São homens, comandam os primórdios da quarta revolução industrial e têm percursos de sucesso com muitos pontos em comum. Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Larry Page, Elon Musk, Jack Ma e Reed Hastings fizeram a capa da edição de fevereiro da EXAME. Os seis fundaram ou lideram empresas que, em pouco tempo, conseguiram tornar-se grandes referências a nível mundial: Amazon, Facebook, Google, Tesla, Alibaba ou Netflix. Modelos empresariais robustos, que neste caso tiveram origens nas duas maiores economias mundiais – Estados Unidos e China – e permitiram a algumas destas personalidades tornarem-se das mais ricas do mundo.
Mas o que é que define o génio por detrás destes projetos e destas ideias inovadoras? O que é que têm em comum? E porque é que eles surgiram onde surgiram e não noutros países, como em Portugal, por exemplo? Estaremos – com os investimentos anunciados para o País, nomeadamente pela Google e pela Amazon – em posição de nos virmos a tornar um futuro viveiro de experiências empresariais e de líderes desta craveira?
“Tem a ver com energia, convicção, motivação e acreditar na visão que se tem. Trata-se de pessoas que andam há imenso tempo a imaginar empresas, que acham que vai funcionar mesmo, há uma crença forte,” sintetiza Alexandra Fernandes, professora assistente no ISCTE. Para esta docente, a capacidade para estar no pontapé de saída de colossos como estes não é inata e vai-se aprendendo e depende do momento da vida que se atravessa.
Dois exemplos: a Google e a Amazon. A dona do mais conhecido motor de busca do mundo tem na sua origem dois jovens na casa dos 20 anos, Sergey Brin e Larry Page, enquanto estudavam em Stanford; o gigante do comércio eletrónico sai da cabeça de um vice-presidente sénior de uma gestora de ativos, Jeff Bezos, que convence os pais a investirem parte do fundo para a reforma num projeto de venda on-line de livros.
Ou seja, não há um momento preciso marcado no percurso de vida para emergir como líder, depende das circunstâncias em que as pessoas estão. E do ambiente em volta, se há um mercado favorável ou não a novas experiências, se o sistema está preparado para acolher e potenciar rasgos de inovação. O resto é ensino, experiência, carreira e marketing pessoal.
Portugal, a ditadura e a dimensão
Olhe-se para os EUA, berço da maioria dos exemplos que a EXAME abordou. Na lista da CNBC que estabelece os 10 melhores países para empreender, o país do “Tio Sam” surge em terceiro lugar, numa lista que é liderada pela Alemanha e pelo Japão. A sustentar o lugar no pódio está a mão-de-obra diversa e bem preparada, a dianteira em matéria de investigação, desenvolvimento e inovação. E a grande variedade de fontes de financiamento que permitem passar das ideias no papel à ação.
“Pelas suas características históricas, Portugal teve uma revolução industrial ténue, foi sujeito a uma ditadura, é um país pequeno. Isso determina o que somos,” considera Alexandra Fernandes, para quem a comparação deixa os dois países muito distantes, já que os EUA souberam potenciar a sua imigração e estão muito virados para a inovação e para a tecnologia. “Tem uma estrutura brutal, a inovação é baseada nas empresas, apoiam as universidades. (…) Estamos a caminhar nesse sentido, mas mais atrasados,” acrescenta.
Portugal está naquele ranking em 26.º lugar, ainda assim à frente de países que se têm afirmado consistentemente nesta área como são os casos da Polónia, da República Checa e da Índia. Entre os fatores avaliados estão a ligação ao resto do mundo, a cultura empreendedora, a inovação, o acesso ao capital, a transparência nos negócios, além das infra-estruturas, da educação e das competências dos trabalhadores.
As escolas de negócios do país também tomam posição firme nos rankings internacionais – no final do ano passado figuravam na lista do Financial Times o ISCTE, a Porto Business School, a Católica Lisbon School of Business e a Nova School of Business and Economics. E lá fora há cada vez mais gestores portugueses a dar cartas e a ocupar posições elevadas nas cadeias de responsabilidades de multinacionais.
