Discurso acelerado, sorriso fácil, muitos gestos e ainda mais entusiasmo: Carolina Almeida Cruz é a imagem viva de como a vontade pode mudar o mundo, com pequenos mas concretos passos. Licenciou-se em Psicologia, viajou por inúmeros países do mundo e descobriu o que queria mesmo fazer quando trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU) e se apercebeu de que havia problemas que tinham, pura e simplesmente, de desaparecer.
Foi o caso da “escravidão moderna”, uma expressão que parece ter perdido algum do seu peso mas cujo significado é brutal na sociedade: há efetivamente demasiados produtos no mercado que são fruto de trabalho praticamente escravo. Ou porque é realizado por crianças, ou porque as condições de trabalho são praticamente inexistentes, ou porque as pessoas não são pagas para o fazer. A escravidão ainda existe no século XXI e Carolina não sabe lidar com isso. Por isso, e enquanto faz um doutoramento sobre Direitos Humanos – particularmente sobre o artigo 26, que determina o acesso à educação –, a empresária decidiu também lançar a C-More, uma empresa de consultoria estratégica e jurídica que tem como único objetivo ajudar as empresas a ser sustentáveis, fazendo-as compreender que a sustentabilidade não é apenas uma questão de moda, mas que é essencial para a eficiência do negócio e, claro, para a manutenção do planeta.
“Eu venho de uma família muito engraçada, supermisturada, onde quase todos são viajantes, onde se gosta de ópera, de música clássica, de ler… O facto, que parece uma nuance, de nascer em Portugal, onde sou livre de usar um decote, de ter crescido em Carcavelos, a estudar em colégios privados faz-me pensar bastante”, começa por explicar à EXAME, em jeito de introdução.
Conhecer o mundo para o mudar
Porque, afinal, foi só quando saiu da sua zona de conforto e descobriu países como o Nepal ou a Índia que se tornou ainda mais claro o seu privilégio. E por isso é que Carolina fala dos ODS a todos com quem se cruza, e não apenas no seu trabalho ou na sua tese. “Se eu não falo, se eu não tenho voz com amor, as coisas não são trazidas para cima da mesa, não são trazidas para os jantares diários. Porque eu opino quando não tenho conhecimento, e argumento quando tenho informação”, atira. Para a gestora, falar todos os dias e com todas as pessoas sobre os assuntos, ajuda a que eles tenham importância. Criada em setembro de 2020, a C-More junta cerca de 20 profissionais de várias áreas que traduzem a importância da sustentabilidade em resultados concretos. O que Carolina pretende é que as empresas deixem de pensar na sustentabilidade como algo que tem de ser “adicionado” a uma empresa, e passem a vê-la como ela é: um conceito que precisa de estar presente em todos os setores e momentos de uma organização, e que tem de ser verbalizado para que possa servir de exemplo ao restante ecossistema.
A Closer, uma tecnológica que já está a trabalhar com a C-More para melhorar o seu desempenho, explicou à EXAME como tem feito este caminho, e o que se tem destacado no processo. “A C-More, em parceria com um escritório de renome português (VdA), está prestar um serviço de consultoria de excelência à Closer, em que, numa primeira fase, pretende identificar o nível de maturidade ESG (Environmental, Social e Governance) da Closer”, revela Fernando Matos, partner da tecnológica. “Após este diagnóstico, ser-nos-á apresentado um conjunto de iniciativas, para que possamos melhorar a nossa estratégia de sustentabilidade e, consequentemente, o nosso índice de maturidade ESG. E muito deste trabalho de melhoria da estratégia de sustentabilidade desenvolvido pela C-More passará por sistematizar e materializar muitas das boas práticas da Closer.” No mesmo sentido, adianta, um dos pontos mais curiosos “desta fase de diagnóstico é o seu processo, pois é feito através de uma triangulação de dados, em que são feitas entrevistas a vários colaboradores, diretores e partners. Mas também a clientes e fornecedores. Consegue-se, desta forma, uma visão interna e externa da perceção da temática da sustentabilidade”, esclarece.
Combater a escravatura dos tempos modernos
Carolina explica que, em muitos casos, o trabalho a fazer é mais fácil do que parece. Muitas vezes, aliás, é uma questão de comunicação e de readaptação de processos. “Imagine, tenho uma empresa que faz um trabalho excecional, mas que não tem nada informatizado em termos de informação. Ninguém sabe que eles têm um cuidado extraordinário com as mulheres, ou com os pais e mães… Se não comunica isso cá para fora, não consegue ser role model, nem consegue captar talento para o qual esses pontos sejam fundamentais”, realça. “Quando falamos em consultoria estratégica e sustentabilidade, falamos sobre ser o mais transparente possível. Por exemplo, em quantas empresas os colaboradores sabem os salários uns dos outros? Isso é algo importante. Porque eu preciso de saber os critérios para a pessoa ganhar mais do que eu. Isso vai ajudar ao desempenho. E acredito mesmo que a transparência é um bónus que todos nós vamos exigir, a médio prazo”, exemplifica. “Portanto, é isto: a C-More vai facilitar as empresas a fazerem negócios de forma consciente e a tratarem as suas pessoas, os seus clientes e fornecedores da melhor forma possível.” Sabendo que o conceito pode parecer, ainda assim, vago, Carolina dá o exemplo da chocolateira Tony’s, que traçou uma estratégia para acabar com a escravatura moderna nas plantações de cacau de onde vinha a sua matéria-prima, tendo comunicado isso a todos os seus consumidores: o chocolate que os seus filhos comem não vem de trabalho infantil.
