Os receios em torno da disseminação do coronavírus, depois do surgimento de novos casos na Coreia do Sul, Espanha e Itália e de as autoridades norte-americanas terem admitido que o surto se possa tornar uma pandemia, continuam a fazer mossa na economia internacional. Para já, os efeitos continuam a sentir-se nas bolsas e no petróleo, mas sucedem-se as empresas que temem efeitos prolongados.
As cotadas na bolsa portuguesa continuam a perder valor (mais de 1%) e registam hoje a quinta sessão consecutiva de perdas. O sentimento acompanha as descidas nas ações europeias, que descem mais de 2% nos principais índices. Já a madrugada tinha sido de novas quedas para as bolsas asiáticas, que caíram entre 1,28% (Coreia do Sul) e 3% (bolsa chinesa de Shenzen), depois de também ontem os índices norte-americanos terem perdido na ordem dos 3%. Em dois dias, segundo a CNBC, as descidas retiraram 1,7 biliões de dólares (€1,56 biliões) em valor às ações dos EUA.
É tempo de baixar o tom, precisamos de travar o pânico
Giuseppe Conte, PRIMEIRO-MINISTRO de itália
O petróleo também continua a ser penalizado e o preço por barril cai pela quarta sessão seguida em Londres, para o valor mais baixo em três semanas, enquanto em Nova Iorque já cota abaixo dos 50 dólares. A beneficiar do estatuto de ativo de refúgio, o ouro continua a valorizar e permanece em máximos de sete anos.
A Itália, que é a terceira maior economia da Zona Euro, é neste momento o país europeu com mais casos do novo vírus. As regiões do país mais afetadas respondem por 12% do PIB italiano e 2% do da eurozona, segundo o jornal La Repubblica. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, apelou, entretanto, à calma no país que já conta 11 mortes e 325 casos confirmados de contágio pelo vírus e mais de uma dezena de cidades afetadas e sujeitas a medidas de emergência. “É tempo de baixar o tom, precisamos de travar o pânico,” disse, citado pelo mesmo jornal italiano.
Impacto nas empresas
Um dos maiores fabricantes europeus de automóveis, a PSA (dona da Peugeot e da Citroen e que tem em curso um processo de fusão com a italiana Fiat Chrysler), admitiu hoje também que o surto cria um “grande risco para toda a indústria” e embora garanta que todas as fábricas continuam a trabalhar, reconhece que o grupo tem estado concentrado em resolver todas as questões logísticas.
Na China, onde o surto se iniciou, os fabricantes de produtos eletrónicos estimaram que as entregas de produtos possam vir a sofrer atrasos de cinco semanas devido às interrupções das cadeias de fornecimento. Empresas ligadas à eletrónica de consumo, como a Apple ou a HP, reviram já em baixa as suas perspetivas financeiras para os próximos meses. E no turismo e na indústria das viagens também continuam a somar-se os impactos. Hoje a Royal Caribbean anunciou o cancelamento de 30 cruzeiros no sudeste asiático.
Em Hong Kong, onde o efeito do coronavírus veio juntar-se ao impacto negativo das manifestações dos últimos meses nas ruas do território, o governo anunciou esforços de 120 mil milhões de dólares de Hong Kong (€14 mil milhões) para apoiar a economia. Entre as medidas orçamentais adotadas, que colocam o défice num máximo histórico, está a atribuição de 10 mil dólares de Hong Kong (€1.180) a cada um dos sete milhões de cidadãos maiores de 18 anos.
China sob o foco
O desempenho da China, que é também a segunda maior economia do mundo, concentra grande parte da atenção dos investidores. Justin Onuekwusi, da Legal & General Investment Management (LGIM), disse à Reuters que há 90% de probabilidade de que a economia de Pequim cresça menos do que 5% se o vírus continuar a interromper a atividade. Segundo os dados do Banco Mundial, é preciso recuar 30 anos, a 1990, para encontrar uma taxa de crescimento abaixo dos 5% na China. “Esse seria o ponto de viragem. A questão, então, será se o crescimento da economia mundial ficaria abaixo dos 2%,” acrescentou Onuekwusi.
Pandemia: “Já não é tanto uma questão de vir a acontecer, mas mais uma questão de quando é que acontecerá”
Anne Schuchat , adjunta principal dos Centers for Disease Control and Prevention dos EUA (CDC)
O Fundo Monetário Internacional reviu recentemente em baixa as previsões de crescimento para a China, colocando-as em 5,6%, e antevê que o surto possa retirar 0,1 pontos percentuais à taxa de crescimento mundial. Ontem a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, avisou os países para não exagerarem nas reações à ameaça do vírus e pediu aos governos que tomem medidas “proporcionadas” para evitar danos às suas economias.
Os números mais recentes apontam para que existam 78.064 casos confirmados na China, país onde já morreram 2.715 pessoas. Fora da China, o Irão é o país mais afetado no que diz respeito a vítimas mortais: 15, segundo o balanço desta terça-feira. “Já não é tanto uma questão de vir a acontecer, mas mais uma questão de quando é que acontecerá,” considerou Anne Schuchat, responsável do CDC, agência nacional de proteção de saúde dos EUA, sobre a possibilidade de uma pandemia, ou seja, a disseminação global inesperada de uma nova doença para a qual as pessoas não desenvolveram imunidade. Ontem outro departamento de saúde norte-americano, o DHHS, estimou que os primeiros ensaios em humanos para uma vacina contra o coronavírus deverão começar em seis semanas.