(Artigo publicado originalmente em Março de 2021, na edição n.º 443 da revista Exame)
Ivo Leitão nunca tinha comprado ações. Investia em alguns fundos negociados em bolsa para tentar ter uma carteira de investimento equilibrada e via-se como um investidor conservador. Antes de decidir onde colocar o dinheiro via plataforma digital, pesquisa no Google e consulta sites como a Investopedia. Passa muito tempo no Reddit, mas não necessariamente em fóruns de investimento. Isso mudou a 19 de janeiro, quando um utilizador chamado “DeepFuckingValue” começou a ter ganhos gigantes com uma empresa chamada GameStop, aparecendo na página principal da rede social. Na altura, as ações da empresa estavam cotadas abaixo dos 40 dólares. “Ao pequeno-almoço disse à minha namorada que estava muito tentado a meter lá dinheiro, duplicar o investimento e tirar logo. No dia 27 comprei duas ações”, recorda. A GameStop estava a disparar. “No dia seguinte, comprei mais duas. Nesses dias, não fiz mais nada. Estava supernervoso a olhar para a app.” Era caso para isso. Os títulos superaram os 400 dólares e Ivo chegou a duplicar o seu investimento. Depois do pico, ainda compra mais uma. Mas a correção chegaria rapidamente com as ações a tombarem para perto de 50 dólares. “Vendi tudo hoje de manhã”, conta à EXAME, a 11 de fevereiro. “Perdi quase mil euros.”
Existem milhares de casos parecidos. Após uma fase inicial em que a história da GameStop se escrevia apenas com os ganhos milionários de utilizadores do Reddit e as perdas descomunais de alguns hedge funds, fomos começando a conhecer os pequenos investidores que compraram perto do pico e foram apanhados por uma descida repentina. Alguns, como Ivo, desfizeram-se da posição. Outros ainda esperam que as ações da GameStop voltem a subir. Um outro utilizador do Reddit, que conversou com a EXAME sob anonimato, diz que, depois de ter investido 500 euros na fase em que a empresa disparou, aplicou mais mil euros recentemente, por acreditar que a cotada de videojogos ainda virá a recuperar.
Estes e outros dos milhões de utilizadores do Reddit fizeram parte de um momento que pode marcar a história de Wall Street. O caso GameStop simbolizou o regresso em força dos pequenos investidores de retalho e provou que é possível um impacto gigante quando se tem um cocktail explosivo de plataformas sem comissões e fóruns muito ativos nos quais os investidores se podem coordenar para agir em conjunto.
A história dessa empresa é semelhante à de tantas outras no retalho físico: as suas ações desvalorizavam há anos e a sua sobrevivência começou a ser mais questionada durante a pandemia, quando ir a uma loja de jogos se tornou uma memória distante. Isso motivou muitos investidores e fundos a apostarem na sua queda em bolsa, através de short selling. Esta tática permite lucrar com a queda das ações: a troco do pagamento de uma comissão, os investidores pedem ações emprestadas para as vender. Depois aguardam que o preço desça para as recomprar e fechar a posição. Se desvalorizarem, ganham. Por exemplo, se pedirem uma ação que negoceie em 100 euros para a vender de imediato e, mais tarde, a recomprarem por 80 euros, ganham 20 euros. Uma outra versão destas vendas “curtas” é o naked short selling, em que se consegue apostar na descida mesmo sem ter contratado o empréstimo das ações, ou a utilização de opções. A pressão dos shorts foi de tal ordem que o peso das apostas na queda chegou a ser superior ao número total de ações disponíveis para negociação. Uma situação rara. Em circunstâncias normais, esse ataque colocaria qualquer cotada perto do colapso.
Mas a descoberta destas posições curtas foi o toque de corneta necessário para arregimentar as tropas do Reddit, especialmente do fórum r/wallstreetbets, para começarem a comprar GameStop, empresa com que muitos deles se identificavam. Há meses que alguns investidores argumentavam nessas redes que essas ações estavam subvalorizadas, mas foi a possibilidade de penalizar os hedge funds que estavam a “shortar” a empresa que fez explodir o interesse. Se, em vez de cair, a empresa subisse em bolsa, esses fundos estariam em apuros. O exército de pequenos investidores foi crescendo e conseguiu inverter o que aparentava ser a queda inevitável das ações. Com a subida dos preços dos títulos, muitos dos hedge funds que apostavam na queda foram forçados a desistir da mão de forma a cortar os prejuízos. Isso implicou recomprar ações em desespero, o que deu ainda mais combustível a uma empresa que parecia um foguetão a disparar. Pelo meio, estes pequenos guerrilheiros tiveram a ajuda de gigantes do armamento financeiro. Instituições que quiseram entrar na corrida ou ajustar contas com fundos que estavam do outro lado da barricada.
Os “shorts” foram espremidos até ao tutano, num movimento que na gíria dos mercados é chamado de short squeeze. A GameStop disparou 1 700% (!) em alguns dias. Keith Gill, um dos tais pequenos investidores iniciais, conhecido como “DeepFuckingValue” no Reddit e “Roaring Kitty” noutras plataformas, investiu 53 mil dólares e chegou a estar a ganhar 48 milhões. Vários hedge funds tiveram perdas milionárias, sendo que um deles, o Melvin Capital, teve de ser resgatado por aliados do setor.
Os bons, os maus ou os vilões?
