Os meses de pandemia que puseram à prova os modelos tradicionais de trabalho trouxeram maior flexibilidade e agilidade às empresas e aos trabalhadores, mas criaram desafios ao nível da cultura, da integração e do training, que as organizações ainda estão à procura de superar. No futuro, porém, as transformações da pandemia podem acelerar a inovação e contribuir para uma maior inclusão, através do teletrabalho, com potencial para beneficiar o interior do País.
É desta forma que os responsáveis máximos de três empresas em Portugal – Fidelidade, P&G e ManpowerGroup – veem o trabalho em tempos de pandemia e as transformações que podem vir a ser desencadeadas no futuro. Este tema foi o mote para a primeira mesa redonda que esta segunda-feira, 2 de novembro, deu início ao encontro online “O Futuro do Trabalho”, uma iniciativa da EXAME que vai decorrer durante toda esta semana.
Toda a equipa acha que as coisas correram muito bem e isso resulta em mais motivação. As pessoas estão ainda mais ligadas, dizem-me que estão ainda mais próximas
Cláudia Lourenço, diretora geral P&G Portugal
“Além da flexibilidade [depois da pandemia], vão ficar organizações mais ágeis, e inclusivas. O teletrabalho abre oportunidades que não estavam na agenda, também em termos geográficos. Podemos trabalhar com pessoas que não estavam nos lugares habituais e contribuir para a revitalização do interior de Portugal, por exemplo,” defendeu Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade. Mas se as oportunidades do trabalho remoto para o desenvolvimento regional e para integração de colaboradores com deficiência e uma “maior rapidez na inovação” (como a que espera Cláudia Lourenço, diretora-geral da P&G Portugal) podem tornar-se marcas virtuosas do dia seguinte à crise de saúde pública, o caminho para um modelo misto casa-local de trabalho não está isento de sobressaltos.
“Os propósitos das organizações são hoje o grande desafio para estes modelos mais híbridos de trabalho. Os processos de recrutamento, de seleção e de onboarding são os mais desafiantes,” considerou Rui Teixeira, COO da ManpowerGroup Portugal, grupo que opera na seleção e gestão de recursos humanos. Uma posição secundada por Rogério Campos Henriques, para quem “não se constrói cultura de empresa à distância e não se consegue fazer training da mesma maneira. Temos de caminhar para um modelo mais intermédio,” pediu o responsável.
Não se constrói cultura de empresa à distância e não se consegue fazer training da mesma maneira. Temos de caminhar para um modelo mais intermédio
Rogério Campos henriques, CEO da fidelidade
Durante a sessão, moderada pelo diretor da EXAME, Tiago Freire, os participantes foram unânimes em destacar a rápida capacidade nas suas organizações da adaptação das pessoas e dos processos, nomeadamente ao teletrabalho e à desmaterialização. “Toda a equipa acha que as coisas correram muito bem e isso resulta em mais motivação. As pessoas estão ainda mais ligadas, dizem-me que estão ainda mais próximas,” garantiu Cláudia Lourenço, salientando a aprendizagem que a P&G Portugal fez com a experiência da multinacional em países como China, França e Espanha, atingidos antes pela pandemia.
Uma adaptação que obrigou a trabalhar em várias frentes, garantindo por um lado a segurança e a confiança dos colaboradores, e por outro recorrendo e mobilizando as capacidades digitais. Este ponto que deixou ainda mais exposta uma das necessidades de mão de obra no mercado, segundo Rui Teixeira: “A escassez de talento ficou vincada no pós-pandemia [nas áreas da] digitalização, tecnologia e modelos remotos. Num país como Portugal, com 90% do tecido empresarial em PME, isso traz desafios acrescidos para a economia.”
Se essas áreas tecnológicas e as de saúde e bem estar foram mais requisitadas para ajudar à desmaterialização e aos receios provocados pela doença, por outro lado os meses de confinamento impuseram alterações imediatas aos skills e às perspetivas de emprego que travaram, por exemplo, a procura de áreas como a hotelaria e o turismo, notou o COO da ManpowerGroup Portugal, parceiro da EXAME nesta iniciativa, tal como a Experis.
Para Rogério Campos Henriques, as alterações à forma de trabalhar trouxeram ainda várias surpresas, como a de as organizações terem sido mais rápidas a ajustar-se do que se pensava, de as pessoas se manterem como equipa e de se terem desfeito alguns tabus em partes das empresas, onde havia colaboradores que pensavam que o teletrabalho não poderia ser aplicado à sua função. Não foram, contudo, sempre rosas, recordou:
A escassez de talento ficou vincada no pós-pandemia [nas áreas da] digitalização, tecnologia e modelos remotos. Num país como Portugal, com 90% do tecido empresarial em PME, isso traz desafios acrescidos para a economia
rui teixeira, COO da ManpowerGroup Portugal
“Na altura [do confinamento] dizia em jeito de brincadeira que aquilo não era teletrabalho, era ‘teleconfusão’, cheguei a ver crianças a pular por cima dos pais, era difícil gerir aquela dinâmica,” descreveu o presidente executivo da Fidelidade, salientando que o modelo do trabalho remoto não funciona de forma igual para todos, e que requer em alguns casos muita ajuda e acompanhamento. “Há pessoas com quem se pode sempre contar e quando estiveram em teletrabalho parece que se consegue contar mais com elas, por estarem em casa e disponíveis. Há outras pessoas com quem se pode contar um pouco menos e que, estando em casa, podemos contar menos ainda. Felizmente o primeiro grupo é maior que o segundo,” constatou.
Esta foi a primeira mesa redonda de uma série de debates e reflexões que se realizam esta semana, entre segunda e sexta-feira, 6 de novembro, no âmbito do evento “O Futuro do Trabalho.” Os painéis, que se desenvolvem todos os dias às 11:00 e em alguns dias também às 12:00, podem ser consultados na imagem em baixo.
