Atestar o carro na Prio, eximir-se de comprar de produtos feitos na Rússia ou em países que não se manifestaram contra a invasão da Ucrânia – China, Índia, Emirados Árabes Unidos -, estar atento. Numa altura em que a violência na Ucrânia não dá tréguas, provocando já centenas de mortos e milhares de refugiados, surge a questão: o que pode o consumidor, individualmente, fazer para contribuir para a paz?
“Uma das coisas que é importante realçar é que se pode ser útil no conforto do lar – lar esse que os ucranianos não têm de momento”, começa por dizer à EXAME Carolina Almeida Cruz, CEO da C-More. “Podemos ser úteis no acesso à liberdade, e nesse sentido fazer as perguntas certas para conseguir escolher o produto, a origem, o contexto, de onde vem para onde vai”, explica. Defensora do poder do consumidor no comportamento de empresas e de sistemas económicos, a responsável salienta que é possível e desejável, neste caso, rejeitar produtos que possam, de alguma forma, financiar economias que são coniventes com o regime de Vladimir Putin. Isso coloca alguns dos maiores gigantes económicos na mira, e obriga a uma maior atenção à origem de tudo o que se compra.
Os líderes políticos têm-se desdobrado em reuniões, e a União Europeia já vai no terceiro pacote de sanções a aplicar à Rússia, em coordenação com os EUA e acompanhada pelo Reino Unido. Fecham-se espaços aéreos, retira-se a Rússia do sistema mundial de pagamentos, o SWIFT, os diplomatas russos, grupos e empresários relacionados deixarão de ter acesso privilegiado à União Europeia. Em Portugal, qualquer cidadão russo que faça parte da lista [da União Europeia] dos sancionados, está sujeito à limitação de movimentos em Portugal e ao congelamento dos seus ativos financeiros”, revelou o Ministro dos Negócios Estrangeiros este sábado.
No entanto, para além das manifestações que juntaram milhares de cidadãos em várias cidades portuguesas, e das recolhas de bens e dinheiro para levar até aos refugiados, que outras armas tem cada indivíduo à sua disposição para ajudar na trajetória deste conflito?
Uma das coisas que é importante realçar é que se pode ser útil no conforto do lar – lar esse que muitos ucranianos não têm de momento
Carolina almeida cruz
“Nós fazemos um clique com muita facilidade, nas nossas redes sociais, por exemplo. E exatamente no mesmo clique podemos fazer algo para ser úteis ao outro”, continua a especialista em Direitos Humanos e Sustentabilidade.
“Há um movimento da sociedade civil que está a utilizar vários canais, como os departamentos de responsabilidade social das empresas, Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais e agências de desenvolvimento que se uniram e que estão a estabelecer uma lista de bens essenciais para enviar ou para proporcionar às famílias que estão em zona de conflito e àquelas que poderão chegar a Portugal nos próximos dias”, continua a responsável, pedindo a cada consumidor que aja da forma que lhe faz mais sentido, e junto das entidades em que confia para mostrar a sua solidariedade.
“Acho o caso da Prio muito corajoso”, atira, quando lhe perguntamos se teve conhecimento de empresas do setor privado que, concretamente, se tenham aliado à luta contra esta invasão. A empresa liderada por Emanuel Proença revelou este sábado que tinha deixado de “considerar como parte dos seus fornecedores e de adquirir quaisquer produtos a empresas russas ou diretamente relacionadas, como fazia no passado. Este é um gesto contra a guerra e contra um regime, e nunca contra um povo”, esclarece em comunicado.
“Face à invasão russa do território ucraniano já considerado por diversos membros da ONU como um golpe injustificado à paz e à segurança na Europa e um atentado para com a integridade territorial e soberania da Ucrânia, a PRIO não quer deixar de dar o seu pequeno contributo para a paz neste continente, através da aplicação, à sua modesta escala, das sanções económicas que tem na sua mão impor à economia russa”
A decisão representa um impacto de cerca de €20 milhões de euros na empresa de combustíveis, “o valor equivalente a sensivelmente 2,5% das suas compras ao longo do ano”, esclarece ainda a Prio.
Para Carolina Almeida Cruz, passar a atestar o carro na Prio, por exemplo, é algo relativamente simples que pode ser feito em prol de um povo que está debaixo de fogo. E depois, extrapola, é só levar isso para as restantes decisões de consumo que se fizerem nos próximos tempos.
Sempre que falamos da opção do consumidor, falamos de uma questão de coerência
Carolina Almeida Cruz
“Sempre que falamos da opção do consumidor, falamos de uma questão de coerência. Não começa nem termina no meu ato de solidariedade, mas na minha filosofia, forma de estar e bom senso, se isso se puder traduzir em ações”, esclarece.
Na mesma ocasião, a CEO da consultora especializada em sustentabilidade, social e ambiental, recorda as várias ONG que já estão no terreno e com ações organizadas para apoiar os milhares de refugiados que estão a tentar sair da Ucrânia e a chegar a Portugal – e das quais a Visão já deu conta – e que são sempre uma opção para quem quer ajudar mais diretamente. Nota ainda para a plataforma WeHelpUkraine, que está a juntar “dezenas de pessoas e organizações” que se disponibilizaram para “disponibilizar e gerir a plataforma, que funcionará como um “Airbnb” para encontrar – e disponibilizar – um alojamento, medicamentos e ofertas de trabalho”, explica na sua página de Linkedin José Crespo de Carvalho, Presidente da Comissão Executiva do ISCTE. “Em breve estará disponível um contact center em inglês, português e ucraniano para atendimento por telefone, e-mail, mensagens instantâneas, videoconferência e outros canais de comunicação”, refere ainda, pedindo a quem deseje que se inscreva para ajudar os potenciais refugiados que estão a caminho de Portugal.
Notícia atualizada às 19h20 com informação sobre a plataforma WeHelpUkraine.org.