A época 2019/2020 foi de dificuldades para o futebol mundial e os clubes portugueses não escaparam à pressão provocada pela crise pandémica. O choque súbito da crise de Covid-19, que obrigou à paragem do campeonato, levou a uma quebra significativa das receitas. E, na vertente financeira, os clubes não tiveram tempo nem margem para reduzir os custos de forma a amortecer o impacto. Resultado: um prejuízo agregado de 55 milhões de euros dos 18 clubes da Liga NOS, com oito das 18 sociedades desportivas a terminar a época com as contas no vermelho, segundo um estudo divulgado esta quinta-feira.
O estudo da EY estima um impacto de 494 milhões do futebol profissional no PIB, gerando 0,26% da riqueza nacional.
Neste ano de crise, o desporto-rei baixou também o contributo para o PIB português. “É o resultado de uma época atípica, marcada pela crise pandémica, cujos impactos foram vários”, explica Miguel Farinha, no Anuário do Futebol Profissional Português, relatório que foi preparado pela EY numa parceria com a Liga Portugal. O partner e líder de Strategy and Transactions da consultora explica que “a paragem da Liga NOS a 10 jornadas do seu término, assim como a suspensão da LigaPro na mesma altura, impactou significativamente não só a situação financeira das Sociedades Desportivas, mas também o modelo competitivo”.
O responsável da EY sublinha ainda que “de forma transversal às várias Sociedades Desportivas, a redução das receitas de bilhética e de transferências evidenciaram a importância das receitas audiovisuais. Neste contexto, a centralização dos direitos audiovisuais assume particular destaque”. Neste campo, Miguel Farinha considera que “a aprovação do Decreto-Lei que determina a comercialização centralizada dos direitos audiovisuais nas ligas profissionais até 2028-29 é o pontapé de saída da transição para um modelo de negócio mais próximo do das principais ligas europeias”.
O estudo estima que o futebol profissional tenha dado “uma contribuição total de 494 milhões de euros para o PIB português”,. O valor representa “uma diminuição de 10% face ao quadro competitivo anterior”, em que o efeito tinha sido de 549 milhões de euros. Ainda assim, o relatório estima em 0,26% o impacto do futebol na riqueza nacional, isto sem incluir os impactos indiretos e induzidos do desporto-rei na economia nacional.
Apesar do menor contributo para a economia, houve um aumento do emprego na indústria do futebol. O relatório indica um acréscimo de 20% no número de postos de trabalho: “A Liga Portugal e as Sociedades Desportivas da Liga NOS e da LigaPro foram responsáveis diretamente por mais de 3 163 postos de trabalho. O aumento verificado face à época passada é em grande parte justificado pelo aumento dos funcionários e jogadores da Liga NOS”.
Receitas tombam 11% para 734 milhões de euros
A pandemia que condicionou a reta final da época passada levou 11% das receitas dos clubes face à temporada anterior. Caíram de 827 milhões para 734 milhões de euros, segundo o estudo preparado pela EY. Apesar dessa quebra, os rendimentos obtidos na época transata até foram superiores aos conseguidos em 2016/2017 e 2017/2018, muito à conta dos encaixes com transações de atletas.
Na época passada, os clubes portugueses encaixaram 510 milhões de euros com a saída de jogadores, valor impulsionado pela transferência de João Félix do Benfica para o Atlético de Madrid por 127 milhões de euros. Já do lado das entradas de jogadores, o valor investido pelos emblemas do futebol português situou-se em 174 milhões de euros. “Na época 2019/20, contudo, o agravamento da situação financeira das Sociedades Desportivas aconteceu apesar da estabilização das receitas com a transferência de atletas, efeito indissociável do impacto da crise pandémica”.
Benfica, Porto e Sporting continuam a ser os responsáveis por maior parte das receitas geradas pelos clubes da Liga NOS. “Os três grandes continuam a representar 72% das receitas da competição”, revela o estudo. Já os clubes mais modestos estão dependentes sobretudo das receitas televisivas. “A importância dos direitos televisivos como fonte de receita é evidente. Destaca-se, esta época, o impacto dos direitos televisivos para as Sociedade Desportivas entre o 7.º e 18.º lugares da tabela classificativa, cujo peso é quase metade das receitas totais”.
Salários absorvem quase 70% da receita
Um dos indicadores utilizados para perceber se a atividade do futebol é ou não sustentável é o peso da massa salarial no total das receitas. E esse rácio agravou-se na temporada passada. “Na época desportiva 2019-20, a diminuição da receita total, impactada pelos efeitos da pandemia e pela ausência de algumas Sociedades Desportivas das competições internacionais, traduziu-se num maior peso da massa salarial sobre a receita, apesar da relativa estabilidade dos gastos com pessoal neste período”, refere o relatório.
Os gastos com pessoal pesam 45% dos custos dos clubes do principal escalão dos relvados nacionais. Tiveram uma descida ligeira de 341 milhões para 335 milhões de euros na época passada. No entanto, houve um aumento dos gastos em fornecimentos, serviços externos e transações de atletas, o que impediu uma quebra dos custos totais dos emblemas da Liga NOS. Tiveram um aumento ligeiro de 740 milhões para 741 milhões de euros. A grande fatia tem origem nos três grandes. “Continuam a representar 75% dos gastos da competição”, revela o estudo.
Ainda assim, a tendência dos últimos anos tem sido de aumento de custos. Engordaram quase 30% desde a temporada de 2016/2017 e deixaram os clubes mais vulneráveis a choques na capacidade de gerarem receitas.
Ativo desce mais rápido que o passivo
Outra das conclusões do Anuário do Futebol Profissional Português é que o ativo dos clubes da Liga NOS está a descer a um ritmo mais baixo que o passivo. “O total do ativo das Sociedades Desportivas da Liga NOS foi 1.259 milhões de euros, uma diminuição de 5% face à temporada passada”, revela o relatório.
Já o passivo teve uma redução de apenas 0,3% para 1.280 milhões de euros. “Os empréstimos bancários destacaram-se como principal fonte de financiamento com cerca de 339 milhões de euros, o que representa um peso de 27% no total do passivo. Os empréstimos obrigacionistas constituíram uma fonte de financiamento alternativa para as Sociedades Desportivas, com cerca de 184 milhões de euros, cerca de 15% do passivo”, indica o estudo.
Cerca de um quinto do passivo (o equivalente a 251 milhões de euros) deve-se a dívidas as fornecedores e há mais 228 milhões de euros relativos a outras contas a pagar.