As empresas cotadas em bolsa costumam divulgar, todos os anos, longos e pesados relatórios de sustentabilidade em que, geralmente, sobressaem os dados em que essas organizações se destacaram pela positiva. Mas, na imensidão de páginas de informação, nem sempre os dados são apresentados de forma clara e que permita compará-los com empresas do mesmo setor. E isso torna difícil separar as entidades que estão mesmo comprometidas em seguir o caminho da sustentabilidade das que usam essas informações apenas como adereços de marketing destinados a investidores, fornecedores e clientes.
Os dados são a melhor ferramenta para se comparar quem está ou não empenhado na missão de tornar o mundo mais sustentável. Mas ainda há muito caminho a percorrer, segundo os especialistas que participaram na conferência “Promover a Sustentabilidade através do Poder dos Dados” (“Advancing Sustainability through the Power of Data”, na versão original), organizada pela C-MORE | Beyond the Obvious, em parceria com a Exame Portugal, e que integra a agenda de eventos locais promovidos pelo UN World Data Forum 2021, que acontece entre os dia 3 e 6 de outubro em Berna, na Suíça, em formato híbrido.
“Nos últimos anos, cada vez mais pessoas e empresas têm mencionado a importância da sustentabilidade e isso é positivo. Mas não basta falar e é preciso agir”, afirmou Francisca Sassetti. A Business & Human Rights Lead da C-MORE sublinhou que “os dados são um aliado poderoso para ajudar a cumprir a necessidade de sustentabilidade porque ajudam a medir e a perceber onde estamos a falhar” e quais poderão ser as oportunidades a seguir.
As gestoras de ativos já têm em conta critérios ambientais, sociais e de governação (ESG, na sigla em inglês) na hora de investir. E há mesmo unidades que têm como missão fazer investimentos de impacto. Mas para atingir os objetivos de carteiras de investimento com ativos que ajudem à sustentabilidade depende de se ter a informação correta e necessária para se tomar essas decisões.
Will Martindale, Group Head of Sustainability da gestora Cardano, recordou que se costuma dizer que é o dinheiro que faz o mundo mexer. Mas salientou que os dados estão em segundo e muito próximos. “Como investidor os dados são fundamentais para tomar decisões”, referiu. Com as estratégias de investimento a terem cada vez mais em conta critérios de ESG, as empresas têm de divulgar não só como evoluem financeiramente mas também em indicadores de sustentabilidade. “Isso permite-nos comparar empresas e perceber as que têm bom desempenho ESG”, salienta o gestor. Will Martindale considera que “a qualidade destes dados tem melhorado” e sublinha o papel importante que o Financial Stability Board – uma organização que monitoriza e emite recomendações para o sistema financeiro mundial – teve para que as empresas e governos divulgassem informações sobre riscos ambientais.
Apesar de os indicadores sobre o ambiente serem cada vez mais detalhados e uniformizados, o gestor realça que há ainda trabalho a fazer na parte de responsabilidade social das empresas. “Precisamos de melhores dados também neste nível e de os organizar, harmonizar e estandardizar”, defendeu.
Para se atingir esse objetivo será necessário fazer com que os dados se transformem em conhecimentos, sublinhou João Leal Fernandes. O CFO e membro da administração da Closer Consulting advertiu que isso não é tarefa fácil: “Pensa-se que é fácil por um robô a ler relatórios [de sustentabilidade] e a retirar informação. Isso até poder ser fácil, mas o difícil é depois fazer com que esses dados façam sentido”. Para se conseguir modelos eficientes a medir, avaliar e comparar as políticas de sustentabilidade das várias empresas é necessário existirem “standards universais”, defendeu.
Essa necessidade foi uma das razões pelas quais foi lançado o WikiRate, um site ao estilo Wikipedia que trabalha dados das empresas de forma a torná-los acessíveis, transparentes e comparáveis. Uma tarefa que requer muito esforço, já que, diz Lucia Ixtacuy, os “dados são difíceis de extrair, não estão estandardizados e não são comparáveis”. A Community e Data Manager da WikiRate sublinha a necessidade de se ter uma estrutura aberta de dados “para dar à sociedade as ferramentas para encorajar as empresas a responder aos desafios ambientais e sociais”.
Mas mesmo com dados de maior qualidade e comparabilidade, continuam desafios. Ricardo António, fundador e diretor da Born Ethical, considera que o big data está “muito pouco focado nos fatores humanos e bastante em elementos quantitativos”. E nota que já se está a iniciar uma revolução que irá ganhar forma no futuro sobre a “qualidade dos dados”. E exemplifica: “Vamos começar a analisar fatores como a saúde dos funcionários para prevenir burnouts e com este tipo de dados as empresas poderão gerir melhor, reter e atrair talento”. No entanto, passar a recolher e tratar dados humanos coloca todo um novo tipo de desafios. “Como é que se ouve os corações das pessoas e se recolhem esses dados? Isso sem ser intrusivo?”, questiona. A resposta, segundo Ricardo António é que “tem de se ser criativo nos processos de recolha de dados, mas eticamente criativo”.
Outro problema, enumerou Ben Mansell, é que “não temos dados suficientes para ver a imagem global e ter em conta todas as vozes de forma a descobrir como devemos dar prioridade as nossas ações”. Isto porque, realçou o co-fundador e COO da Unconnected, cerca de metade da população mundial não tem acesso à Internet. E afirmou que “quem permanece desconectado não tem voz, nem consegue influenciar políticas públicas”. Assim, mesmo que exista a tecnologia para cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estes não serão atingidos para os que estão desconectados, avisa Ben Mansell. É que, como constatou Carolina Almeida Cruz, CEO da C-MORE e vice-presidente da Data Science Portuguese Association, a Internet é uma ferramenta essencial para a educação e informação. E concluiu: “Sustentabilidade e tecnologia têm de convergir”.