. Ambos participaram numa sessão da conferência dedicada às 1000 Maiores PME nacionais, organizada pela EXAME, em parceria com a Informa D&B e a EY, e com o apoio da Ageas Seguros.
“É preciso ter as políticas certas para que as empresas invistam. Não basta chamar o Luís de Matos”, brincou Carlos Tavares, referindo-se ao ilusionista (e empresário), que tinha sido entrevistado no painel anterior. “Precisamos de empresas maiores. Todos os sinais dados pela política económica são para manter as empresas pequenas”, acrescentou, citando a forma como é calculado o IRC e a ponderação dos créditos nos balanços dos bancos. “As empresas que crescem deveriam ser premiadas e haver instrumentos de capitalização adequados. Não bastam linhas de crédito.”
O antigo presidente da CMVM apresentou também uma longa lista de itens burocráticos que as empresas têm de descodificar no seu dia-a-dia, incluindo centenas de incentivos fiscais, dezenas de categorizações fiscais e de peças de legislação. “Isto representa custos para as empresas, principalmente as PME, que não têm dinheiro para contratar consultores”, argumentou. Pediu também uma reforma da Administração Pública, que permita executar as reformas que os Executivos legislam. “Os governos confundem fazer uma reforma com fazer uma lei.”
Ana Lehmann concorda que a “agilização” e a “desburocratização” são “temas inquestionáveis” no debate de políticas públicas. “É preciso estabilidade, transparência e coragem para fazer escolhas: os apoios, por vezes, vão para empresas inviáveis”, afirmou, mencionando, por exemplo, o incentivo a projetos em setores não transacionáveis.
Numa conversa acerca do estado da economia portuguesa, a ex-governante reconheceu que “os dados macro são encorajadores”, mas deixou uma série de alertas acerca de desenvolvimentos que se escondem nos grandes números. “Um terço dos jovens estão a emigrar porque não conseguem um nível salarial compatível com as expectativas e qualquer dia não temos professores”, sublinhou.
A conferência decorreu poucos dias depois de sabermos que a economia nacional cresceu 2,3% no ano passado, um dos valores mais elevados da União Europeia e acima das estimativas mais recentes. Carlos Tavares avisou contra o perigo de nos “contentarmos com as pequenas vitórias”, estimando que teríamos de crescer muito acima da média durante um longo período de tempo para anularmos o fosso de riqueza que temos face à generalidade dos países europeus. Em relação às contas públicas, o economista também argumenta que não devemos estar eufóricos com a descida da dívida. “Temos recursos limitados e uma dívida de 100% do PIB e estamos convencidos de que estamos bem…”
Com o arranque do período eleitoral, os telejornais estão cheios de promessas dos partidos políticos. Aquilo que Carlos Tavares apelidou de “ilusionistas de alto gabarito nas televisões”. “Mais do que incentivos para as empresas, eu peço é que não haja desincentivos.”
Esta foi a 29ª edição da iniciativa das 1000 Maiores PME.