Pelo menos dois sindicatos da TAP acusaram a companhia de estar a fazer “assédio” a trabalhadores por causa das convocatórias dos recursos humanos para discutirem a aceitação de medidas voluntárias no âmbito do emagrecimento da empresa. O sindicato dos pilotos diz mesmo que o “stress” criado nos profissionais põe em risco a segurança da operação.
Num comunicado enviado esta quinta-feira às redações, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) acusa a TAP de estar a enviar convocatórias para essas reuniões a um ritmo diário, “gerando ansiedade, mal-estar e aflição em todos os pilotos.” Segundo o SPAC, o stress “laboral e mental” causado pela incerteza associada à situação, “configura um cenário muito grave de segurança de voo”, já que os pilotos não sabem “se quando chegarem do próximo voo terão uma notificação a convocar para uma reunião onde serão ‘convidados’ a aceitar medidas voluntárias para saída da empresa.”
Os recursos humanos da TAP começaram a convocar na segunda-feira passada os trabalhadores selecionados para as medidas de adesão voluntárias, “que, alegadamente, se enquadram nos critérios de seleção para um despedimento coletivo”, segundo carta do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) revelada pela Lusa. A agência citava ainda uma dessas convocatórias, na qual a companhia aérea referia que este processo é “absolutamente essencial para um futuro viável e sustentável da TAP”.
Desde o arranque do programa voluntário de medidas laborais (que deverá terminar em meados de maio) a TAP registou 791 adesões, que representaram um redimensionamento de 730 postos de trabalho, anunciou esta quinta-feira a companhia em comunicado à CMVM. Mas na véspera, esta quarta-feira, em entrevista à RTP, o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Hugo Santos Mendes, já reconhecera haver necessidade “de a TAP ter mais saídas, entre 400 e 500”. E defendeu que não são só os trabalhadores que estão pressionados: “Na verdade a empresa também está entre a espada e a parede. Este é um processo que é muito doloroso desde o início.”
As medidas voluntárias incluem rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas, pré-reformas ou a opção de transferência para a Portugália, onde se registaram 49 candidaturas. Em caso de não aceitação das soluções voluntárias propostas, o despedimento coletivo poderá ser a única saída para a redução de custos da empresa.
O SPAC, que fala de “pressão psicológica intolerável” e de “clima laboral de assédio completamente inaceitável”, admite “grande preocupação” com a situação, “podendo a segurança de voo ser posta em causa com este tipo de tratamento e postura dos RH”. Esta semana o presidente do SITAVA, José Sousa, em declarações à RTP, também já tinha feito acusações semelhantes às do SPAC: “Este despedimento coletivo que se inicia hoje [quarta-feira], com pressão sobre os trabalhadores, configura até uma atitude de assédio, de tentar levar as pessoas a aceitar propostas que elas não querem.”
À EXAME, um tripulante que pediu para não ser identificado queixa-se do mesmo tratamento, que classifica de “tortura completa” num processo que “não tem prazo à vista”: “Todos os dias enviam mensagens. Ficamos num estado de nervos, a ter de ir trabalhar e voar e estar sempre a olhar para o e-mail”. A EXAME tentou falar com o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, mas até ao momento não foi possível.
“Estamos conscientes da incerteza que esta fase do plano de reestruturação gera, processo complexo e exigente que nos foi imposto pelo contexto da pandemia. Por isso mesmo, o plano de restruturação tem sido coordenado com todas as áreas da Companhia, em concreto com a Safety e com as Operações, mantendo, deste modo, especial foco na Segurança, transversal a toda a empresa,” garante fonte da TAP em resposta por e-mail a questões colocadas pela EXAME. “A Segurança é a maior prioridade da TAP, um valor fundamental, assim tem sido ao longo de 76 anos e assim continuará a ser,” acrescenta.
O plano de reestruturação da companhia foi apresentado a 10 de dezembro em Bruxelas e as negociações com a Comissão Europeia deverão estar concluídas “brevemente”, anunciou hoje a TAP em comunicado. Inicialmente o plano previa revê o despedimento de 500 pilotos, 750 tripulantes de cabine, 450 trabalhadores da manutenção e engenharia e 250 das restantes áreas, além da redução de 25% da massa salarial do grupo (30% no caso dos órgãos sociais) e da frota, de 108 para 88 aeronaves. Até 2024, espera-se que a TAP, onde já foram injetados 1.200 milhões de euros, receba entre 3.414 milhões de euros e 3.725 milhões de euros.
No ano passado, a empresa registou prejuízos de 1.230,3 milhões de euros, um agravamento em 13 vezes superior aos resultados líquidos negativos verificados em 2019. Os efeitos da Covid-19 fizeram cair em 72,7% o número de passageiros transportados e perder 67,9% dos rendimentos operacionais, para 1.060,2 milhões.
Notícia atualizada às 10:56 de 23 de abril, com declarações de fonte da TAP