A acrescentar a este entorno que se desenha mais favorável, há uma mudança operada na última década e que pode estimular um passo em frente para a capacidade do país acrescentar valor a nível internacional – a veia empreendedora manifestada pelos que agora chegam ou estão a sair das universidades.“Os que vão para gestão querem criar os seus próprios negócios, o que não acontecia antes. Muitos vêm ter connosco com ideias. Antes queriam ir trabalhar para um banco ou para as big five e acontece haver alunos que entram já com o negócio criado”, exemplifica aquela docente do ISCTE.
Por que não aqui?
Pelo meio, os estudantes das faculdades portuguesas estão também cada vez mais internacionais no seu percurso formativo. Em 2015, de acordo com os dados mais recentes, mais de 16 mil portugueses participaram no programa Erasmus, que os expõe a ambientes internacionais como Espanha, Itália ou Polónia. Pensar à escala global e estar num mundo aberto também pode tornar legítima a questão: porque não aqui? Portugal teria algum dia condições para ver nascer uma empresa como a Google ou a Tesla?
“Sou muito otimista. Acho sempre que as novas gerações são melhores que as anteriores. O facto de estarmos abertos e estarmos a comercializar para países como a Coreia, Japão ou Canadá permitirá que a dimensão deixe de ser uma limitação. Acredito que suceda,” refere. E dá exemplos de casos em que foi possível juntar tecnologia de ponta às capacidades dos gestores: a Science 4 You, que foi criada no ISCTE, por um aluno de gestão do próprio instituto, Miguel Pina Martins.
O resto vem do carisma, da cultura que cada líder é capaz de imprimir às empresas e aos seus colaboradores. Tanto se cola a imagem dos dois que por vezes acontece não se conseguir separar o ideólogo do projeto. E quando aquele sai da empresa ou morre, a companhia corre o risco de ir atrás. Aconteceu na Apple, com Steve Jobs. A morte do homem que deu a cara pela era mais áurea de inovação na empresa da maçã trouxe essa dúvida sobre a continuidade da empresa, porque foi ele durante aqueles anos a alma e o coração da criadora do iPhone.
“Há uma grande taxa de empresas que não se preparam para a sucessão. Quando morre o fundador, morre a empresa. Isso é dramático para nós enquanto economia, porque gostamos sempre de ver a continuidade,” frisa a investigadora na ISCTE Business School.
Poder (mas pouco) no feminino
Porque é quase sempre no masculino de que se fala quando se enumeram exemplos de liderança internacional para a inovação – ao rol pode juntar-se Bill Gates da Microsoft, Steve Wozniak da Apple, ou Tim Berners-Lee como criador da world wide web – porque é que há tão poucas mulheres com visibilidade enquanto líderes de empresas inovadoras?
No ano passado, dando como exemplo Portugal e um leque alargado de empresas, apenas cinco das então 17 cotadas no índice nacional de ações PSI-20 tinham mulheres nas suas comissões executivas. E em 82 gestores, menos de 10% (oito) eram mulheres. Como CEO, apenas uma: Cláudia Azevedo, que lidera a Sonae Capital.
“Há empresas de pequena dimensão com mulheres na gestão. Não no topo, mas nos cargos intermédios encontramos já muitas mulheres,” defende Alexandra Fernandes, que acredita que esta é uma situação que deverá esbater-se a prazo. A ajudar poderá estar a obrigação de, a partir deste ano, pelo menos 20% dos cargos nos conselhos de administração e fiscalização terem de ser ocupados por mulheres, valor que passará a pelo menos 33% em 2020.
“É uma realidade que tende a mudar, não me preocupo com esse aspeto,” conclui a investigadora. E nota: “no ensino superior são muito mais [as mulheres] do que os homens.”