Não é segredo para ninguém que não sou a maior fã dos vinhos do Alentejo. Genericamente com pouca acidez, muito álcool e demasiados taninos, viram, porém, alguma evolução divertida e interessante ao longo dos últimos anos, com vários produtores e enólogos a testar fórmulas, arriscar castas e a fugir ao ‘tradicional’ – talvez um dos casos mais paradigmáticos sejam os da Quinta do Mouro, onde a irreverência de Miguel Louro continua a destacar-se.
Há várias semanas que repousava, ali na garrafeira, um Tinta Miúda da Herdade Grande, do qual já muitos falaram. Li pouco mais do que os títulos porque se há algo que me incomoda é a ínfima possibilidade de ser sugestionada por notas de outras pessoas – e acho que não podemos apenas defender que cada um bebe aquilo de que gosta. Temos de o fazer, não apenas quando escolhemos um vinho para nós, mas – e sobretudo – quando escrevemos sobre aqueles que muitos têm curiosidade de conhecer.
Pelas razões explicadas no primeiro parágrafo, andava a evitar aquela garrafa. E talvez seja hora de fazer um disclaimer: sou amiga do Diogo Lopes, o enólogo responsável por este e outros vinhos que já passaram por este site, e foi ele, há muitos anos, que respondeu a algumas das primeiras perguntas mais absurdas que lhe fiz sobre isto da enologia. Mas também foi sempre um profissional generoso nas respostas, o que o tornou parte do muito restrito núcleo de pessoas a quem continuo a fazer perguntas muito absurdas, sem qualquer temor.
E, portanto, não me apetecia provar aquele vinho e ter de lhe dizer – já aconteceu mais do que uma vez – que “realmente não é o meu género” ou algo pior que entre amigos às vezes rareia a formalidade.
Arriscar uma casta que conta, atualmente, com menos de 1% de área plantada no nosso País é algo que eu acho que faz sentido, mas que poucos arriscam – é a vantagem de não fazer vinho e apenas ter de o beber, posso arriscar muito mais em pensamento. A Tinta Miúda é uma variedade tipicamente mediterrânica – nuestros hermanos chamam-lhe ‘Graciano’ e em França é conhecida por ‘Morrastel’ – mas já plantada na Austrália e na Califórnia. Os registos sugerem que a Tinta Miúda tenha entrado pelo norte do País e é tipicamente uma casta que gosta de verões longos e temperaturas elevadas.
Sem surpresas, este é um vinho de cor muito intensa e encorpado, tal como seria de esperar desta variedade de uva. Mas o que o torna interessante é que todo o Alentejo que lhe sentimos no nariz – uma exuberância de frutas maduras, de alguma madeira e de calor, com terra e humidade já no final – desaparece na boca. É um vinho elegante, meio seco, complexo, com uma panóplia de sabores que se vão misturando e destacando e com um final longo e arredondado; de salientar também a acidez muito surpreendente e uma elegância que não se encontra regularmente nos vinhos da região (nem do País, para sermos honestos).
Tem claramente potencial de envelhecimento em garrafa – estou muito curiosa para o experimentar daqui a pelo menos mais uns três ou quatro anos – ainda que seja uma boa aposta para consumir já, se quiser experimentar.
Com 14,5% de volume, naturalmente que é um vinho que pede companhia – como ainda estamos no inverno, vou arriscar sugerir um cozido à portuguesa, mas um bom bife ou um estufado seriam claramente as minhas primeiras apostas.
E esta pareceu-me também uma boa referência para introduzir os leitores da EXAME a algo que jurámos que não íamos fazer. Se bem se lembra, iniciámos esta rubrica afirmando que não iríamos dar notas de prova nem fazer avaliações. Mas a verdade é que percebemos, ao fim de uns meses, que afinal queríamos ter uma escala – para facilitar o trabalho a quem nos lê e porque se torna mais fácil, ao longo do tempo, estabelecer algumas comparações. Assim, inspirámo-nos nas escalas das agências de rating e inauguramos a nossa “tabela de notação enológica”, que pode conhecer abaixo e que esperamos que lhe seja útil nos próximos tempos.
Ah!, e este Tinta Miúda da Herdade Grande inaugura-a com um merecido AA.
Saúde!
Notação
AAA | Fabuloso |
AA | Muito bom |
A | Bom |
BBB | Satisfatório |
BB | Mau |
C | Não Beba! |