Os especialistas continuam a acreditar que a educação e um acompanhamento adequado são a forma mais eficaz de dar poder às mulheres, e é precisamente com essa convicção que nasceu, em 2013, a Girl Move Academy. Um projeto que teve em Nampula, Moçambique, o seu berço, e que rapidamente se expandiu. A trabalhar em estreita colaboração com várias empresas portuguesas, já formaram mais de mil raparigas e mulheres moçambicanas, que estão prontas para mudar a sua realidade e, porque não, aquela a que o mundo está habituado?
Para assinalar o Dia Internacional da Mulher 2021, a Girl Move Academy decidiu apresentar o documentário Women of Impact – Mulheres Changemakers em Moçambique, de que a EXAME já tinha falado na Girl Talk de fevereiro e que pode ver aqui na íntegra.
Este foi o projeto que a EXAME escolheu destacar este ano, no Dia Internacional da Mulher, porque são precisas iniciativas que trabalhem estes números todos os dias, e não apenas em datas específicas. E a Girl Move Academy tem sido um dos maiores exemplos na luta contra a desigualdade de género e na promoção da educação.
Em conversa com a EXAME, Mara Santos, Stakeholder Engager da Girl Move Academy, explicou como nasceu a ideia deste documentário, e como as alunas da academia já estão a mudar as suas comunidades.
Porque surgiu, agora, o documentário sobre a Girl Move Academy?
O documentário Women of Impact – Mulheres Changemakers em Moçambique que movem e inspiram o Mundo – foi desenvolvido ao longo do ano passado como forma de comunicar o impacto dos programas da Girl MOVE Academy na voz da nossas Alumni. Ao partilharmos as suas histórias, inspiramos e amplificamos as suas causas e talento. E inspiramos outras a replicarem esse movimento. O Dia Internacional da Mulher surge como momento simbólico de lançamento do documentário para celebrarmos precisamente o talento, diversidade, resiliência e garra das Mulheres que todos os dias enfrentam a adversidade e miséria e desafiam a sorte ou as estatísticas para lutarem por um mundo onde todas as mulheres têm oportunidade de estudar, têm a liberdade de decidir o seu papel na sociedade e a confiança para serem voz ativa e transformadora nos atuais desafios do mundo. O documentário é só um primeiro passo nesse sentido.
Para o que querem alertar com ele? Que mensagem querem passar?
Este documentário mostra onde e o quê que algumas das nossas Alumni estão a fazer depois de terem passado pelo programa CHANGE, na nossa Academia. As personagens principais são obviamente jovens mulheres moçambicanas com percursos e ambições muito distintas mas que guardam nelas o mesmo sonho e vontade: Todas elas querem mudar o mundo, a partir do seu país, Moçambique. Quanto à mensagem, as vozes destas raparigas falam por si. Mas, tudo começa por um princípio base: é através da educação e da mudança sistémica e intergeracional que o mundo muda. Só assim é que é possível quebrar ciclos de pobreza e traçar um futuro para que estas raparigas e mulheres possam atingir todo o seu potencial e se tornem parte da próxima geração de líderes no seu país, em África e no mundo.
Acreditamos que estas mulheres fazem parte da cara da mudança e que são elas que vão transformar o Mundo mas queremos chegar obviamente a muitas mais. Por isso, no dia Internacional da Mulher e num ano em que a educação de raparigas e o empoderamento da mulher assumem um papel prioritário no desenvolvimento estratégico de diversas entidades a nível global, queremos ser exemplo e referência deste caminho. Ao partilharmos as suas histórias, estamos a amplificar as suas causas e vozes e a inspirar milhões de raparigas e mulheres que vivem em contextos de maior vulnerabilidade e que sonham com uma oportunidade para ser e fazer melhor.
Relembramos as palavras do Secretário Geral da Nações Unidas “I urge governments to put women and girls at the center of their efforts to recover from COVID-19.That starts with women as leaders, with equal representation and decision-making power.” António Guterres (https://www.un.org/en/un-coronavirus-communications-team/put-women-and-girls-centre-efforts-recover-covid-19)
Quantas Girl Movers passaram pela Academia, até agora?
Todos os anos, passam cerca de 1300 Girls (raparigas e jovens mulheres) pela nossa Academia, em Nampula. Em 6 edições de programas CHANGE já formamos 168 Girl Movers. E só no último ano recebemos mais de 1700 candidaturas.
Quais os maiores desafios em formar mulheres que vêm de contextos sociais e económicos tão adversos? E que características têm elas que as destacam?
