As bolsas mundiais, provavelmente contra a maior parte das previsões, tiveram ganhos elevados num 2023 marcado pela continuação do grande aperto nos juros nos EUA e na Zona Euro, uma situação geopolítica mais instável e em que o espectro da recessão foi aparecendo frequentemente, sem nunca se dissipar totalmente. O índice que mede a pulsação das ações mundiais subiu mais de 20% em 2023, acelerando as valorizações nos últimos meses do ano à medida que se foi tornando mais evidente que o ciclo de subida de juros da Reserva Federal dos EUA e do Banco Central Europeu pode ter chegado ao fim e que, mais cedo ou mais tarde, as taxas terão de começar a descer.
As subidas das bolsas são um forte indício de que os investidores estão a posicionar-se para vários cortes de juros ao longo de 2024. No entanto, se essa expectativa não se materializar na escala que está a ser antecipada pelos mercados, poderá levar a momentos de nervosismo nos mercados. Por isso, uma parte significativa das gestoras de ativos recomenda cautela com ativos mais arriscados, pelo menos enquanto a Fed e o BCE não forem explícitos sobre as descidas das taxas. A tática pode passar por jogar à defesa nos primeiros meses do ano, para recolher mais informação antes de se incorrer em estratégias com maior risco.
Ações: A esperança numa nova festa é exagerada?
A esperança de que vêm aí cortes de juros e uma aterragem suave da economia levaram a uma subida significativa das ações nos últimos meses. Os dados de queda da inflação nos EUA e na Zona Euro animaram os investidores, e isso traduziu-se numa recuperação de cerca de 15% das bolsas mundiais desde final de outubro. O mercado está a posicionar-se para uma descida rápida dos juros no próximo ano, o que, em teoria, puxaria pelos ativos mais arriscados, como as ações. Mas a história pode não ser assim tão simples. “Vemos o risco de essas esperanças saírem frustradas”, avisam os analistas da BlackRock, considerando que existe a probabilidade de se ter um crescimento muito fraco – conjugado ainda com uma inflação elevada –, que levará os bancos centrais a manter os juros altos durante mais algum tempo.
Os riscos para o crescimento global – causados pela política monetária – continuam altos, e os ventos contrários para os resultados empresariais podem persistir no início de 2024 antes de se iniciar uma recuperação
morgan stanley
Também os especialistas do Morgan Stanley recomendam cautela, em especial na primeira metade de 2024: “Os riscos para o crescimento global – causados pela política monetária – continuam altos, e os ventos contrários para os resultados empresariais podem persistir no início de 2024 antes de se iniciar uma recuperação.” Os especialistas da gestora de ativos Amundi têm a mesma perspetiva e recomendam que se adote uma abordagem defensiva no início do ano, para depois arriscar em apostas mais cíclicas.
Big in Japan
Apesar da cautela generalizada sobre o comportamento das bolsas, há algum consenso das casas de investimento em torno do Japão. Contrariamente a outros blocos económicos em que houve um grande aperto monetário, no império do sol nascente a política de juros negativos manteve-se. “Continuamos com a perspetiva positiva para o Japão, dadas as avaliações atrativas e o facto de ter o único banco central a implementar uma política monetária não restritiva”, defendem os especialistas da Schroders. Já a BlackRock alerta para o risco de o Banco do Japão poder inverter essa política. Ainda assim, também tem uma opinião positiva para as ações nipónicas. “Vemos um forte crescimento a ajudar os resultados das empresas a bater as expectativas”, destacando as políticas amigas dos acionistas que as cotadas do Japão têm vindo a adotar, como a recompra de ações próprias, por exemplo.
Para a Europa e para os EUA, os especialistas tendem a ter perspetivas mais cautelosas. Na maior economia do mundo, há receios de que os rácios de avaliação estejam demasiado caros. Já no Velho Continente, as gestoras de ativos e as casas de investimento mostram cautela com as frágeis perspetivas económicas, a que se junta também a retórica restritiva do BCE, que tem tentado esfriar as expectativas do mercado sobre futuros cortes nos juros. Em relação aos mercados emergentes, o sentimento é misto. Por um lado, podem beneficiar da realocação de algumas cadeias logísticas, de uma eventual diversificação dos investidores e de um crescimento acima do registado no mundo desenvolvido. Por outro, a incerteza em torno da China, os riscos geopolíticos e a força do dólar podem tirar gás a estes mercados.
IA e alterações climáticas
As gestoras apostam em alguns temas que poderão dar frutos. A Amundi sugere que se olhe para empresas ligadas à Inteligência Artificial, farmacêuticas que consigam inovações nos medicamentos contra a obesidade e também para as cotadas que estejam bem posicionadas para a transição energética. Já a BlackRock indica que há megaforças económicas que podem ser usadas para fortalecer, a longo prazo, as carteiras de investimento. Alguns dos exemplos são a divergência demográfica, suscetível de favorecer os emergentes; a exposição a setores e empresas que estejam numa boa posição para tirar partido da Inteligência Artificial; fragmentação geopolítica e mais concorrência entre países, que deverá levar a um aumento do investimento em tecnologia, defesa e infraestruturas; e empresas e setores que tenham soluções para ajudar a prevenir ou mitigar efeitos das alterações climáticas, como cheias, incêndios ou secas.