A história da GameStop vai dar um filme. Provavelmente até mais do que um. O impacto na opinião pública foi de tal ordem que os estúdios de Hollywood já estão numa corrida para o produzir. Só a Netflix tem dois projetos, a HBO tem outro. Uma das perguntas que tentarão responder é: quem são estas pessoas que fizeram disparar a GameStop e deixaram meia Wall Street com suores frios? A comparação mais utilizada pelos média foi de natureza bíblica: um exército de Davides contra alguns Golias. A ideia de que a escalada da empresa tinha sido provocada essencialmente por utilizadores de classe média-baixa do Reddit que estavam a virar os mercados de pernas para o ar e a detonar os grandes fundos. Chegou mesmo a falar-se de um “Occupy Wall Street 2.0”. “Muitos dos posts tinham mensagens justiceiras sobre a crise financeira e sobre os seus pais terem perdido o emprego e a casa. Falavam de derrubar Wall Street, com mensagens vingativas. Nunca tinha acontecido”, aponta Steven Santos, analista do BiG.
No entanto, a descrição David vs. Golias pode ser simplista. É que, além de omitir a existência de muitos profissionais entre os pequenos investidores – o próprio Roaring Kitty é um exemplo –, esquece os grandes fundos que contribuíram para a escalada e beneficiariam muito dela. “Era a história da Cinderela. Acha-se que o David está a derrubar o Golias, mas esquecem-se de que, no meio disto tudo, há muitos grandes ao lado dos pequenos. Ainda recentemente soubemos que o Fidelity ganhou milhares de milhões de euros”, refere Ulisses Pereira, fundador e administrador do fórum de bolsa mais popular em Portugal, o Caldeirão da Bolsa.
Para Benn Eifert, a maioria das pessoas que vai ao r/wallstreetbets, principalmente agora que tem mais de nove milhões de utilizadores, está lá como observador, para se entreter. Mas “há um grupo core que sugere operações e que até pode usar muitos emojis, mas que é ponderado, com ângulos fundamentais ou técnicos. São sofisticados e percebem os mecanismos de microestrutura de mercados”, explica à EXAME, o analista da QVR Advisors. “Para os hedge funds, vestem um fato e fazem uma apresentação séria, para o retalho colocam uma bandana na cabeça e fazem o que for preciso.”
Para os hedge funds, vestem um fato e fazem uma apresentação séria, para o retalho colocam uma bandana na cabeça e fazem o que for preciso.
Benn Eifert, analista da QVR Advisors
O fórum descreve-se como “se o 4chan tivesse encontrado um terminal da Bloomberg”. Tentar encontrar um denominador comum para os seus milhões de investidores pode ser um projeto destinado ao fracasso. Havia especialistas que sabiam perfeitamente o que estavam a fazer, investidores pouco informados que se deixaram levar pelo hype, mas também outros que conheciam os perigos e decidiram arriscar na mesma. Alguns podem ter sido motivados por razões políticas (“deitar abaixo Wall Street!”), muitos só queriam ganhar algum dinheiro rápido. “Tratam-se de microinvestidores, muito deles – se calhar uma maioria – sem qualquer formação financeira, que são facilmente manipulados e levados pelos movimentos de massas”, defende Octávio Viana, presidente da ATM – Associação de Investidores.
Certamente, um grande número decidiu negociar em bolsa para se divertir. Grande parte deste grupo de investidores de retalho utilizou plataformas com comissões muito baixas ou inexistentes. Muito simples de utilizar, abriram as portas da bolsa a muitas pessoas que, de outra forma, talvez nunca lá entrassem e, pelo caminho, “gamificaram” o investimento. Gerir poupanças começou a aproximar-se mais de jogar Fortnite do que ir a um banco.
O entretenimento é chave. Não é por acaso que o crescimento do retalho coincidiu com o início dos confinamentos. Um momento em que as pessoas foram mandadas para casa, algumas nos EUA receberam cheques do governo federal e não havia eventos desportivos para apostar. Junte-se a isto um ambiente de juros muito baixos (que desincentivam outros investimentos mais conservadores) e mercado impermeável a correções, em parte devido ao papel da Fed e de outros bancos centrais, e obtemos uma mistura potente.
Ainda assim, o episódio GameStop provavelmente não teria existido sem a emergência da Robinhood, uma empresa fundada há oito anos, mas que começou a receber mais atenção há alguns meses. A aplicação tem um interface muito simples, que tenta misturar investimento e diversão. Isso atrai muito mais gente mas também, apontam os críticos, incentiva posturas mais agressivas e imprudentes. O exemplo mais extremo desses riscos foi o suicídio de um estudante norte-americano, em junho do ano passado, que achou que tinha perdas de 730 mil euros, mas, na verdade, estava ainda no verde. Numa nota que deixou à família, disse que “não fazia ideia do que estava a fazer” e que não pretendia ter assumido tanto risco.
Outra fonte de controvérsia é a origem das suas receitas. Se as comissões são zero, de onde vem o dinheiro? Mais de metade tem origem numa prática controversa, popularizada por Bernard Madoff: “payments for order flow”, empresas de corretagem que pagam à Robinhood pelo direito de executar as ordens de investimento dos clientes da app. Este sistema deu azo a suspeitas graves, quando a Robinhood decidiu interromper a possibilidade de compra das ações da GameStop. É que a Citadel Securities, uma das empresas que têm esse acordo com a Robinhood, tem o mesmo acionista principal que o hedge fund que resgatou o Melvin Capital. Muitos investidores continuam a achar que, sem essa interrupção da parte da Robinhood, as ações continuariam a subir por mais uns dias.
Alguns analistas colocaram óculos cor de rosa a olhar para o fenómeno. Era o regresso do capitalismo popular. A concretização do sonho de todos sermos pequenos proprietários. Outros, como o filósofo Slavoj Žižek, estavam muito mais pessimistas.
