A explosão de turismo que Portugal sentiu nos últimos anos não vai acabar tão cedo. Embora a tendência seja de abrandamento, o crescimento continuará a um ritmo forte. No seu mais recente Boletim Económico, o Banco de Portugal conclui que, quando nos comparamos com países concorrentes, verificamos que o setor tem ainda margem de progressão.
O turismo tem crescido mais de 10% ao ano desde 2014 e o seu peso na economia nacional saltou de cerca de 4% do PIB antes da crise para mais de 8% em 2018. Em 2021, deverá chegar aos 9,3%, segundo a previsão do BdP. Caso se confirme, isso significaria que os gastos de turistas estrangeiros triplicariam entre 2009 e 2021.
O turismo “cresceu a um ritmo superior ao do conjunto da economia, implicando um aumento da sua importância relativa neste período”, pode ler-se no estudo, publicado esta manhã. “Também ao nível do mercado de trabalho, se observou um aumento do peso do emprego em atividades caraterísticas de turismo no emprego total.” O Banco isolou a hotelaria e a restauração, notando que 15% do crescimento económico entre 2013 e 2017 teve aí origem, assim como 30% do aumento do emprego.
Há duas histórias que se contam normalmente sobre o turismo português: que ele está a crescer devido à instabilidade e insegurança no Norte de África, provocada pela Primavera Árabe; e que é um turismo barato, que atrai visitantes devido aos preços baixos, em comparação com os seus concorrentes europeus. Os economistas do Banco de Portugal questionam a relevância de ambas as teses.
No que diz respeito à primeira, Portugal parece ter recebido um empurrão inicial, fruto da instabilidade em Marrocos, Egipto, Tunísia e, mais tarde, Turquia, sendo visto como um país muito mais seguro. No entanto, essa mesma avaliação também considera Portugal mais seguro do que a média dos países do Sul da Europa. A recuperação de alguns das regiões do Norte de África parecem ter provocado algum abrandamento na chegada de turistas a Portugal em 2018, mas sem provocar uma travagem.
“A comparação com a Europa do Sul/Mediterrânea – onde se situam os países com atrativo turístico similar ao de Portugal – mostra que a economia portuguesa se destaca claramente pelo comportamento mais positivo das exportações nominais de turismo ou das dormidas de não residentes no período 2010-17. Tal sugere que parte do dinamismo não explicado pelos determinantes habituais estará associado a outros fatores para além do clima de insegurança em mercados concorrentes”, diz o BdP.
A questão do preço também não parece tão relevante como talvez muitos pensem. O reforço da quantidade de dormidas tem sido acompanhado por um aumento dos preços das atividades relacionadas com o turismo. Ou seja, há mais gente, mas as coisas também estão mais caras. Os preços de hotéis, restaurantes e cafés cresceram mais em Portugal desde 2012 do que em Espanha, Grécia e Itália.
“Os desenvolvimentos na competitividade-preço não ajudam a explicar a evolução mais positiva das exportações portuguesas de turismo face à de outros países da Europa do Sul/Mediterrânea no período 2010-2017″, escrevem os economistas do BdP. “De facto, comparando [a inflação] dos serviços mais diretamente relacionados com o turismo – nomeadamente, restaurantes, cafés e serviços de alojamento – em Portugal e nos três principais países concorrentes pertencentes à área do euro (Espanha, Itália e Grécia), observa-se que os preços em Portugal têm apresentado um crescimento superior, em particular no período mais recente.”
Poderia pensar-se que esta evolução se explica pelo facto de o ponto de partida português ser mais baixo do que no resto da Europa. Isto é, como os preços eram mais baixos em Portugal, há mais margem para crescer. Também não parece uma justificação totalmente satisfatória, porque Portugal tem uma receita média por turista e por dormida superior a qualquer um desses três países do Sul da Europa.
O sucesso do turismo em Portugal está a ser acompanhado por uma maior diversificação sazonal, geográfica e de nacionalidade dos visitantes. Os turistas do Reino Unido continuam a ser a maioria, mas perderam bastante peso nos últimos 12 anos – e não o deverão recuperar, tendo em conta o iminente Brexit -, ao mesmo tempo que franceses, brasileiros, chineses e sul-coreanos se tornaram mais relevantes.
“Tem vindo a observar-se um aumento do peso dos turistas com origem nos EUA, Brasil e Canadá, em resultado de taxas de crescimento médias das dormidas que se situaram em valores próximos ou superiores a 15% no período 2010-17. A taxa de crescimento média das dormidas de turistas com origem na Ásia e Oceânia foi ainda mais significativa (19%), traduzindo-se numa duplicação do seu peso entre 2010 e 2017.”
