As mudanças no paradigma do trabalho são evidentes no pós-pandemia e trazem consigo desafios adicionais para quem tem de gerir equipas. Atrair e reter talento é um tema na ordem do dia, não só pela escassez de recursos global e transversal a vários setores, mas também pela dificuldade de satisfazer exigências crescentes no seio das empresas, e de garantir que os novos modelos de trabalho flexíveis não matam a cultura empresarial. Os desafios impostos pelos novos modelos de organização do trabalho, e as soluções que permitam conjugar a eficácia com a realização pessoal serviram de tema à conferência/debate que decorreu esta quarta-feira no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Telheiras, uma iniciativa da RH Mais e da Universidade Aberta, que contou com a revista Exame como Media Partner.
À mesa para partilhar experiências estiveram Rita Fontinha, coordenadora do programa ‘Semana de 4 dias’ e professora na Henley Business School, Cláudia Lourenço, diretora-geral da Procter & Gamble, Carlos Resende, professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, e Sofia Patrão Alves, diretora de recursos humanos na BIZAY (360 Imprimir). A conversa foi moderada por Tiago Freire, diretor da revista Exame.
Entre as principais conclusões desta conversa destaca-se a dificuldade que todos os participantes reconhecem na gestão de equipas, algumas em modelo 100% remoto ou híbrido, e na retenção dos talentos, especialmente os mais jovens. “Estamos perante uma geração TikTok que, se não é constantemente estimulada, procura um novo desafio”, aponta Sofia Patrão Alves. “Procuram novas experiências e querem saltar de empresa em empresa”, acrescenta Cláudia Lourenço.
Por outro lado, a tão falada flexibilidade não é consensual, defende Rita Fontinha. “Há quem não queira flexibilidade nem trabalhar a partir de casa”. O mesmo acontece, reforça, com a semana de quatro dias. A professora e investigadora aponta o paradoxo revelado por um estudo realizado no Reino Unido, que demonstra que os mais novos e os mais velhos são os que olham com mais atenção e interesse para a redução da carga horária semanal. “Uns porque não querem trabalhar como os pais trabalharam, e os outros porque encaram esta redução como uma aproximação faseada à reforma”.
Abordagem personalizada
Com muitas empresas a contar, em simultâneo, com pelo menos três gerações nas suas equipas, estar atento ao que motiva os colaboradores de cada faixa etária é um desafio para os responsáveis pelos recursos humanos. Uma tarefa que se torna ainda mais complexa nos modelos remotos ou híbridos, uma vez que este afastamento social contribuiu para evidenciar aquilo que cada um privilegia. Isto não significa, contudo, que a gestão de pessoas obrigue as empresas a desenvolver um menu ‘à la carte’. “Seria possível se as pessoas fossem conscientes, mas muitas só olham para si”, afirma Sofia Patrão Alves que acrescenta que a flexibilidade é possível, mas sempre com regras bem definidas, “com equidade e equilíbrio”.
Na opinião de Cláudia Lourenço, a flexibilização deve ser ajustada a situações concretas. E exemplifica: “se alguém quer tirar uma licença sabática ou trabalhar a meio-tempo, a situação deve ser analisada pelas chefias e aceite, ou não”, diz. Uma perspetiva semelhante à de Carlos Resende que, aplicando esta gestão a uma equipa de andebol, acredita que um menu ‘à la carte’ seria o fim da cultura de equipa. “Têm que ser situações pontuais e não a norma”. O antigo internacional português de andebol admite que a nova geração apresenta dificuldades de gestão diferentes, com maior necessidade de imediatismo, mas aproveita para salientar que também tem qualidades que não eram tão vistas em gerações anteriores. “A culpa é nossa, da nossa geração, que nunca lhes soube dizer que não, e isso tem consequências nas expetativas que têm no dia a dia”, sintetizou.
Olhando para a semana de quatro dias, Rita Fontinha defende uma flexibilidade no tempo e no espaço. Ou seja, a investigadora defende que não deve existir um único modelo. “Podemos ter situações em que todos ficam em casa à sexta-feira, por exemplo, outro em que as equipas alternam o dia, etc..”, explica. No fundo, é fundamental que todos tenham uma real redução de horário, sem que exista corte de salário, e que todos se sintam confortáveis.
Confirmando o desafio de fazer esta gestão num modelo 100% remoto e com um projeto-piloto de semana de quatro dias, Sofia Patrão Alves partilha a experiência da 360 Imprimir. “Primeiro oficializámos o 100% remoto e fechámos dois escritórios”, revela. Posteriormente, a empresa adotou a semana de quatro dias, mas os objetivos mantiveram-se inalterados. “A produtividade, contudo, tem que aumentar para compensar as horas não trabalhadas, e esta é uma métrica muito difícil de medir”, explica. Certo é que o projeto ainda vai no início e a responsável acredita que são necessários ajustes. Contudo, defende, “acima de tudo tem que haver compromisso”. Para já, o seu balanço é claramente positivo na retenção de trabalhadores e na satisfação destes, mas há desafios já identificados na produtividade global.
Ainda no tema da eficácia e da realização pessoal do indivíduo, Carlos Resende voltou à sua vasta experiência em equipas desportivas de alto rendimento, lembrando que é preciso potenciar o melhor de cada um mas dentro de um contexto de fortalecimento coletivo da equipa. E “isso faz-se, no desporto mas em qualquer contexto – como nas empresas – através da definição de valores, de uma cultura de um compromisso de um clube ou de uma organização”.