Alguns analistas colocaram óculos cor de rosa a olhar para o fenómeno. Era o regresso do capitalismo popular. A concretização do sonho de todos sermos pequenos proprietários. Outros, como o filósofo Slavoj Žižek, estavam muito mais pessimistas. A GameStop lembrou-o da campanha presidencial do realizador croata Dario Jurican, que prometia “corrupção para toda a gente”. “A utopia do capitalismo popular – o ideal de milhões que, durante o dia são trabalhadores e estudantes e, à noite, brincam com investimentos – é, obviamente, impossível de concretizar, podendo apenas acabar num caos autodestrutivo”, escreveu na Spectator.
Carlos Rodrigues sublinha que esta entrada de jovens “sem conceitos básicos de economia empresarial” diretamente no day trade, influenciados por fatores emocionais, “envolve riscos de comportamentos irracionais que devem ser evitados”. O presidente da Maxyield – Clube dos Pequenos Acionistas considera que “não foi David contra Golias, nem foi épico”. “O início pode ter sido justo, mas termina com muitos investidores individuais perdendo dinheiro para outros, sendo que a série diária do volume movimentado não deixa margens para dúvidas sobre isso. No campo de batalha ficam muitos investidores individuais desprotegidos e sem mecanismos de defesa, com um final triste.”
Economia dos memes
Para quem esteja de fora, o ambiente que se vive hoje nos mercados pode parecer bizarro. O entretenimento está a deixar de ser um elemento lateral e passou a ser uma característica do sistema. Ter piada online faz mexer um título. É uma economia de memes, escrita em caps lock e que não se leva muito a sério. Como se vive neste ecossistema? “É estranho, sim. Um tipo que seja muito engraçado pode mover uma ação com um bom meme, porque convence umas centenas de milhares de pessoas que é muito engraçado e essas pessoas vão à Robinhood comprar”, comenta Benn Eifert. “Suponho que seja uma evolução. A melhor comparação nos últimos 10/20 anos é a CNBC e o entretenimento financeiro, por exemplo, um tipo como Jim Cramer. Não acho que seja fundamentalmente diferente.”
É um mundo em que milhares de pessoas podem decidir, de um dia para o outro, começar a comprar ações de uma empresa falida. Warren Buffett é aborrecido, é preferível seguir Dave Portnoy, o fundador do site Barstool Sports, que defende que “as ações só podem subir” e protagoniza números em que retira letras ao calhas de um saco de Scrabble para decidir onde vai investir. Uma atitude YOLO (“you only live once”), na fronteira entre o engraçado e o irresponsável. “É uma realidade mais especulativa, mais superficial, com muito mais ruído. Os memes, as piadas, os trocadilhos… trazem um lado mais infantil ao investimento, que pode ser arriscado”, aponta Steven Santos.
O homem mais rico do mundo é dos grandes especialistas nestas espécies de recomendações de investimento baseadas em memes. Elon Musk tem usado as redes sociais para provocar mexidas no mercado, seja puxar pela Tesla, pela bitcoin ou pela própria GameStop, frequentemente com uma abordagem que tenta ter piada. Afonso Fuzeta Eça concorda que é uma realidade nova: “É uma dor de cabeça. Uma posição que até podia fazer sentido é arrasada por um meme. É um novo risco e vai piorar o funcionamento dos mercados”, refere o professor na Nova SBE
Febre também chega Portugal
“Portugal is not selling”, “help from Portugal is coming”, “in Portugal we hold”. São alguns dos tópicos no r/wallstreetbets de alguns investidores nacionais que se juntaram ao movimento e anunciaram a compra de ações mencionadas no fórum do Reddit, não só das que se tornaram mais mediáticas mas também de outros setores que têm bons memes de recomendação no fórum. “Tivemos muitos clientes a negociarem GameStop e AMC, alguns deles ainda têm hoje posições. Também houve mais canábis e blockchain, os nomes mais badalados, que foram aparecendo no Twitter e nos fóruns. Mas de forma tão massificada e concentrada em poucos dias, nunca tinha visto”, revela Steven Santos. Em janeiro, o BiG abriu mais contas do que no melhor mês do ano passado, que já tinha sido especialmente intenso.
Os números mostram que os portugueses estão a investir mais em bolsa. A tendência já vinha a ganhar força em 2020, mas intensificou-se nos últimos meses. As ordens dadas por investidores nacionais de retalho sobre ações totalizaram 1,49 mil milhões de euros em janeiro deste ano, bem mais do dobro dos 640 milhões verificados no mesmo mês de 2020, segundo os dados mais recentes da CMVM. Em dezembro do ano passado, esse valor tinha sido de 1,24 mil milhões. Também os valores de day trading (negociação com abertura e fecho de posições no mesmo dia) dos pequenos investidores nacionais têm subido nos meses mais recentes.
“As baixas taxas de juro e a volatilidade são geralmente as principais razões a explicar o aumento de popularidade do investimento e, claro, a situação Reddit/GameStop aumentou o interesse”, indica fonte oficial da DeGiro, que revela um crescimento no número de clientes portugueses desde 2018. De acordo com os dados da CMVM, a maior parte das ordens dadas sobre ações em Portugal é sobre títulos negociados nos EUA. “Os investidores portugueses têm à sua disposição plataformas que lhes permitem adquirir títulos nas praças norte-americanas e o interesse aumentou nos últimos tempos”, observa Paulo Rosa. Ulisses Pereira, também colunista do Jornal de Negócios, vê uma divisão geracional. “Se eu escrever sobre bolsa portuguesa, continuo a ter mais visualizações, mas a nova geração vai logo para a bolsa norte-americana e para criptomoedas.”
