O castelo de cartas da empresária angolana continua a cair, com estrondo e sem pausas: as contas bancárias que Isabel dos Santos tem em Portugal terão sido congeladas, numa operação ordenada pelas autoridades nacionais. Contactada pela VISÃO, fonte oficial da empresária não quis comentar.Já a Procuradoria-Geral da República confirmou por e-mail que “o Ministério Público requereu o arresto de contas bancárias, no âmbito de pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas.”
Recorde-se que desde o final do ano passado que Isabel dos Santos está no olho do furacão, depois de ter sido tornado público que a filha do antigo Presidente da República de Angola está a ser investigada naquele país por suspeitas de gestão danosa e evasão fiscal. O processo, que decorre no Tribunal Provincial de Luanda, foi revelado pelo Jornal Económico no dia 30 de dezembro de 2019, e as acusações de imediato rejeitadas por Isabel dos Santos.
Os bens e participações que a empresária e o marido, Sindika Dokolo, detêm em Angola foram arrestados, numa altura em que as autoridades angolanas a acusam de ter lesado o Estado em mais de mil milhões de dólares, em negócios que envolvem a petrolífera Sonangol – a determinada altura presidida por Isabel dos Santos.
Entretanto, em Portugal, e tal como a VISÃO avançou no mês passado, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) investigou não uma, mas duas operações bancárias relacionadas com a empresária e decidiu barrá-las, com o aval de um juiz de instrução, por fortes suspeitas de branqueamento de capitais. Ambas deram origem a dois inquéritos distintos que estão a decorrer no departamento do Ministério Público responsável pelas investigações da criminalidade mais complexa.
Sensivelmente na mesma altura em que o procurador Rosário Teixeira travou uma transferência de €10 milhões de Isabel dos Santos para a Rússia, outro elemento da equipa do DCIAP que investiga os alertas de branqueamento lançados pelas instituições bancárias suspendeu uma transferência de €1,2 milhões para um país do Médio Oriente. Ao que a VISÃO apurou, essa operação estava a ser feita a partir de uma sociedade que o Ministério Público julga atuar como testa de ferro da angolana, que em Portugal é acionista de empresas como a Galp e a NOS ou de bancos como o EuroBic.
Uns dias depois, uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas (ICIJ) revelou esquemas financeiros de desvio de dinheiro público para Isabel dos Santos. As notícias trouxeram pormenores sobre como Isabel dos Santos terá desfalcado o património angolano, beneficiando de oportunidades extraordinárias antes de o seu pai abandonar a Presidência, em setembro de 2017. O Luanda Leaks assenta numa revelação de mais de 715 mil ficheiros (emails, extratos bancários, contratos e documentos vários) partilhada com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, pelo PPLAAF, uma associação que apoia whistleblowers em África.
O bloqueio das contas de Isabel dos Santos em Portugal acontece numa altura em que a empresária se esforça para se desfazer das várias participações financeiras que detém em empresas nacionais. O cerco tem estado a apertar-se, mas ao longo das semanas Isabel dos Santos foi dando entrevistas e publicando desmentidos nas redes sociais, garantindo que não tem nada a esconder.
A queda de um império
A investigação levada a cabo pelo ICIJ dava conta de que o EuroBic seria o banco que facilitaria os esquemas financeiros de Isabel dos Santos. Entre as alegações estão a de que foi feita uma transferência de €57,3 milhões da conta da Sonangol para uma empresa no Dubai que seria detida por pessoas de confiança da filha do antigo presidente de Angola, horas depois de Isabel dos Santos ter sido exonerada da liderança daquela petrolífera estatal.
Logo no dia seguinte às notícias libertadas pelo consórcio de jornalistas, o Banco de Portugal fez um comunicado a pedir mais informações ao banco liderado por Teixeira dos Santos sobre a forma como cumpriu com as regras em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. O supervisor assegurou que estas informações seriam tidas em conta na avaliação da idoneidade de acionistas e administradores.
Poucos dias depois, o EuroBic emitiu um comunicado a indicar que “a Eng.ª Isabel dos Santos tomou a decisão de saída da estrutura acionista do EuroBic”. Na sequência, o espanhol Abanca chegou a acordo para comprar 95% do capital da instituição financeira.
No mesmo sentido, Isabel dos Santos também está de saída da Efacec, que foi um dos investimentos mais emblemáticos em Portugal. “A Engª Isabel dos Santos informou o Conselho de Administração que decidiu sair da estrutura acionista da Efacec Power Solutions, com efeitos definitivos”, informou esta sexta-feira em comunicado a empresa liderada por Ângelo Ramalho. Na sequência dessa decisão, Mário Leite da Silva e Jorge Brito Pereira, que representavam Isabel dos Santos na empresa na presidência do conselho de administração e da assembleia geral, também renunciaram ao cargo.
Isabel dos Santos tinha entrado em 2015 no capital da empresa portuguesa por 200 milhões de euros. Detém 67,2% da empresa, tendo comprado parte das posições do Grupo Mello e da Têxtil Manuel Gonçalves na empresa.
Indefinição na NOS
Isabel dos Santos tem também uma presença relevante no setor português de telecomunicações. Detém, a meias com a Sonaecom, a Zopt, uma entidade que é dona de 52,14% da NOS. Os administradores de confiança da empresária apresentaram a sua demissão após o conselho de administração os ter chamado, segundo o Jornal de Negócios, para serem ouvidos pelas comissão de governance e ética. A operadora comunicou que o “Dr. Jorge de Brito Pereira, Dr. Mário Filipe Moreira Leite da Silva e Dra. Paula Cristina Neves Oliveira apresentaram ao Conselho Fiscal, as respetivas renúncias aos cargos de membros não executivos do Conselho de Administração desta sociedade”.
Apesar dessas saídas e da venda das participações noutras empresas, até ao momento não se sabe o destino que terá a participação de Isabel dos Santos na Zopt. A Sonae afirmou estar a acompanhar “com atenção e preocupação” as notícias referentes ao designado “Luanda Leaks”.
Sem Sonangol, Galp fica mais longe
Outra das jóias da coroa de Isabel dos Santos em Portugal é a Galp. A empresária é dona de 40% da Esperaza Holding, entidade que detém 45% da Amorim Energia que, por sua vez, é dona de 33,34% da petrolífera portuguesa. Simplificando, a filha do antigo presidente tem uma participação indireta de cerca de 6% na cotada portuguesa. Mas o poder da empresária angolana na Galp já foi maior. Perdeu influência após ser exonerada da Sonangol no final de 2017. A petrolífera estatal angolana (que detém os outros 60% da Esperaza) aliou-se à família Amorim para definirem a estratégia do grupo e retirarem poder de decisão a Isabel dos Santos.
As suspeitas sobre a forma como Isabel dos Santos foi financiada pela Sonangol para a constituição da Esperaza para o investimento na Galp em 2005 foi um dos motivos que originaram o arresto de bens da empresária em Angola. As alegações são de que tenha beneficiado de um empréstimo da petrolífera que não foi devolvido nos termos acordados.