Um espelho dessa mudança é também a maior diversidade geográfica do turismo. O Algarve ainda é o principal destino para quem visita Portugal, mas está quase a ser apanhado por Lisboa. A Madeira também perdeu peso, enquanto o Norte e o Centro ganharam.
“A evolução da distribuição regional das dormidas de não residentes estará relacionada com alterações no tipo de turismo destinado a Portugal, com uma diminuição relativa do turismo de “sol e praia” e aumento do turismo de lazer em cidade e do turismo de negócios”, refere o Banco de Portugal.
Em paralelo, o turismo deixou também de estar tão concentrado em julho e, principalmente, agosto, com o período entre abril e junho a ganhar destaque no número de dormidas.
Veja-se a diferença entre o perfil de visitas do Algarve e de Lisboa.
Para dar resposta à vaga de turismo, a oferta hoteleira reforçou-se significativamente. Os dados oficiais não incluem a maioria do alojamento local (com menos de 10 camas), mas o Banco de Portugal calcula que em 2017 já representassem 20% da oferta de camas, tendo continuado a crescer este ano.
“No período 2013-17, o número de camas em estabelecimentos com 10 ou mais camas cresceu cerca de 23% em termos acumulados, enquanto o aumento do número de estabelecimentos foi bastante superior (cerca de 75%). Em termos de capacidade total, o total dos registos de alojamento local com menos de 10 camas realizados em 2016 e 2017 totaliza 23% do stock de camas da restante oferta de alojamento total reportada pelo INE nas Estatísticas do Turismo para 2017. Embora muito expressivo, este valor deve ser tomado com alguma reserva, porque os registos apenas capturam a entrada no stock de alojamento local, não eventuais saídas.”
Transformações acompanhadas pela chegada de mais turistas via companhias aéreas low cost.
Por último, todos queremos saber se este forte do crescimento está para ficar. Depende do que se considere “forte”, mas o Banco de Portugal conclui que existe margem para continuar crescer, pelo menos tendo em conta outros exemplos internacionais com os quais nos podemos comparar. Os números mostram que a economia portuguesa é muito menos dependente do turismo do que a Grécia (já para não falar de Malta ou Croácia); e tem menos turistas do que Espanha, Irlanda ou França, em percentagem da sua população residente.
“Em termos de intensidade do turismo (número de chegadas de turistas em percentagem da população) e importância macroeconómica deste setor (peso da despesa em turismo no PIB), Portugal situa-se ligeiramente abaixo da média da Europa do Sul/Mediterrânea. A melhor posição relativa de alguns países da Europa do Sul/Mediterrânea indicia que existe margem para crescimento da atividade turística em Portugal acima do total da economia”, conclui o BdP.
O nosso turismo tornou-se competitivo à escala global, tendo subido no ranking de 140 países do Fórum Económico Mundial de 17º para 14º destino mais competitivo, entre 2009 e 2017. “Portugal tem uma posição ligeiramente superior à média dos países da Europa do Sul – ficando abaixo apenas da Espanha e da Itália mas acima da Grécia e, em particular, da Turquia – e uma posição claramente superior à da média dos países do Norte de África.”
Existem, contudo, vários riscos que o turismo deverá enfrentar nos próximos anos, o que obriga Portugal a não se deixar acomodar e continuar a apostar “num aumento da qualidade e valor acrescentado dos serviços oferecidos que contribuam para fidelizar os visitantes e para um aumento da receita média por turista”, avisa o BdP. “Esta aposta permitirá manter um crescimento elevado das exportações de turismo em paralelo com o desenvolvimento de segmentos com margem de crescimento, como o turismo de negócios.”
O Banco de Portugal reconhece também que, embora o crescimento do turismo seja positivo para o País, traz também desvantagens, entre os quais o risco de “hostilidade por parte dos habitantes locais, a deterioração da experiência turística e a degradação do património natural, cultural e histórico”. O que significa que é necessário “uma melhor distribuição do turismo não residente ao longo do ano e em termos regionais”, procurando evitar uma excessiva congestão de algumas áreas (o centro histórico de Lisboa é normalmente o exemplo mais citado), a subutilização de infraestruturas em época baixa e demasiada sazonalidade do mercado de trabalho.
“Finalmente, o quadro regulatório do setor deve permitir o desenvolvimento ordenado de novos modelos de negócio, nomeadamente associados a novas tecnologias”, diz o BdP. O nome não é referido, mas é difícil interpretar que está a falar de plataformas como o Airbnb.