Longe parecem ir os tempos em que a bolsa nacional despertava um entusiasmo que fazia proliferar fóruns. Ulisses Pereira vê “paralelismos entre o Reddit e o primeiro grande fórum de bolsa em Portugal, o bolsaPT.com, que era completamente livre”. “Havia mensagens a dizer ‘EDP vai à Lua’, ‘EDP vai ao charco’, ‘tudo a comprar isto’. Um utilizador chamado Maquinista escrevia ‘vai partir a carruagem da SEMAPA’. Havia subidas loucas dessas empresas”, recorda. O Caldeirão da Bolsa representa uma versão moderada desses espaços. “Há espaço para coisas mais light, mais suaves, com mais emojis, 30 posts seguidos só com emojis. Não censuro nada disso, mas tem de haver espaço para outras coisas.”
Ainda assim, o mercado nacional está a beneficiar deste maior apetite pelas bolsas. Isabel Ucha nota que se tem “verificado uma maior atividade nos mercados de capitais por parte de investidores particulares”. A presidente da Euronext Lisboa, a entidade que gere a bolsa nacional, indica à EXAME que “em 2020, em Portugal, verificou-se um crescimento de cerca de 50% no número de negócios provenientes deste segmento”.
A GameStop terá trazido mais publicidade às bolsas, mas a tendência de crescimento do retalho começou antes. “Este fenómeno tem vindo a verificar-se um pouco por todo o mundo e resulta de uma conjugação de vários fatores: por um lado, as baixas taxas de juro, e que levam os investidores a pensarem em alternativas de rendibilidade; por outro, o aumento da volatilidade resultante da situação pandémica, e que poderá ter atraído a atenção de investidores que procuram oportunidades neste contexto; e ainda a crescente utilização de plataformas online, em alguns casos forçada pelo confinamento, e que poderá aproximar alguns investidores de uma realidade que lhes parecia mais distante”, explica Isabel Ucha.
Do casino ao financiamento
Uma das grandes questões é se, depois de se terem tornado grandes protagonistas nos mercados, a influência dos pequenos investidores veio para ficar? “O grosso deste episódio já passou, mas vai haver consequências a longo prazo. Foi criado um precedente e continuará a existir esta mistura explosiva de redes sociais, acesso fácil ao mercado e excesso de liquidez”, diz Afonso Fuzeta Eça, também cofundador da Raize, uma plataforma de empréstimos coletivos.
Aliás, após o ataque aos shorts da GameStop, os investidores da Reddit coordenam-se para comprar AMC, BlackBerry, Nokia, empresas de exploração de canábis e até prata, esta última com sucesso limitado. “As grandes viragens acontecem porque são empresas mais pequenas. Se o Reddit quiser fazer algo à Apple ou ao dólar, pode ter algum impacto, mas nada como isto. São mercados muito maiores e líquidos”, explica Benn Eifert. O analista revela que “nunca tinha visto uma atenção tão grande do retalho”. Houve pessoas com quem o especialista não falava há mais de dez anos a perguntarem-lhe como podiam abrir uma conta de corretagem ou como comprar GameStop ou AMC.
Mas o modus operandi destes novos investidores causa preocupações. Afonso Eça considera que “é mau para todos”. Explica que se fez “um esforço muito grande para explicar às pessoas que devem ter alguma exposição aos mercados, por pouca poupança que tenham, mas o método não deveria ser andar a escolher ações individuais em plataformas gamificadas, e ativos que valorizam 20% ao dia não existem”. São apostas mais ao estilo de slot machines, que combinam diversão com recompensa imediata. É a receita para o desastre, apontam os especialistas. Perdas pesadas são o destino de muitos pequenos investidores que decidem com o mantra YOLO.
“É necessário eliminar a ideia de que o mercado de capitais é uma economia de casino”, afirma Carlos Rodrigues. Fenómenos como o GameStop podem tirar credibilidade ao mercado de capitais e ofuscar a sua principal função: financiar as empresas e a economia e, ao mesmo tempo, permitir uma rentabilização das poupanças. Mas este caso não traz só riscos. Isabel Ucha considera “uma oportunidade que esta geração de millennials se tenha aproximado dos mercados e que esteja desperta para a possibilidade de uma “win-win situation” – ter retorno e ajudar as empresas a financiarem as suas estratégias de crescimento”.
No entanto, basta percorrer o r/wallstreetbets para perceber que não é assim que alguns daqueles investidores olham para o mercado de capitais. Até porque muitos acham que o jogo está inquinado. Para desmontar a ideia da bolsa como um casino, provavelmente será necessário que reguladores e operadores de mercado contribuam para convencer pequenos investidores como os do Reddit de que o mercado não está desequilibrado a favor dos grandes tubarões. A interrupção de compras explicada de forma atabalhoada pela Robinhood não terá ajudado a contrariar esse sentimento.
Situações de maior incerteza, fragilidade financeira e volatilidade nos mercados dificultam a ponderação de alternativas de investimento pelos investidores e potenciam o risco de fraudes ou a tomada de riscos insuficientemente ponderados
CMVM
Apesar de na Europa as bolsas serem mais supervisionadas do que nos EUA, há lições a retirar para a regulação após esta batalha entre pequenos investidores e hedge funds. Carlos Rodrigues sugere um maior acompanhamento dos níveis de short selling; atenção redobrada à negociação nas plataformas de negociação low cost e sem comissões; malha apertada à negociação entre corretoras e empresas de trading online; mais iniciativas para melhorar a literacia financeira dos investidores de retalho e travar práticas de mercado baseadas em movimentos de concertação coletiva. Os reguladores têm tentado atuar na área da prevenção e da literacia financeira. Em respostas à EXAME, a CMVM reconhece que “situações de maior incerteza, fragilidade financeira e volatilidade nos mercados dificultam a ponderação de alternativas de investimento pelos investidores e potenciam o risco de fraudes ou a tomada de riscos insuficientemente ponderados”. E garante que “tem vindo a reforçar os instrumentos de comunicação e apoio aos investidores”.
