A nossa emoção é, geralmente, inversamente proporcional ao número de pessoas atingidas por uma tragédia, dizem os especialistas. No entanto, o dinheiro consegue por norma fazer o mundo voltar a focar-se. Um estudo libertado no final do ano passado pela Christian Aid, uma ONG que trabalha em mais de 29 países, estima que só os dez principais desastres relacionados com as alterações climáticas tenham tido um custo superior a 170 mil milhões de dólares. Secas no Corno de África, inundações na Europa Central, na China no Sudão do Sul e tornados nos EUA foram responsáveis pela morte de mais de 2 mil pessoas e por mais de 6 milhões de desalojados.
E repetimos, estes números agregam apenas os dados dos mais destrutivos eventos naturais que ocorreram no ano passado. Houve ainda fogos na Austrália, vulcões em Espanha, ondas de calor nos EUA ou tempestades tropicais na África subsariana, que elevaram estes números para registos que, até agora, a EXAME não conseguiu encontrar agregados em nenhuma base de dados.
Já no início deste ano, António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações, avisava que era preciso investir mais para travar o número de refugiados climáticos que não para de aumentar, sobretudo em continentes como África e Ásia, onde os eventos estão cada vez mais extremos e mais regulares.
Esta semana, as cheias em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, Brasil, já fizeram mais de 100 mortos e um número ainda desconhecido de desaparecidos, que continuam a ser procurados pelas equipas de resgate e salvamento.
Enquanto isso, um ciclone atingiu Madagáscar e as previsíveis cheias preparam-se para causar mais deslocados em Moçambique, enquanto na Tanzânia a falta de água ameaça as próximas colheitas. Os deslocados não param de aumentar, e até os conflitos armados que cada vez são mais frequentes em certas regiões do globo estão, muitas vezes, muito mais relacionados com questões climáticas do que acreditamos.
“O custo das alterações climáticas tem sido grave”, referia Kat Kramer, autora do relatório, à Time no final do ano passado. “É óbvio que o mundo não está no caminho certo para conseguir garantir um planeta seguro e próspero”.
No último mês de outubro, num evento dedicado às alterações climáticas promovido pela Leroy Merlin, João Antunes, responsável pela Médicos do Mundo em Portugal, lembrava que fenómenos como a fome, a pobreza e a exclusão estão, desde há muito, intimamente relacionados com as questões climáticas.
“Quando falamos do conflito de Darfur, em 2000, em que se registaram 400 mil mortos e foi visto como um conflito étnico, se calhar foi também o primeiro conflito relacionado com questões climáticas. Porque havia disputa sobre território e sobre acessos a recursos. Na altura foi visto como um conflito geográfico muito específico, mas já havia questões climáticas por trás”, recorda. Outro exemplo, a crise no Lago Chade, “que é um mar autêntico no meio do deserto, uma dádiva da natureza para aquelas populações e do qual dependem cerca de 20 milhões de pessoas”, enumerava João Antunes. “Nas últimas duas décadas [o lago] perdeu um caudal enorme, impactou os meios de subsistência” e logo de seguida assistiu-se a um aumento dos conflitos armados, nota.
O que significa que o impacto económico das alterações climáticas será sempre muito superior àquele que é possível estimar apenas pelas perdas materiais e humanas registadas. Recorde-se que, já em 2018, a Comissão Mundial sobre a Economia e o Clima (CMEC) da ONU apresentou um relatório em que estimava que em 2017 as alterações climáticas tivessem custado à economia qualquer coisa como 320 mil milhões de dólares – não houve relatórios posteriores a esse, pelo que este é o número global mais recente que podemos referir.
Na ocasião, o mesmo relatório referia que se fossem tomadas as medidas certas em prol da sustentabilidade ambiental, os ganhos poderiam superar os 26 biliões de dólares até 2030, o ano em que se espera conseguir travar o aquecimento global em “apenas” dois graus Celsius – mas sabemos, pela COP 27, que mesmo assim vai ser difícil inverter a tendência de destruição do planeta. Junte-se a isto as previsões que apontavam, então, para 140 milhões de migrantes devido a alterações climáticas até 2050, e talvez o alerta comece a soar mais alto.
Segundo a Christian Aid, citando dados da AON, 2021 terá sido o sexto ano em que desastres naturais custaram mais de 100 mil milhões de dólares. Todos esses anos foram posteriores a 2011, o que revela a aceleração significativa da intensidade e da gravidade dos eventos.
Os autores do tal relatório da AON estimaram os danos com base nas perdas seguradas, o que significa que os custos reais desses desastres serão, possivelmente, ainda maiores. Os cálculos mostram, geralmente, valores mais elevados nos países mais ricos devido à avaliação de propriedades e seguros mais altos, enquanto alguns dos eventos climáticos mais mortais atingem regiões mais pobres que pouco contribuem para o aquecimento global – é só pensar no impacto ambiental que tem, por exemplo, a vida numa cidade como Nova Iorque em comparação com a vida numa aldeia do norte de Moçambique. A violência dos desastres ambientais tem sido inversamente proporcional ao contributo das regiões para as próprias alterações climáticas, o que seria motivo suficiente para nos fazer repensar a organização mundial.
No entanto, a distância que afasta os que mais impactam o planeta daqueles que mais sofrem com esse impacto não facilita no entendimento da urgência, referem muitas vezes os especialistas.
Numa altura em que as empresas começam – finalmente – a olhar para os critérios ambientais, sociais e de governance (ESG na sigla em inglês) como algo a seguir sob pena de perderem investidores, clientes e mesmo consumidores, cada vez mais conscientes, estes eventos climáticos que obrigam a sucessivos decretos de Estados de Calamidade ou Emergência em redor do mundo, podem ser bons lembretes do que ainda está por fazer.