Uma mensagem impactante, e um problema sério resolvido. O mesmo aconteceu com a Danone, que em parceria com o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus passou a produzir iogurtes cuja dose diária recomendada satisfaz 60% das necessidades das pessoas que estão em situação de fome – o produto é uma das iniciativas da Grameen Danone Foods, um projeto social que, desde 2006, tenta combater a desnutrição no mundo. “E sim, isto dá dinheiro”, salienta Carolina, assumindo também que só colocando os ganhos em cima da mesa se capta a atenção das empresas e dos mercados. Recorde-se que um relatório da Comissão Mundial sobre a Economia e o Clima (CMEC) da ONU dava conta de que, se forem tomadas as medidas certas em prol da sustentabilidade ambiental, os ganhos para a economia mundial podem superar os 26 biliões de dólares até 2030, o ano em que se espera conseguir travar o aquecimento global em “apenas” dois graus Celsius. Mas, recorda Carolina, a sustentabilidade não é só medida no ambiente, mas também na eficiência dos projetos e dos funcionários de uma organização. “A maioria das pessoas não sabe o que é sustentabilidade. A partir do momento em que tenho uma empresa e perco talento e eficiência, portanto pessoas, para outra, ela já não é sustentável”, nota.
“A capacidade que eu tenho de ter para olhar para os meus negócios de forma sistémica, para perceber que as coisas estão mesmo todas interligadas, e de começar a sistematizar esta informação vai ter um impacto positivo. Que pode ser traduzido em quê? Reputação, capital relacional e, no final, em faturação”, resume. “Se tenho uma empresa, tenho de ouvir o meu cliente, mas também os meu pares, perceber as tendências nacionais, europeias e mundiais. O mundo é global, a internet é para todos, e eu sei que há tendências que vou ter de cumprir. Uma delas é a Agenda 2030 da ONU, que determina os Objetivos para um Desenvolvimento Sustentável”, avisa. Porque se não, alerta, perde-se não apenas o barco da evolução mas arrisca-se também a perder os consumidores, cada vez mais conscientes e comprometidos com um futuro mais eficiente e sustentado.
E como não há melhor forma para liderar do que dando o exemplo, Carolina quer pôr a administração pública neste caminho. Revela que a C-More já está a ajudar um município do País e, apesar de não poder revelar qual é, a EXAME falou com o parceiro com quem está a traçar a estratégia para o levar mais longe. À EXAME, Ricardo António, responsável pela Born Ethical, realçou que gostaria de ver vários objetivos do ODS cumpridos por Portugal, no médio prazo, mas escolheu dois a nosso pedido: “Atingir a igualdade de género e diminuir as desigualdades. A mudança vai fazer-se com uma liderança e uma inspiração matriarcais. O papel da mulher na sociedade é a todos os níveis fundamental (a profissional, a educadora, a mãe, a ativista, etc.) e enquanto não forem atingidos os níveis de igualdade de género que permitam que a mulher assuma o seu papel transformador sem entraves e barreiras criadas pelo homem, não será possível atingir a mudança plena no caminho da sustentabilidade”, justifica. “Este ponto é particularmente importante num momento em que se prevê que os condicionamentos criados pela pandemia possam fazer recuar os níveis de desigualdade de género para os valores vividos nos anos 70/80”, recorda o gestor.
“A diminuição das desigualdades é um ponto cujo valor e relevo é tão básico que não é necessária uma grande argumentação para o defender”, resume. E lembra que “a influência dos organismos públicos é vital”, apontando a criação de “condições para a inovação e transição para modelos verdes de competitividade e operação” através de linhas de apoio como um caminho fundamental. E, “tão importante quanto este, o engagement da sociedade em torno deste movimento. Só tendo uma base de apoio que agregue empresas, academia, instituições e a grande maioria dos cidadãos é que estas mudanças poderão ser realizadas”, esclarece.Para Ricardo, o trabalho que Carolina Almeida Cruz tem feito neste sentido destaca-se sobretudo pela sua forma de olhar o mundo, e pela “carga de humanidade” que para eles transporta. “Se a esta fantástica forma de estar na vida juntarmos a solidez de conhecimentos, a constante sede de saber, a humildade de reconhecer e procurar quando não sabe, a excelente capacidade de trabalhar em equipa e a capacidade de agregar pessoas de valor à sua volta, encontramos na Carolina um ser humano que realmente percebeu qual o seu papel nesta passagem pelo planeta Terra”, resume.
Para a empresária, no entanto, este caminho é simplesmente “a ervilha“ que escolheu no seu “prato de ervilhas com ovos escalfados”, diz com uma gargalhada. Que é como quem diz, o caminho que descobriu ser o seu. E a única coisa de que gostaria muito, revela, é que daqui a cinco anos a C-More já não fosse necessária, e que todas as organizações tivessem encontrado o seu caminho para a sustentabilidade.