A questão é saber se é do interesse de algum dos envolvidos fazer alterações substanciais, neste momento. Afinal, a Reddit está entusiasmada, as plataformas estão a crescer, os grandes players estão a fazer dinheiro. Alguém vai querer tirar as bebidas das mãos das pessoas e acabar com a festa a meio?
Mãos de papel e de diamante
Ganhar em bolsa não tem sido difícil. As ações norte-americanas estão no mais longo bull market da História que comemora este mês 12 anos. Desde o mínimo atingido no início de março de 2009, as bolsas americanas valorizam cerca de 490% e as europeias ganham perto de 150%, insufladas pela liquidez aparentemente ilimitada dos bancos centrais e pela ausência de alternativas de investimento. Outros instrumentos populares, como as criptomoedas, apresentam subidas que quase fariam corar a bolha das tulipas. “Tem sido imensamente fácil investir e, quando as coisas estão demasiado fáceis, começo a duvidar um pouco”, diz Steven Santos. “Ainda não estamos na fase da exuberância irracional, em que até o taxista investe na bolsa, mas já estamos numa zona vermelha. O problema é que pessoas que nunca investiram, se estiverem a perder 30%, não vão suportar a pressão psicológica”, adverte.
No passado, o fim dos ciclos de ganhos trouxe perdas avultadas para muitos investidores que pensavam que o único sentido dos mercados era ir “até à Lua”. A reação a esses traumas, alguns deles amplificados pelo recurso a crédito ou à alavancagem, foi, muitas vezes, a saída de investidores de retalho da bolsa para não mais regressarem. As pontas finais dos bull markets costumam ser marcadas pela entrada eufórica de pequenos investidores e existe o receio de que já tenhamos chegado a essa fase. “Muitos investidores vão acabar queimados”, avisa Ulisses Pereira.
Para já, apesar das perdas que sofreu com a GameStop, Ivo Leitão não está preparado para desligar. “Foi uma aprendizagem. Acabei por me educar mais um bocado”, reconhece. E admite que o episódio o marcou. “Acho que me mudou porque percebi que se pode ganhar muito dinheiro. É tentador.”
Os bull markets não são eternos e a História tende a repetir-se. Sem uma estratégia de investimento e uma carteira diversificada, o mais provável é que, quando este ciclo de ganhos terminar, haja muitas mãos de papel a capitular e poucas de diamante a aguentar a pressão das perdas. EO caso GameStop simbolizou o regresso em força dos pequenos investidores de retalhoA história da GameStop vai dar um filme.
Provavelmente, até mais do que umO entretenimento é chave. Não é por acaso que o crescimento do retalho coincidiu com o início dos confinamentosOs números mostram que os portugueses estão a investir mais em bolsa. A tendência já vinha a ganhar força em 2020, mas intensificou–se nos últimos mesesGerir poupanças começou a aproximar-se mais de jogar Fortnite do que ir a um banco. Alguns podem ter sido motivados por razões políticas (“deitar abaixo Wall Street!”), muitos só queriam ganhar algum dinheiro rápido
O símbolo
A empresa passou de rompante para as capas de jornais, devido às valorizações incríveis alcançadas
em poucos dias. Mas que empresa é esta? Por esta altura, é bastante óbvio que o interesse pela GameStop ultrapassou em muito o valor intrínseco da empresa. Isso ficou claro quando ela quase chegou aos 500 dólares e, depois, no trambolhão que deu até à casa dos quarenta. Distraídos com o folclore do Reddit e dos posts com emojis, podemos não ter dado atenção suficiente a uma empresa que é mais do que um meme.
A GameStop foi fundada no Texas, em 1984, e, com mais de 5 500 lojas de videojogos, é a maior retalhista do mundo nessa área, com operação nos EUA, Canadá, Austrália e em parte da Europa. Era o sítio onde se ia comprar jogos novos mas também trocar os usados e ouvir dicas e sugestões dos trabalhadores.
O declínio da empresa começou há cerca de cinco anos, quando a sobrevivência destas retalhistas foi posta em causa pela compra de jogos em versão digital. Porque hei de pegar no carro para ir ao centro comercial, se posso fazer download ou encomendar? Esse movimento, conjugado com investimentos falhados da GameStop, trouxe prejuízos, encerramento de lojas e uma longa queda em bolsa. Era já uma empresa a lutar pela sobrevivência quando foi sacudida pelo terramoto coronavírus, que atingiu o retalho e acelerou a transição para o digital.
Muitos investidores viam nesta uma empresa a caminho do colapso, o que se refletiu num número muito grande de shorts (vendas a descoberto), em que se aposta na queda futura do título. Aconteceu até um fenómeno raro: a quantidade de shorts superou as ações disponíveis para negociação. Os grandes tubarões cheiravam o sangue na água.
E é aqui que começam as discordâncias. Muitos investidores acharam que a empresa estava subvalorizada, apontam para indicadores financeiros sólidos e até argumentam que a pandemia a terá ajudado, com milhões de pessoas fechadas em casa e agarradas ao comando da PlayStation. Esse sentimento fortaleceu-se quando o preço caiu para quatro dólares, no verão.
