Foi o primeiro unicórnio português. Fundada em 2007, por José Neves, a empresa portuguesa passou a estar cotada em Wall Street 11 anos depois. Esta semana, escapou à falência por um triz – que é como quem diz, por 500 milhões de dólares. Nestas perguntas e respostas, a EXAME explica a glória e a queda do gigante português.
– O que é a Farfetch?
– Considerada a “Amazon da moda”, a Farfetch é uma plataforma online de venda de marcas de luxo. O seu negócio é a venda de roupa, sapatos e acessórios de moda de outras marcas de luxo, desde Gucci, Balenciaga, Burberry e Dior. A empresa tem sede fiscal em Londres e foi a primeira “startup” portuguesa a atingir uma avaliação de mil milhões de dólares – alcançando assim o estatuto de unicórnio. Hoje opera em 190 países e tem mais de 4 milhões de clientes registados. Tem também outros negócios no segmento do luxo, em colaboração com grandes marcas internacionais.
– Quem é José Neves?
– Nasceu no Porto, em 1974. José Neves, hoje com 49 anos, fundou a Farfetch em 2007. Estudou economia na sua cidade e aos 19 fundou a sua primeira empresa chamada Gray Matter, que desenvolvia software para a indústria da moda e calçado. Em 1996 fundou a Platforme, também no mesmo setor, e em 1997, criou a Swear. Para além da retalhista, o empresário tem a Fundação José Neves, que se dedica ao apoio na área da educação e da qualificação dos portugueses.
– O que levou ao sucesso da empresa?
– A ideia inovadora por detrás do negócio fez com que muitos investidores apostassem nela. Um artigo do New York Times descrevia assim a sua atividade: “Um cliente de Pequim poderia encomendar uma carteira a oito mil quilómetros, em Veneza”. No fundo, permitia a pequenas e exclusivas boutiques ou marcas terem acesso ao mundo, ao mesmo tempo que permitia a que os consumidores em redor do globo pudessem comprar produtos que não encontrariam de outra forma. Entrou na bolsa de Nova Iorque em 2018 e em 2021 – graças ao “boom” da pandemia – atingiu uma avaliação de 20 mil milhões de dólares. Chegou a ser a empresa dominante deste segmento, em todo o mundo, diz também o NYT. A partir daí, a queda foi vertiginosa.
– Porque é que a Farfetch está outra vez a ser tão falada?
– Apesar de ter sido criada em 2008, só deu lucro pela primeira vez em 2021, graças ao período pandémico. No entretanto tinha garantido várias rondas de financiamento junto de investidores particulares e uma entrada em bolsa feita com relativo de sucesso. Em 2023, porém, viu os resultados líquidos derraparem outra vez. No verão anunciou a intenção de despedir 17% dos trabalhadores, tendo revisto em alta este número para 25%, já em dezembro. Acumula três trimestres de prejuízos consecutivos e entre abril e junho deste ano registou perdas de 258 milhões de euros. Os números do terceiro trimestre não foram revelados na data prevista (29 de novembro) porque a empresa cancelou a sua apresentação.
– E a partir daí o que aconteceu?
– As ações foram ainda mais pressionadas do que estavam a ser na altura, estando a cotar nos 0,64 dólares na passada sexta-feira (no seu pico, em 2021, cada título valia 73,35 dólares). Começaram a surgir as notícias de uma reestruturação na empresa, com cerca de 2 000 postos de trabalho em risco. Mas a empresa foi salva por um grupo sul-coreano, chamado Coupang.
– Como se vai processar o negócio?
– A Farfetch comunicou à SEC, o regulador do mercado norte-americano, que ia receber um empréstimo no valor de 500 milhões de dólares, que será concebido às prestações até 30 de abril de 2024. A operação vai ser feita através do grupo Athena Topco, detido em 80,1% pela sul-coreano Coupang e pelo fundo Greenoaks (19,9%). O empréstimo terá uma taxa de juro anual de 12,5%, que será pago mensalmente.
Caso alguma outra empresa queira comprar os ativos da Farfetch durante este período, processo que foi confiado à JP Morgan, a retalhista portuguesa tem de pagar 20 milhões de euros à Athena Topco. Caso não exista nenhuma outra proposta, a Coupang (através da Athena Topco) vai comprar a totalidade dos ativos da empresa, sendo que o valor de toda a operação (empréstimo e compra) não pode superar os 500 milhões. Caso, por exemplo, a Coupang tenha emprestado 300 milhões de euros à Farfetch até 30 de abril, os 200 milhões restantes servirão para comprar os ativos da empresa.
– Quem é a Coupang?
– A Coupang é uma concorrente da Farfetch na Coreia do Sul. Também apelidada como a “Amazon da Coreia”, a empresa ficou conhecida por entregar as encomendas no próprio dia. Fundada três anos depois da Farfetch, paga agora 500 milhões de dólares para evitar que a sua concorrente encerre já. Atualmente, a empresa sul-coreana tem negócios em várias áreas, desde a Coupang Eats (entrega de refeições) ou a Coupang Pay (serviço de “streaming”). No seu comunicado, a empresa diz que “quer posicionar-se como líder neste mercado de luxo avaliado em 400 mil milhões de dólares”.
– Que consequências para os investidores e trabalhadores?
– A empresa portuguesa deixará de estar cotada em Nova Iorque e quem tiver ações de classe A ou classe B não vai recuperar o dinheiro, segundo o comunicado à SEC. O anúncio da compra foi feito esta segunda-feira, logo na abertura de sessão em Wall Street, e as ações da Farfetch ficaram suspensas desde então. A entidade que está cotada é a Farfetch Limited, que deverá ser liquidada. A empresa tinha grandes investidores como a Alibaba, gigante chinesa, a Artemis, empresa do grupo familiar Pinault (dono da Kering) e a Richemont, grupo de luxo suíço. Quanto aos trabalhadores, a empresa tinha cerca de 6.800 empregados no início de 2023. Em Portugal tinha escritórios no Porto, Braga, Guimarães e Lisboa. Os funcionários receberam o salário de dezembro, 15 dias antes do habitual, de acordo com o jornal Público. O futuro de todos eles é ainda uma incógnita.