Na antevéspera de mais um estado de emergência obrigar todos os portugueses a voltarem ao dever de recolhimento, a EXAME esteve à conversa com Chitra Stern, a fundadora e CEO de The Elegant Group, que detém as marcas Martinhal e Lisbon International School, e com Marta Bicho, deputy dean do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) Lisboa e partner na empresa inSoul. Com percursos e experiências significativamente diferentes, ambas se mostraram curiosamente alinhadas no otimismo em relação aos tempos que aí vêm, e garantem que só de olhos no futuro, com fé e esperança, se consegue continuar a desafiar os momentos difíceis por que atravessamos.
“Ainda não sei se mudámos alguma coisa enquanto sociedade. Espero que sim. Eu vejo pessoas mais gratas, mas não sei se isto vai durar”, admite Marta, cautelosa. “Eu acho que este cenário é como uma guerra e, portanto, não vamos esquecer tão cedo estes acontecimentos. Tenho-me lembrado muito disto: logo quando nos estávamos a recompor da crise financeira de 2008, levámos outro tiro! E pensámos: ‘Não pode estar a acontecer novamente.’” Mas estava… “E a minha equipa, por exemplo, veio ter comigo para agradecer o facto de não termos fechado os hotéis… O que sinto é que nós crescemos e vencemos isto juntos”, conta, por seu lado a empresária que há 20 anos escolheu Portugal para viver. “Bom, eu já disse isto muitas vezes, mas, de facto, se eu fosse uma pessimista, já teria morrido…”, continua Chitra, com uma gargalhada. “Tenho de olhar para os pontos positivos. A Lisbon International School está a correr bem, estamos a olhar para empresas tecnológicas que possam estar no nosso tech hub; portanto, as coisas estão a andar. E eu tenho várias pessoas que dependem de mim. Se eu me mostrar positiva, elas vão ficar mais positivas”, resume.
Foi precisamente isto que sentiu Marta quando, em março de 2020, o primeiro estado de emergência obrigou a repensar todo o plano da licenciatura que ela dirigia no IPAM. “À sexta-feira, estávamos a dar aulas presenciais, na segunda, tínhamos de estar totalmente online”, lembra. “Foram dois dias de formações, e multiplicaram-se as reuniões com professores e alunos para garantir que tudo correria bem, e para dar uma mensagem de ânimo. Senti que tinha de dar um push a toda a equipa. Nem que fosse durante meia hora. Era preciso dar um incentivo às pessoas. Professores com 200 alunos, a dar aulas em português e em inglês… Foi preciso explicar que estamos nisto juntos. E vamos, juntos, conseguir. E notei que a minha equipa trabalhou quase o dobro, para conseguir entregar o mesmo que em aulas presenciais.”
Foi, essencialmente, pelas respostas das equipas que lideram em ambientes tão diferentes que ambas sentiram que algo estava a mudar. E isso trouxe para a mesa da conversa a questão – sempre tão falada mas depressa esquecida – da chamada economia social que tem tido maior destaque depois de o Papa ter decidido lançar um desafio mundial em torno de uma mudança do modelo económico a seguir, em que a pessoa, pede o chefe máximo da Igreja Católica, deve estar no centro de cada decisão. “Quando olhamos para uma empresa, temos de ter em conta algumas coisas: cada organização tem uma série de áreas, as empresas têm de sobreviver, e as empresas existem porque as pessoas existem. Por isso, eu pergunto o que significa pôr a pessoa no centro?”, pergunta a professora universitária. “Os líderes têm de refletir sobre isso e perceber o que significa. É preocuparmo-nos com o seu bem-estar? É o pagamento do salário? O que é dar e receber? O que eu vejo é que há uma elevada fragmentação nos pensamentos em relação a isto, mas acredito absolutamente que tem de haver uma cocriação entre os líderes e as pessoas que estes lideram. Não são apenas os líderes que têm de decidir qual a melhor estrutura organizacional. É importante integrar os trabalhadores na própria estratégia para a empresa, e na evolução e no colaborador”, defende. “Acredito que a economia social não devia ser uma coisa que está à porta: deve ser a economia! Esta divisão não faz sentido para mim, e agora ainda menos. As questões do ser humano, do social, do ambiente têm de estar no dia a dia das organizações. É uma coisa dentro das organizações”, garante.
Do outro lado da sala, Chitra anui e explica o que se procurou fazer, no grupo, para mitigar os efeitos de uma crise que fez a faturação de 2020 ser apenas 25% da do ano anterior, numa altura em que a organização abria a sua escola internacional, junto ao Parque das Nações. “Aprendemos imenso durante este ano e, sobretudo, sentimo-nos muito gratos por termos decidido diversificar o nosso negócio. Foi mesmo incrível, no sentido em que temos outros negócios que nos ajudam a superar estes tempos. Sem dúvida que vamos ter de pôr mais capital no futuro… primeira lição!”, admite, com um sorriso. “Depois, todas as questões económicas, todos os preceitos… estão a imprimir dinheiro e isso muda as questões fundamentais”, o que põe em causa grande parte das regras aplicadas quando se fazem planos de negócio. “Claro que são medidas importantes, e eu concordo com elas porque temos de salvar a economia. Vamos entrar num novo confinamento, e eu não sei quantos negócios vão sobreviver. Já foi difícil o suficiente no último confinamento, e as empresas não têm meios suficientes para sobreviverem a períodos tão alargados sem negócio. Em março do ano passado, estávamos a fazer… sei lá, o centésimo plano de negócios do ano, incluindo este plano de abrir a Lisbon International School em setembro, o que parecia algo impossível, honestamente. Acabar a construção, ter tudo pronto para a abertura, gastar esse dinheiro”. [Risos.] Mas não há dificuldade que não aguce o engenho, portanto o grupo optou por passar “algumas pessoas das equipas dos hotéis, no Chiado e em Cascais, para a escola, sobretudo para as zonas comuns das crianças. Pouca gente, porque continuamos a querer ter os melhores nos hotéis, não é? Continuamos a gerir os hotéis! Manter o ânimo da equipa foi um dos grandes desafios e um dos grandes sucessos do nosso grupo durante esta pandemia. Temos um diretor de recursos humanos que é solid as a rock e que é muito bom a manter a calma, a não entrar em pânico, a manter o espírito em níveis elevados, o que ajudou bastante”. Para Chitra, há poucas dúvidas de que são as pessoas que fazem as empresas, e elas são também uma das razões pelas quais sempre se recusou a fechar as suas unidades hoteleiras, mesmo a do Algarve, durante os meses de inverno, porque acredita que as pessoas perdem o ritmo e o espírito que as unem. E estes dois aspetos são fundamentais para manter a máquina a funcionar na perfeição.