Estes investidores receberiam uma ajuda inesperada em setembro do ano passado, quando Ryan Cohen anunciou que tinha comprado uma fatia importante da empresa e passaria a fazer parte do conselho de administração. Cohen é o ex-CEO da Chewy, especializada na venda online de comida para animais, que conseguiu desafiar a Amazon nesse espaço, alimentando a esperança de que pudesse fazer o mesmo com a GameStop e lançá-la para uma nova era digital. Um ano antes, soube-se que Michael Burry – investidor conhecido por ter antecipado o colapso financeiro de 2008 – detinha mais de 3% da empresa. Eis os sinais de que Wall Street podia mesmo estar a avaliar mal a empresa.
Mas pode uma retalhista física de videojogos ser interessante? Argumentos a favor da GameStop: curva de adoção de jogos em formato digital é mais longa do que se pensa; grande parte das receitas da GameStop vem do Natal, e as pessoas vão continuar a dar prendas físicas; muitos gamers continuam a preferir ter o jogo nas mãos e gostam de colecioná-los; ainda nem toda a gente tem acesso a internet super-rápida para downloads; e há quem goste da possibilidade de revenda dos jogos na própria GameStop.
Os próximos meses serão decisivos. O valor de mercado da empresa superou os 20 mil milhões de dólares, em pleno short squeeze. Atualmente, vale pouco mais de três mil milhões. O contexto geral continua a ser desfavorável e ninguém espera que vá “até à Lua”, mas a GameStop pode ser mais do que a punchline de uma piada.
Um guia para perceber o que significam algumas das expressões mais usadas no fórum r/WallStreetBets> Foguetões até à Lua
No r/WallStreetBets é normal ver emojis de foguetões ou posts que dizem “to the moon” (até à Lua). Eles querem dizer mais ou menos a mesma coisa: a crença que aquele ativo vai continuar a acumular ganhos, até atingir um nível de valorização estratosférico.
> Tendies
Vem de “chicken tenders” (panados ou nuggets), algo saboroso e tenrinho. Normalmente, é a expressão usada quando alguém se quer referir a ganhos fáceis que irá fazer. Let’s these tendies!
> Diamond hands
“Mãos de diamante” é a expressão usada pelos utilizadores do Reddit para se incentivarem a não vender os ativos que compraram, acreditando na sua valorização, devido ao potencial da empresa ou ao entusiasmo coletivo. O diamante é o material natural mais duro do mundo.
> Paper hands
“Mãos de papel” é o oposto das mãos de diamante. É usado para descrever um investidor que vende as suas ações (ou outros títulos) demasiado cedo, pelo menos na ótica dos restantes. No mundo do r/WallStreetBets é um sinal de fraqueza, enquanto ter “mãos de diamante” merece elogios.
> Hold the line
“Grito de guerra”: mesmo perante o ataque (desvalorização), não vendam.
> Bagholder
Quem sofre perdas avultadas num investimento, não tendo vendido a tempo. Ficou a agarrar o saco (vazio).
> Meme stocks
Não é bem um termo específico do fórum, mas ajuda a perceber o fenómeno. Refere-se a um conjunto de títulos que ganha atenção em espaços como o r/WallStreetBets, muitas vezes por outros motivos que não os fundamentais da empresa. Além da GameStop, o termo tem sido usado para referir a AMC, Nokia, BlackBerry, empresas de canábis… Um meme é uma ideia, imagem, piada que se torna viral na internet, normalmente via alteração/comentário a uma peça de cultura popular.
> YOLO
Esta provavelmente já ouviu, pois a sua utilização precede a popularidade do r/WallStreetBets. YOLO significa “You Only Live Once”, um incentivo a arriscar na compra de um ativo, alavancagem ou a aguentar para não vender. Por exemplo, é uma expressão adequada quando se deposita todas as poupanças nas ações de uma só empresa, procurando ganhos de curto prazo.
> For the lulz
A tradução possível é fazer algo “por piada”. A expressão tem origem no fórum 4chan e é usada quando alguém diz ou faz algo ofensivo ou absurdo. No contexto do r/WallStreetBets, serve para justificar decisões arriscadas de investimento. Para muitos, além do investimento, a participação no mercado serve de entretenimento.
> STONKS!
Talvez seja a mais difícil de explicar sem ajuda visual. É uma brincadeira com a palavra “stocks” (ações), propositadamente mal escrita e normalmente acompanhada da imagem de um boneco com um olhar vazio. É comum usá-la para gozar com o conhecimento financeiro de alguém ou ironizar com perdas avultadas.O caso GameStop mostrou como os pequenos investidores podem complicar a venda de grandes
fundos com estratégias sofisticadas.
Ao longo da História, houve alguns falhanços estrondosos
> Melvin Capital
Foi uma das grandes vítimas da revolta dos pequenos investidores. O fundo liderado por Gabriel Plotkin, uma estrela em Wall Street, apostou fortemente na queda da GameStop, mas a subida das ações obrigou-o a fechar essa posição com uma perda de mais de 50 por cento. Este hedge fund trazia ganhos médios de 30%, nos últimos anos, conseguidos sobretudo com as apostas na descida de preço das ações de várias empresas norte-americanas, através de put options (opções de venda que permitem ganhar com as descidas de valor dos ativos). O património sob gestão era de 12,5 mil milhões de dólares, antes do ataque dos utilizadores do r/WallStreetBets. As perdas avultadas sofridas pela Melvin Capital foram compensadas pela injeção de capital de três mil milhões de dólares por parte de outros hedge funds. Após os prejuízos, e já contando com esse financiamento de emergência, o valor do fundo passou a ser de oito mil milhões de dólares, segundo a Imprensa norte-americana. Uma das entidades a apoiar a Melvin foi o Citadel, de Ken Griffin, que é também uma das maiores fontes de faturação da Robinhood. Este fundo, que usa técnicas de negociação de alta frequência (operações feitas com base em algoritmos e que são executadas em milissegundos), paga fortunas para ter acesso, em tempo real, ao fluxo de ordens dos clientes da Robinhood. Em plena subida das ações, a corretora suspendeu a possibilidade de negociar títulos de empresas como a GameStop e houve acusações de que essa decisão serviu apenas para dar alguma margem de manobra aos hedge funds, para se desfazerem das posições curtas, algo negado pelo CEO da GameStop, George Sherman. Além do Citadel, também o fundo Point72, que aposta na queda das ações da portuguesa REN, apoiou a Melvin, isto apesar de também ter perdido uns bons milhões com a GameStop.
