Desde segunda-feira que os mercados estão a viver com uma nuvem negra a ensombrar cada sessão, e praticamente todos os setores registam perdas avultadas. Em apenas uma semana, Wall Street já viu as sessões interrompidas duas vezes devido às quedas abruptas dos mercados, com o COVID-19 a pesar no sentimento dos investidores e a provocar um sell-off que há muito tempo não era visto nos mercados mundiais.
E se o setor da aviação já estava a ser fortemente penalizado devido ao isolamento de várias regiões do globo e aos avisos da Organização Mundial de Saúde para que as viagens fossem reduzidas ao essencial, Donald Trump colocou esta quarta-feira, dia 11 de março, a cereja no topo de um bolo que é tudo menos doce: todas as viagens entre os EUA e a Europa estão proibidas durante 30 dias – exceto em caso de regresso a casa de cidadãos norte-americanos.
TAP pode sucumbir
Na reação, as ações de empresas como a Delta e a United Airlines caíram em torno de 10%. Daniel Roeska, analista do Bernstein, referia à Reuters que estas duas companhias e a Lufthansa deverão ser as principais afetadas por esta medida, uma vez que são quem detém a maior parte do mercado transatlântico. Este é o analista que há uns dias referiu à mesma agência noticiosa que transportadoras aéreas de média dimensão como a TAP, a Alitalia e a SAS, que “não estão muito bem em termos de alavancagem financeira”, poderão sucumbir com esta crise.
Todas estas empresas já tomaram medidas para tentar conter os prejuízos que são, agora, mais do que certos: reduziram rotas, cancelaram voos proactivamente, implementaram lay-offs temporários ou congelamento de contratações. Questionada pela EXAME sobre estas previsões, fonte oficial da TAP afirmou apenas que “a TAP tem implementado com sucesso o seu plano de transformação após a privatização tendo uma base sólida de acionistas: Estado português, David Neeleman e Humberto Pedrosa”. No mesmo sentido, afirmou a mesma fonte em declarações por email, a “TAP tem diversificado as suas receitas e a sua base de clientes (em 2019 o mercado da América do Norte representou 14% do total de receitas de passagens, mais do dobro do peso de 2015), investido em aeronaves mais eficientes (no final de 2019 contava já com 36 aeronaves NEO de nova geração, das quais 30 entraram em operação em 2019, tendo 45% das horas de voos de dezembro de 2019 sido realizadas por aviões NEO) e reduzido em 9% os seus custos operacionais unitários CASK face a 2018, colocando a TAP entre os mais baixos da indústria”.
“Em 2019 verificou-se um alongamento do prazo médio da dívida financeira e o ano foi fechado com a melhor posição de caixa de sempre. Já em 2020 com a recente renegociação e extensão do prazo de dívida, a TAP reduziu em cerca de 70% o montante de dívida a amortizar em 2020, permitindo uma melhor gestão da sua posição de tesouraria”, conclui a mesma fonte, sinalizando que a empresa está preparada para tentar resistir.
A companhia aérea já tinha anunciado o cancelamento de 3 500 voos desde o início da crise provocada pelo COVID – 19, mas o cenário voltou a agravar-se esta semana, com a decisão unilateral dos EUA de proibir os voos entre a Europa e a maior economia do mundo durante 30 dias. Para a TAP, o impacto é direto em 196 voos que a empresa oferece mensalmente para aquele país, um dos principais mercados da empresa, e que foi responsável por cerca de 14% das suas receitas no ano passado. As restantes consequências e eventuais estratégias estão ainda a ser avaliadas pelos responsáveis da empresa.
Recorde-se que a companhia aérea nacional tem enfrentado dificuldades financeiras nos últimos anos, e sobretudo após o confuso processo de privatização e ‘desprivatização’ com que foi confrontada. A TAP registou um prejuízo de 105,6 milhões de euros no ano passado, um valor que compara com um resultado também negativo em 2018 de 118 milhões de euros.
Investidores não perdoam
Às perdas diretas com cancelamentos de voos, alterações de viagens, quebra na procura e não comparecimentos, juntam-se ainda, para muitas destas companhias, as avultadas quedas em bolsa. O índice que agrega as companhias aéreas europeias, o MSCI European, já perdeu mais de 30% do seu valor desde o início do ano. A Norwegian Airlines, por exemplo, já perdeu praticamente 80% do seu valor em bolsa, enquanto a Air France e a SAS registavam desvalorizações superiores a 50%.
Entretanto, a Associação Internacional de Transportes do Ar (IATA na sigla em inglês) estimava perdas na ordem dos 113 mil milhões de dólares, em termos globais – um valor semelhante ao registado aquando da crise financeira de 2008 – para o setor da aviação. Na Europa, e excluindo Alemanha, França e Itália, os prejuízos estavam estimados na ordem do 9 mil milhões. Esses valores deverão agora sofrer um significativo agravamento, com esta decisão dos EUA.