Chegou à Microsoft em 1992 e tornou-se líder 22 anos depois. Na sua apresentação aos empregados da tecnológica escolheu as seguintes palavras: “A nossa indústria não respeita a tradição, só respeita a inovação”. O futuro estava ali traçado. Uma década volvida, o engenheiro Satya Nadella pegou numa empresa que começou por desenvolver software, mas que se transformou: hoje, lidera a corrida na inteligência artificial e tem nos videojogos um dos braços mais lucrativos do negócio.
Miguel Caldas, Senior Cloud Solution Architect e colaborador da Microsoft Portugal há mais de 27 anos, conheceu Satya muito antes de se tornar CEO da gigante tecnológica. À EXAME, conta a experiência: “Estava em Seattle num evento técnico, por volta do ano 2000, e ele era, na altura, diretor técnico na área do Windows Server. Fiquei com o contacto dele porque, 20 minutos depois do fim da sua sessão, continuava entusiasmadamente a responder a perguntas sobre o ‘seu’ produto à meia dúzia de maduros que tinham ficado para o fim para aprender mais. Os outros responsáveis despediam-se ao fim de cinco minutos”.
Nadella é apenas o terceiro líder da Microsoft, que nasceu em 1975. Bill Gates fundou a empresa com Paul Allen e manteve-se CEO até ao ano de 2000. Depois, assumiu a liderança Steve Ballmer – atual dono da equipa de NBA Los Angeles Clippers – até 2014, ficando conhecido pelas danças e entusiasmo em palco, como na mítica conferência de apresentação de novos produtos, nos anos 2000, ou antes disso, na apresentação do Windows 95.
Mas, se Nadella não foi capaz de manter o mesmo nível de entretenimento em palco, provou ser mais eficiente a brilhar fora dele. E talvez a formação de ambos ajude a explicar as diferenças: Satya formou-se em engenharia elétrica e de ciências da computação; Steve é um empresário especializado em marketing e vendas.
“A nomeação para CEO foi surpreendente para quem o conheceu como engenheiro. E, confesso, senti naquele momento alguma apreensão pela escolha. Após dois líderes como Bill Gates e Steve Ballmer, de uma competitividade elevada, as maneiras suaves a a linguagem conciliadora do Satya pareciam algo distantes da herança dos seus antecessores”, explica à EXAME Miguel Caldas, acrescentando que “hoje, os meus receios foram completamente infundados”.
Fusões, aquisições e parcerias
Nas aquisições, o atual líder da Microsoft deu continuidade ao legado do seu antecessor ao comprar 108 empresas nesta década, até ao momento (face às 117 adquiridas no reinado de Ballmer – onde se inclui a portuguesa Mobicomp, em 2008). Mas o foco mudou.
O maior negócio de Ballmer foi a compra do Skype (2011) por 8,5 mil milhões de dólares e as empresas que ia adquirindo eram, na sua grande maioria, de software (57). Já Nadella, mesmo continuando a adquirir pequenas companhias na mesma área (18), apostou forte no segmento dos videojogos (17), culminando com a compra histórica de 75,4 mil milhões de dólares da Activision Blizzard.
Para além das aquisições, Nadella procurou estabelecer sinergias com alguns dos seus rivais desde cedo. É o caso da “joint venture” com a Oracle, em 2023, para desenvolverem o sistema de “nuvem” ou da parceria com a VMware, que passou a desenvolver software também para a “cloud”.
“Enquanto a empresa continuava bem em termos de lucros, beneficiando com o sistema do Windows e a produtividade do Office, Satya quis ter a certeza que a empresa diversificava para outra forte fonte de receita”, explica à EXAME Farhan Siraj, CEO da OSHA.
Miguel Caldas realça que a capacidade de Nadella de “estabelecer pontes com clientes, parceiros e até adversários comerciais é única na indústria, e tem proporcionado à Microsoft um fôlego de crescimento sustentado”.
Um foguetão em bolsa
Desde a chegada de Satya Nadella, a Microsoft disparou mais de 1000%, comparando com a valorização de 185% do S&P 500, índice de referência nos Estados Unidos. Na altura, valia 300 mil milhões de dólares; agora vale mais de 3 biliões. Significa que, quem tenha comprado uma participação de 10 mil dólares na empresa em 2014, agora vale 113 mil dólares. Neste campo, conseguiu superar os rivais, como a Apple, que atingiu este patamar em 2022, mas tem vindo a desvalorizar desde então.
Um facto que contrasta com o do seu antecessor, Steve Ballmer. Nos 14 anos em que liderou a empresa tecnológica, a sua cotação desvalorizou 30%. As circunstâncias eram outras. Ballmer lidou com a grande crise financeira e teve de rivalizar com empresas em grande expansão na altura, como era o caso da Google, que arrasou a concorrência com o seu motor de busca e aposta no mobile.
De acordo com os 34 analistas que acompanham a empresa em bolsa, o preço-alvo é de 469 dólares para os próximos 12 meses, sendo que, a perspetiva mais otimista aponta para os 600 dólares por ação. No primeiro caso, representaria uma subida de 13% face à cotação atual e, no segundo, uma valorização de 44%.
Os videojogos e a inteligência artificial
A aposta da Microsoft no segmento do “gaming” subiu para outro patamar desde a chegada de Nadella à liderança da empresa. E, aos poucos, o investimento está a trazer retorno para as contas da gigante tecnológica sendo que, no segundo trimestre fiscal de 2024, este segmento reforçou-se como a terceira maior fonte de receitas (7,1 mil milhões de dólares), à frente do Windows.
Os números já incorporam a Activision Blizzard (que inclui jogos como o Call of Duty, Guitar Hero, World of Warcraft e Candy Crush), adquirida no final do ano passado, que apesar de ter trazido mais 2 mil milhões em receitas, gerou custos ainda superiores devido ao peso da sua integração – incluindo os 1.900 trabalhadores que foram despedidos.
Em 2023, de acordo com a Newzoo, os consumidores vão gastar 188 mil milhões de dólares no “gaming”, sendo que metade deste montante será gasto em jogos de telemóvel e 30% através de jogos de consola – onde a Microsoft, através da Xbox, continua atrás da Sony (Playstation).
“As nossas posições de liderança na Cloud, nos Jogos, na Inteligência Artificial, na Produtividade, na Sustentabilidade, na Cibersegurança, e em muitas outras áreas devem-se, não exclusivamente mas significativamente, à capacidade que teve de reinventar a Microsoft”, conclui Miguel Caldas.
Na “cloud”, a prioridade de Nadella desde que chegou foi reunir recursos para desenvolver a plataforma Azure, libertando a empresa da sua dependência do sistema operacional Windows (que hoje é só a quarta maior fonte de receitas).
E a mais recente coqueluche do líder da Microsoft é a OpenAI, dona do ChatGPT, que coloca a gigante tecnológica muito bem posicionada no campo da inteligência artificial. A incorporação desta tecnologia no seu negócio, como é o caso do Copilot – uma funcionalidade que permite a qualquer trabalhador delegar certo tipo de tarefas do seu dia-a-dia – levou a Microsoft para outro patamar.
Para os analistas, a recente aposta na inteligência artificial por parte da Microsoft abre espaço para mais crescimento: “A conversão do ‘Copilot’ parece estar a explodir dentro do universo da Microsoft à medida que a revolução da inteligência artificial está a levar muitos clientes a fazerem fila para implementar esta tecnologia”, explicam os analistas da Wedbush, numa nota.
A corrida da inteligência artificial ainda agora começou, mas Nadella parece querer ganhar todas as voltas à pista.