> Amaranth Advisors
As perdas nem sempre são motivadas por apostas erradas nas descidas dos preços de determinados ativos. Muitas vezes, o problema dos hegde funds que sofrem perdas avultadas não reside na aposta da valorização ou da desvalorização, mas na alavancagem excessiva que permite multiplicar os ganhos mas também amplificar as perdas. “Temos o exemplo do que aconteceu com o fundo Amaranth Advisors que, devido à sua elevada exposição e alavancagem em futuros do gás natural, foi forçado a liquidar os seus ativos quando o gás natural caiu alguns dólares”, recorda Octávio Viana, presidente da ATM – Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais. Em 2006, o Amaranth, liderado por Nicholas Maounis, perdeu cinco mil milhões de dólares, numa semana. Chegou a ter um poder de fogo de mais de nove mil milhões de dólares. O fundo viria, mais tarde, a ser condenado por tentativa de manipulação do mercado de gás natural.
> LTCM
Foi um dos maiores exemplos de como os génios também erram. Este hedge fund foi lançado, em 1994, por John Meriwether, executivo de topo do Salomon Brothers, um dos antigos bancos de investimento mais influentes em Wall Street e que trouxe inovações financeiras, como os swaps de taxa de juro. O gestor lançou o próprio fundo com a ajuda de algumas das mentes mais brilhantes dos investimentos e da economia. Juntaram-se ao hedge fund dois galardoados com o Nobel da Economia, Robert Merton e Myron Scholes. A distinção foi-lhes atribuída pelo trabalho que desenvolveram para avaliar derivados financeiros, como as opções. Esses modelos teóricos fizeram parte da estratégia de investimento do Long Term Capital Management (LTCM), que conseguiu ganhos avultados nos seus primeiros anos. O sucesso era de tal ordem que a condição para investir no fundo era colocar no mínimo dez milhões de dólares, pagar comissões altíssimas e não poder questionar a forma como este veículo investia. Clientes não faltavam, e o LTCM rapidamente aumentou o seu poder de fogo de mil milhões para mais de 140 mil milhões de dólares. O fundo estava altamente alavancado, e as apostas assentavam em modelos que previam o que o mercado iria fazer, tendo em conta padrões observados no passado. O calcanhar de Aquiles do LTCM foi exposto quando o mercado começou a comportar-se de forma inesperada. As perdas começaram com a crise cambial asiática, em 1997, mas quando a crise se estendeu à Rússia, que entrou em incumprimento em agosto de 1998, o golpe foi fatal. O LTCM apostou que esse cenário não iria concretizar-se e estava atolado em dívida desse país. A posição era demasiado grande para poder ser liquidada e permitir que o fundo saísse da armadilha em que tinha entrado. Foi o princípio do fim do fundo dos génios. Dada a relevância sistémica do LTCM, a Reserva Federal teve de resgatá-lo. Foi liquidado em 2000.
> Short squeeze da Volkswagen
Em outubro de 2008, em pleno pânico nas bolsas, as ações da Volkswagen dispararam rapidamente, e a construtora foi, durante um dia, a empresa mais valiosa do mundo. “O preço das ações subiu dos 200 euros para mais de 1 000 euros, em apenas dois dias”, recorda Octávio Viana. A construtora alemã era alvo dos short sellers que, na sua maioria, tentavam lucrar com a diferença entre o valor das ações ordinárias e preferenciais da construtora alemã, numa estratégia de arbitragem sobre a estrutura de capital da empresa. O problema é que a Porsche, que tinha fortes ligações à Volkswagen e uma participação na empresa, costumava usar derivados financeiros para se proteger das oscilações no preço das ações que detinha na rival. Discretamente, construiu uma posição de 74,1% na empresa (42,6% através de ações e 31,5% em opções). Quando anunciou esse facto, apanhou o mercado de surpresa e levou a uma corrida dos short sellers ao mercado para comprarem ações de forma a fecharem as posições. Foi um dos maiores short squeezes da História. As perdas para os hegde funds foram superiores a 30 mil milhões de dólares. Um dos penalizados foi o Elliot Capital Management que esteve recentemente no capital da EDP. Mas a vingança do fundo liderado por Paul Singer, apelidado de “abutre da Argentina”, serviu-se fria. Mais de uma década depois, financiou uma luta judicial de investidores contra a VW, devido ao escândalo de emissões poluentes.As redes sociais têm um peso cada vez maior nasdecisões de investimento do retalho.
Quais as melhores fontes de informação?