Os maiores desafios estão relacionados com a rigidez de mentalidades e a dificuldade em gerar oportunidades, tendo em conta que os nossos programas se dirigem a raparigas e jovens mulheres que estão em fases de desenvolvimento muito especificas e com desafios muito próprios.
a) Na adolescência, fase de transição de ensino primário para secundário, onde são cerca de 3 milhões as raparigas expostas a riscos de uniões prematuras e gravidezes precoces que contribuem para uma taxa de desistência escolar superior a 60%;
b) Com estudantes pré-universitárias e universitárias- sendo que em Moçambique apenas 1% de jovens raparigas moçambicanas concluem os seus estudos;
c) Com jovens licenciadas e mestradas, que mesmo após terminarem os estudos, sabem que as oportunidades de ocuparem cargos de liderança é muito reduzida.
Todo o processo de transformação pelo que passam na nossa Academia é alavancado e suportado por um modelo de mentoria e sisterhood. Por exemplo, as Girl MOVERS (jovens graduadas dos 20 aos 30 anos) que pelo seu caminho já se destacam, porque ultrapassaram barreiras, porque são ativistas, porque têm forte alinhamento com as suas causas e compromisso com o desenvolvimento do seu país, quando chegam à Academia assumem o papel Mentoras – modelo e figura de referência – para as meninas mais jovens, ao mesmo tempo que desenvolvem bases, têm acesso a ferramentas e metodologias que alavancam o seu potencial de jovens changemakers.
Ao longo de um ano, acompanhamos o seu processo de transformação de jovens ativistas para verdadeiras líderes changemakers, estimulando o seu espírito empreendedor e de liderança pelo serviço. Enquanto Academia, abrimos caminho e facilitamos conexões tanto com equipas e líderes de empresas/ organizações de referência internacional como também com os desafios reais das grassroots communities onde se encontram.
Acreditamos que só assim, tendo acesso a esta intensa experiência de transformação e capacitação para a liderança, é que estas energéticas, talentosas e resilientes jovens estarão mais bem preparadas para promoverem o desenvolvimento que querem para o seu país e para o Mundo.
São demasiados os factos que mostram que ainda falta muito para a igualdade de género. Da vossa experiência, o que tem faltado para uma evolução mais positiva dos números que levam à tão esperada equidade?
Olhamos para o futuro com esperança. Acreditamos que cada vez mais cresce um movimento que valoriza o papel essencial da mulher para fazer face aos desafios do Mundo. Em termos globais, em diversos sectores, são cada vez mais os exemplos de mulheres de referência a assumir com a máxima competência cargos e funções de liderança. Mas é preciso mais! É preciso falar mais sobre o tema, passar de previsões e políticas teóricas para medidas práticas que mudem o panorama da representatividade e equidade.
Assumimos a responsabilidade de junto dos nossos parceiros gerar awareness para este tema e juntos das jovens com quem trabalhamos para capacitá-las com o mindset, confiança, experiência e ferramentas para que se sintam preparadas para assumir esse papel ativo, de liderança na sociedade.
2020 foi um ano particular, que deixou parte das atividades em suspenso. O que têm previsto para 2021? Que programas esperam conseguir relançar?
Na verdade, para nós, 2020 não foi um ano de deixar nada em suspenso, mas sim de profunda reinvenção e superação. Puxamos pela nossa capacidade de resiliência e inovação ao máximo e fomos à procura das oportunidades escondidas. Apostamos no digital e aproveitámos para nos desafiar ainda mais e conectarmo-nos com outras realidades, pessoas e histórias que antes nos pareciam demasiado difíceis de alcançar.
Nenhum dos nossos programas parou. Criámos todas as condições para que as nossas Girls continuassem a ser acompanhadas no terreno, promovendo o empreendedorismo, a liderança e a mentoria entre elas. Co-criámos e testámos LABs em conjunto com empresas parceiras para desenvolver soluções alinhadas com os objectivos de desenvolvimento sustentável que fossem úteis para as comunidades de Moçambique. Pusemos as nossas Girls em contacto com Líderes de referência Global, o que lhes permitiu elevar as suas vozes e causas, mas também receber “shots” de energia e inspiração extra para continuarem a sua missão com a mais resiliência e empatia.
Sentimos que esse é o caminho certo! Por isso, este ano vamos continuar a desafiar-nos para tirarmos o máximo partido das adversidades para nelas encontrarmos novas oportunidades de elevarmos a voz e causas das Girls com quem trabalhamos.
Para terminar, que mensagem deixar para este dia?
Cuidemos mais umas das outras, apesar das diferenças. Sejamos sangue da mesma vontade e colo para unir talentos e causas. Juntas já somos mais fortes mas se quisermos podemos ser a rampa para elevar a humanidade inteira. E isso, depende primeiro de nós e desta nossa natural vontade para unir, cuidar e superar. Por isso, let it blossom.