Da geração mais qualificada de sempre à escassez de talento, poucos anos mediaram a afirmação política, da constatação económica. Contradição ou falta de visão? Se, por um lado, existe um desencontro de competências face às necessidades do país – o que parece sugerir alguma falta de sagacidade e de planeamento – por outro, Portugal está longe de ser caso isolado, num desafio que é hoje global.
Na verdade, a transformação do mercado de trabalho – e das capacidades a ele inerentes – estava, há muito, anunciada, mas foi a surpresa do ritmo que deixou meio mundo (ou quase todo) em contrapé. A pandemia veio acelerar o processo, já em curso, de transformação digital – da logística à banca, do comércio aos serviços públicos – com a agravante de tornar global o mercado de recrutamento, onde as empresas portuguesas se veem forçadas a competir sem o músculo financeiro de países mais ricos. Atrair e reter os melhores tornou-se sinónimo de garantir o sucesso das organizações, atual e futuro. Mas, afinal, como competem as empresas portuguesas pelo talento? Que papel pode e deve ter o setor privado na criação de mão de obra qualificada? E o que querem os trabalhadores, quando o salário já não é a única variável? Estas e outras questões juntaram, esta terça-feira, seis gestores, em mais uma das Manhãs em EXAME, desta feita, em parceria com o ManpowerGroup Portugal, sob o tema: “Talento: da escassez à sustentabilidade”.
Pedro Amorim, Managing Director da Experis Portugal, afirma que o país não tem falta de talento, o que tem é uma desadequação de competências face às necessidades do mercado. De acordo com o mais recente estudo Global Talent Shortage, do ManpowerGroup, Portugal é o quarto país do mundo com maior escassez de talento, e 84% dos empregadores afirmam ter dificuldade, ou muita dificuldade, em preencher as vagas. Apesar disso, a taxa de desemprego está a crescer – ainda que permaneça em níveis historicamente baixos – e é particularmente elevada entre os jovens (19,6% no final do primeiro trimestre de 2023). “Há uma taxa de desemprego a crescer entre os jovens cujas habilitações não correspondem aquilo de que o mercado necessita. A academia tem de começar a preparar e a trabalhar muito mais rapidamente a modernização dos cursos que existem, porque muitos estão, claramente, desajustados face ao que são as necessidades do mercado”.
E depois, existe o outro extremo. Os trabalhadores com mais de 45 anos, onde a taxa de desemprego ultrapassa os 10%, e onde a renovação de competências é essencial. Dinheiro existe, nomeadamente através de fundos europeus, “mas há que canalizar esses fundos para as áreas onde há necessidade de recursos. E eu não acho que isso tenha sido feito”, nota o responsável. Um desafio que Pedro Amorim não considera ser apenas responsabilidade do Estado e dá o exemplo do atual programa de requalificação de competências PRO_MOV, uma iniciativa de empresas em parceria com o IEFP, cujas áreas de formação são claramente deficitárias em termos de qualidade e quantidade de recursos, como os green jobs, tecnologia ou vendas. “Não precisamos que o setor público seja sempre a força dinamizadora”, notando, no entanto, que, nesse caso, os fundos do PRR e dos investimentos na área da requalificação “deveriam ser dados ao setor privado, porque são as empresas quem melhor sabem quais as áreas de que necessitam”.
Uma academia dentro de casa
A verdade é que, mesmo sem apoios públicos, as empresas portuguesas vão tomando em mãos o desafio de requalificar a mão de obra existente e encontrando novas formas de colmatar as necessidades. “Temos de diversificar, encontrar talentos em faixas etárias menos tradicionais, que possamos formar. Na BI4ALL temos uma academia interna, onde recrutamos pessoas de várias idades”, conta Rui Alves, Human Resources Director da consultora. Requalificar e diversificar são também apostas na Capgemini. “Temos um centro tecnológico em Évora e outro no Fundão. São centenas de pessoas e fizemos isso através de parcerias com câmaras, comunidades, centros de emprego, programas próprios de academia, em que, independentemente da área de formação, investimos em programas de requalificação para garantir que aquelas pessoas, em Évora e no Fundão, não só têm a possibilidade de ter um emprego, como ter um emprego de sucesso na área da engenharia e tecnologia. É preciso não esquecer que há país – não há apenas Lisboa e Porto – há muito talento em regiões para as quais a maior parte das empresas não olha, e isso também reforça o papel que nós, enquanto empresa, temos na sociedade”, nota Filipa Gamanho Esteves, Human Resources Director da empresa.
Quando o dinheiro não é tudo
Se encontrar o talento não é tarefa fácil por estes dias, mantê-lo não o é igualmente. “As condições financeiras têm de estar equilibradas com o nível de responsabilidade e dentro do setor onde atuamos. Mas não é isso que retém uma pessoa”, diz Catarina Fonseca, Country Manager da Roche Diabetes Care Portugal. Da mesma forma, não chega um propósito forte, nem uma grande capacidade de impacto na sociedade. “Pode ser mais atrativo na atração de talentos, mas para os reter é preciso formá-los, treiná-los, não só os talentos, mas principalmente os líderes dentro de uma organização”. Um trabalho de filigrana onde os líderes são os ourives: “É preciso trabalhar, personalizadamente, cada um, perceber as suas motivações e ambições. E os líderes devem investir o seu tempo nas suas pessoas – com planos de progressão, vertical ou horizontal, de desenvolvimento personalizado – e não só na gestão do negócio. Sou uma acérrima defensora de que os resultados são uma consequência da forma como tratamos as nossas pessoas nas organizações”.
Uma relação que se constrói em contínuo e, cada vez mais, com base nas expectativas individuais. Marta Melo, Head of Recruitment da Ageas Portugal, destaca a importância da mobilidade interna e dos projetos multidisciplinares, que reforçam o sentimento de pertença e de diversidade de experiências. “Somos uma empresa com 1.300 colaboradores e, só no ano passado, tivemos 150 mobilidades. É importante para reter as pessoas que elas sintam que existem possibilidades internas de desenvolvimento”.
O investimento é considerável, principalmente num contexto de mercado em permanente rotação, em que um trabalhador pode ter recebido muita e boa formação de uma empresa e mesmo assim sair no dia seguinte. “Temos a tendência de achar que é contranatura, mas já não é”, afirma Andreia Almeida, Managing Director da Talent Solutions Portugal. “Há uns anos havia esse receio deste investimento se não existisse um compromisso de longo prazo. Isso já não faz sentido. Estás a preparar um recurso para o mercado e esse mercado é onde tu atuas também. A lógica é: quanto melhor tratarmos esta pessoa do ponto de vista do desenvolvimento das suas competências, melhor performance ela tem enquanto cá está e menos probabilidade existe de querer sair”. Uma jornada end to end, onde nem o final é deixado ao acaso: “Fazemos uma entrevista de saída. É muito importante que a pessoa, na sua saída, seja tratada tão bem ou melhor do que quando cá esteve, porque ela pode regressar, pode ser nosso cliente, nosso parceiro no futuro. E será certamente um embaixador da nossa marca no mercado se for muito bem tratada”.