O peso das redes sociais nas decisões de investimento dos pequenos investidores ficou bem evidente no caso da GameStop. É em fóruns, como o r/WallStreetBets, que muitos vão buscar informação para decidir onde pôr o dinheiro. Steven Santos, analista do BiG, observa isso nos seus clientes. “As redes sociais têm um peso cada vez maior, por exemplo os portais como o Seeking Alpha. Recorrem ao research do BiG mas, muitas vezes, vêm com ideias próprias. ‘Este fim de semana estive a ler, vi num fórum.’ As ideias vão germinando nas pessoas”, conta. O outro lado da moeda surge quando se acredita cegamente nessas recomendações, dadas muitas vezes sob forma de anonimato ou feitas por pessoas sem qualificação para aconselhamento financeiro.
Também em Portugal se multiplicam as páginas nas redes sociais a prometer dicas de investimento certeiras, seja em ações, em criptomoedas ou em estratégias de day trading. Basta escrever termos relacionados com investimento no Google que o mais provável é ser inundado, nos dias seguintes, com anúncios de sites ou de gurus a quererem vender poções mágicas para os mercados. “Proliferam, cada vez mais, grupos de Facebook onde esse tipo de movimentos é estimulado, e o acesso a plataformas está ao alcance do descarregamento de uma aplicação para o telemóvel”, observa Octávio Viana. O presidente da ATM – Associação de Investidores acrescenta que “isso, associado a uma baixa literacia financeira, conduz a estratégias em que os investidores sonham em ganhar muito dinheiro em pouco tempo”. Quase sempre, o desfecho para esses investidores é o de perdas avultadas.
A CMVM recomenda cautelas redobradas: “A tomada de decisões de investimento com base na informação que circula nas redes sociais deve ter em conta a dificuldade de os investidores validarem a qualidade dessa mesma informação, nomeadamente conhecerem a sua origem, as intenções dos autores e eventuais conflitos de interesse potencialmente envolvidos”, indica em resposta a questões da EXAME. O regulador acrescenta que “seguir indicações e sugestões – às vezes implícitas – e quase sempre não fundamentadas de terceiros não habilitados envolve enormes riscos para aqueles que assim investem”. Garante ainda que tem intensificado os “alertas aos investidores sobre situações e casos específicos que possam traduzir maior risco”.
Ivo Leitão, um dos pequenos investidores que falaram com a EXAME, diz que as escolhas sobre onde colocar o dinheiro são feitas com base em pesquisas online. “Tento ver os ETF que deram melhores resultados. Vou ao Google, à Investopedia.” Pesquisar por conta própria pode ajudar, mas o mais aconselhável é ter-se acompanhamento profissional. Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, considera que “a experiência dos gestores de carteiras e dos bancos especializados são uma mais-valia para investidores incautos e sem experiência que, como se viu com a GameStop, acabaram por perder dinheiro, porque investiram numa empresa a cotações que não correspondiam aos fundamentais”.
O investimento YOLO (“You Only Live Once”) até pode ser emocionante, mas é meio caminho andado para perdas avultadas. Para triunfar nos mercados financeiros, é necessário cumprir regras mais racionais e ser-se paciente
> Avaliar o perfil de risco
Tudo começa por definir o perfil de investidor, em que se traçam os conhecimentos que se tem dos mercados financeiros e qual a perda máxima que se tolera assumir. Quanto maior a promessa de retorno de determinado ativo, maior também é o seu risco. Os intermediários financeiros têm a obrigação de ajudar os investidores a descobrirem o perfil de risco (se moderados, conservadores ou arrojados). Só com essa informação, que deve ter também em conta a situação financeira do investidor, é possível depois desenhar uma estratégia de investimento e selecionar os ativos que podem entrar na carteira de investimento. Por exemplo, um investidor com elevada aversão às perdas não deve investir em ativos com risco de perda significativa do capital, como as ações.
> Preparar uma maratona
Muitos pequenos investidores são atraídos para o mercado com a expectativa de ganhos rápidos. Porém, o sucesso dificilmente se atinge com sprints pouco pensados e impulsivos. O investimento deve ser visto como uma maratona. Existem muitos estudos a comprovar que quem tem um foco de longo prazo tem muito maior probabilidade de ganhar do que quem se centra no curto prazo. A CMVM, por exemplo, recomenda “delinear objetivos de investimentos a médio-longo prazo”. Carlos Rodrigues, presidente da Maxyield, avisa que é preciso “ter nervos de aço, evitando atitudes emocionais, pois existe vida para além das flutuações diárias”. O plano estratégico tem de ser para manter no seu essencial, podendo, no entanto, ter alguns ajustes táticos.
> Olhar para a floresta
A diversificação é outra das regras de ouro. Ir all-in num único ativo ao estilo da slot machine dá, geralmente, mau resultado. O conselho é ter uma carteira de investimento “com diversificação adequada à gestão do risco e estabelecer o primado da gestão da carteira (floresta) sobre títulos individuais (árvores)”, diz Carlos Rodrigues. A CMVM recomenda “investir em diferentes produtos financeiros, com graus de risco distintos, diversificando também em zonas geográficas e setores da atividade económica”. A ideia é que, se um investimento correr mal, existam outros ativos em carteira que possam mitigar esse efeito.
> Investigar e duvidar
Quando surgem promessas de ganhos elevados, deve-se desconfiar. “São indícios clássicos de fraude, e todos os investimentos têm associado algum risco, e a perspetiva de maiores retornos significa que estará a assumir também maiores riscos”, refere a CMVM. Eventuais oportunidades de investimento devem ser bem analisadas e documentadas, com a procura de informação fidedigna ou o recurso a aconselhamento profissional. Carlos Rodrigues considera que “as boas oportunidades exigem pesquisa e contenção na impulsividade”. Uma das máximas de Warren Buffett é nunca investir no que não se entende, pelo que, na dúvida, o melhor, por vezes, é ficar de fora.