1 É nos períodos de acalmia que se preparam as tempestades
Num momento de relativa acalmia como o actual, os principais decisores da Europa deveriam estar a trabalhar afincadamente no reforço institucional e operacional da Zona Euro. É certo que franceses e alemães vão abordando entre si o tema, ainda que, ao que se vai sabendo, com preferências diversas quanto ao caminho a seguir. Os franceses, como seria de esperar, aparentemente apontando para a necessidade de reforço do orçamento federal, enquanto os alemães insistem, como sempre, na responsabilidade — e responsabilização — dos Estados-membros no que respeita à manutenção de políticas orçamentais saudáveis e sustentáveis. Esta reforma é absolutamente fundamental, na medida em que não é para mim certo que uma alteração dos níveis de taxa de juro nos mercados não venha a colocar pressão dificilmente gerível na actual arquitectura institucional e na posição dos estados mais fragilizados. Portugal, a despeito de exibir uma enorme autoconfiança, está neste grupo. É por isso particularmente interessado na melhoria da União Monetária.
2 A conjuntura favorável terminará antes de 2020
Hoje, em função sobretudo da anestesia que a política monetária do BCE tem proporcionado aos casos mais problemáticos — de que Portugal é um bom exemplo —, vive-se, numa quase inconsciência, um período de acalmia temporária. Porém, mesmo descontando os riscos de um cenário internacional, o fim, mais ou menos longínquo, do Quantitative Easing do BCE poderá ter efeitos devastadores sobre os Estados-membros mais endividados. Concretamente, é provável que gere de novo dificuldades de financiamento nestes países e que tal possa gerar tensões semelhantes às verificadas no início da década. Tal só não acontecerá se, em tempo útil, se tomarem medidas concretas que evitem novos sobressaltos, chegados que estamos a uma fase de maior fragilidade global, em que a maior contestação dos eleitores europeus aos mecanismos comunitários poderá inviabilizar
a solidariedade necessária.
3 As instituições europeias não têm cumprido o seu papel
Já por várias vezes escrevi, noutros meios mas também nesta coluna, que a Comissão e o Conselho Ecofin têm as maiores responsabilidades políticas na forma como a periferia do euro enfrentou a crise de dívidas soberanas que se seguiu à crise financeira. Não só avisei, entre muitos colegas, em Portugal e no estrangeiro, que a resposta da Comissão Barroso à crise de 2008 levaria inevitavelmente a uma crise dos emissores soberanos periféricos, como, desde pelo menos 2003, que tenho alertado para o triste papel da Comissão e do Conselho na infância e adolescência da (já não tão) nova moeda.
A supervisão multilateral das políticas económicas, incluindo a orçamental, na zona monetária, fracassou lamentavelmente, e os óbvios e perfeitamente antecipáveis problemas de Portugal, da Grécia ou mesmo de Itália foram crescendo debaixo do nariz da sempre contemporizadora Comissão e das vacuidades políticas do Conselho. Por isso, a primeira lição óbvia é que a melhoria técnica e objectiva da supervisão multilateral tem de ser construída agora. Não podemos continuar a ter análises centradas no curto prazo, concentradas em indicadores como o défice e a trajectória imediata da dívida. Só na supervisão orçamental, é meridianamente claro para qualquer analista de boa-fé que falta que se tirem consequências da dimensão e dinâmica da Despesa, da sua sustentabilidade a prazo e das consequências de todos os factores conhecidos e mensuráveis sobre a dinâmica da dívida.
Por outras palavras, é preciso que a Comissão e o Conselho percebam de uma vez por todas que devem garantir que se segue um caminho visando a sustentabilidade a prazo das finanças públicas, deixando de ser meros tabeliães da verificação formal de indicadores imperfeitos da situação de curto prazo, como hoje se passa.
4 As reformas terão de ser profundas e eficazes
Além do aprofundamento da integração dos mercados e da conclusão da união bancária, é essencial que se reequilibre o peso dos diferentes orçamentos na zona monetária. A comparação com zonas monetárias que funcionam mostra que os orçamentos nacionais são demasiado relevantes face ao federal e que, por isso, a capacidade de estabilização macroeconómica para o conjunto da zona é claramente limitada, quando a comparamos com os Estados Unidos da América ou o Canadá, por exemplo. Acresce que, não só não penso, tal como, por exemplo, Eichegreen, que a conclusão da união bancária seja suficiente para evitar fenómenos idênticos aos que tivemos em Portugal em 2011/2012, como penso que dotar o orçamento federal de substancialmente mais meios (a) dará um efectivo papel ao futuro ministro das Finanças da Zona Euro; (b) mutualiza verdadeiramente a responsabilidade pelo funcionamento da Zona e (c) permitirá com mais naturalidade a emissão de instrumentos de dívida a nível federal que, de outro modo, são politicamente invendáveis na parte norte e financeiramente mais saudáveis da zona monetária.
Não é por acaso que o que indico se aproxima muito mais da visão da França do que da Alemanha. Não tanto porque, sendo português, tenda a apontar para algo que notoriamente nos favorece face às alternativas e ao statu quo, mas, fundamentalmente, porque não podemos aspirar, num retalho de nações independentes, a ter uma moeda única que funcione sem o mínimo de mecanismos de centralização e mutualização. Vamos sempre a tempo de corrigir as falhas dos “pais fundadores” do já longínquo Tratado de Maastricht.
Temos é de fazê-lo depressa!