Marta defende que é colocando esta ideia de que tudo está interligado na educação, na própria essência das pessoas, que vai permitir que uma economia mais humana passe a ser a regra e não algo de que se tenha de falar. “Temos aqui uma questão de educação: se em casa, na escola, na universidade, estes valores estiverem presentes, o que vai acontecer é que eles passarão a fazer parte da pessoa e não são uma coisa externa. Quando pensamos ‘tenho de ter isto porque é bom’ e depois enfrentamos uma situação disruptiva, essa coisa que quisemos perde a importância. Se for algo que faz parte da pessoa, que cresceu com ela, é algo que estará sempre nos seus objetivos, na sua estratégia empresarial… Isto vai fazer com que as empresas sejam melhores para si mesmas e, consequentemente, para os seus clientes”. E, adianta ainda, espera que esta experiência torne ainda mais claro que os negócios deixaram de ser business-to-consumer e são muito mais human-to-human. Em resumo: “devemos ser tratados como pessoas que somos”, sorri. A professora defende ainda que este é um momento que tem de ser aproveitado para se “construir outro tipo de relações. Acho que [durante este período] foi muito simples separar o trigo do joio. Quem ficou, ficou com laços muito mais fortes. E quem saiu, saiu de uma forma muito tranquila”.
A ideia é secundada por Chitra que aproveita a deixa para repetir que continua a achar os portugueses muito humanos e preocupados com o próximo. Pede que se olhe para o comportamento dos ingleses, por exemplo, ou o dos norte-americanos que, durante vários meses, não cumpriram o distanciamento social nem o uso de máscara, algo que em Portugal foi genericamente adotado e de forma muito rápida e respeitosa, considera. “Nós só passamos por isto juntos. Agora, uma coisa é importante: no caso das empresas, o dinheiro não é infinito, não é? E vamos ser honestos, todos nos sabíamos que vinha aí uma segunda vaga. No nosso caso, nem sequer achávamos que íamos ter mais do que a faturação que conseguimos. Mas agora, olhos no futuro: vêm aí vacinas, há tratamentos que mudam completamente o contexto… E a verdade é que se isto tivesse acontecido há 20 anos, o futuro” não se adivinharia tão risonho, defende, “não só porque a Ciência estaria mais atrasada mas porque Portugal não estaria no mapa dos investimentos e dos turistas”, nota com a sabedoria de quem chegou a Portugal quando ainda poucos estrangeiros o tinham descoberto, tendo colocado a primeira pedra do seu primeiro hotel no País no exato dia da falência do Lehman Brothers.
Profundamente crente de que o turismo de família vai ser dos primeiros a voltar – até porque, depois de tantos meses em casa, todas as famílias precisam de umas férias –, a empresária realça o trabalho feito pelo Turismo de Portugal e por muitos operadores privados que colocaram o País, e sobretudo Lisboa, na mira dos negócios. “Construiu-se uma boa massa crítica nos últimos anos. Eu acho que isto vai mesmo levar a algum lugar. Precisamos de jovens que venham trabalhar para aqui, precisamos de estrangeiros. Atenção que os millennials são pessoas mais novas, têm muitos deles trabalhos bem pagos e representam dinheiro na economia, se vierem para cá. E a verdade é que precisamos de algum programa que substitua os vistos gold. Portanto, sim, se calhar podemos ter programas de incentivos como aqueles que a Grécia está a aplicar.” Recorde-se que o executivo helénico decidiu oferecer um novo regime fiscal para os nómadas digitais que cheguem à Grécia, sejam trabalhadores por conta de outrem ou independentes, o que lhes permitirá pagar apenas metade dos impostos devidos sobre o seu rendimento, ao longo dos próximos sete anos.
“Vamos parecer meio loucas”, dizem entre gargalhadas ambas as executivas, “mas a verdade é que estamos otimistas”, porque, afinal, se a Humanidade sempre encontrou formas de sobreviver e de resolver problemas, como não o faria agora? “E, de novo: o mundo passou por seis anos de guerra, durante a II Guerra Mundial. Imaginem o que terá sido isso. Nós não estamos aí! As mortes, os bombardeamentos, o correr para os bunkers… Como aquelas pessoas sobreviveram a esses tempos? Olhando para a frente, para o futuro, acreditando – é só isso que temos de fazer”, conclui Chitra. Só isso.