O ajustamento português tem sido extremamente penoso mas está longe do seu termo. Num contexto internacional difícil, numa Europa confusa e confundida, com uma Comissão presidida por um velho profissional da política, sem causas ou ideias relevantes, politicamente fragilizado e rodeado de uma burocracia cada vez mais poderosa, não podemos, ainda assim, deitar para cima das fracas instituições europeias e dos nossos parceiros o ónus das dificuldades por que passamos e da incapacidade revelada em criar sustentadamente mais riqueza. Na verdade, deveríamos assumir com mais candura e franqueza que foram os nossos governos do passado (de várias cores políticas) os principais culpados da situação de ruptura no financiamento internacional a que se chegou na Primavera de 2011 e de 15 anos absolutamente medíocres em termos de criação (e distribuição) de riqueza.
A Europa não nos impôs a criação de finanças públicas insustentáveis, nem deu orientações para que as empresas portuguesas se endividassem além do razoável ou para que as famílias assumissem responsabilidades de cumprimento improvável ao menor solavanco na economia nacional ou nas suas vidas. Os principais responsáveis (políticos, gestores, empresários, dirigentes associativos, sindicalistas) pela situação a que chegamos vêm agora, cada vez mais, escamotear as verdadeiras causas das coisas, servindo-se das dificuldades inerentes à condução de um ajustamento complexo e de alguma inépcia política do governo para culparem a actual governação e a Europa pelos males que eles próprios causaram no passado. Portugal apresenta hoje equilíbrios agregados mais saudáveis, reduziu ou eliminou alguns dos factores de instabilidade do passado, mas, por outro lado, não encontrou um caminho de crescimento robusto e sustentado, como a Irlanda e, provavelmente, a Espanha. Os nossos males têm essencialmente uma origem interna, mas também a Europa tem pela frente um longo caminho para assegurar a não repetição dos erros do passado, nomeadamente os que possibilitaram a eclosão da crise das dívidas soberanas na sequência da crise financeira de 2008. Também aqui uma política de revisionismo da história recente que não encontre responsáveis nem corrija os erros do passado é um caminho tentador para os profissionais da europolitics, mas terá um custo elevado no futuro. Na verdade, a supervisão multilateral da Zona Euro falhou. A aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento foi pouco rigorosa e, além disso, a Comissão e o Eurostat não tiveram a liberdade necessária na avaliação da verdadeira situação das finanças e das economias dos vários membros da moeda única. Como consequência, o Conselho Europeu nunca tratou a fundo dos problemas nem pode ter uma verdadeira acção sobre os refractários e os incumpridores. A crise financeira exacerbou estes desequilíbrios, penalizando a inacção e o erro. A Europa, e sobretudo a sua periferia, tem pago uma elevada factura pelos erros e inépcia do passado. O Tratado Orçamental não é garantia suficiente de estabilidade futura de uma Zona Euro que carece ainda de profundas melhorias institucionais e de melhores instrumentos de acção comum para lidar com crises assimétricas.
Em Portugal, muitos resistem a admitir que haja lições a retirar dos erros do passado. Confrontados com a violação de princípios constitucionais decretada para quase todos os ajustamentos da despesa pública necessários num país em que mais de metade da população vive do Orçamento do Estado, a descapitalização crónica das empresas e o avolumar das consequências públicas e privadas de um passado pouco recomendável muitos esperam uma solução milagrosa. Fácil, constitucional e indolor. Essa solução chama-se crescimento económico. Todos somos a favor do crescimento, e ninguém disputa que constitui condição sine qua non da nossa sustentabilidade futura. Porém, até hoje ninguém deu pistas credíveis sobre como o estimular em tempo útil sem cair nas ineficazes soluções do passado (cuja factura continuamos a pagar).
Como acredito que a maioria dos agentes relevantes já percebeu que o país não resolverá os seus problemas com mais iniciativas de investimento público de rendibilidade questionável, admito que se possa, neste ano eleitoral, discutir como resolver os problemas do estrangulamento financeiro das empresas, do reforço da solidez bancária, do desenvolvimento de mecanismos alternativos de financiamento da actividade produtiva (além do soft money de Bruxelas), do aumento da atracção de investimento estrangeiro de qualidade e, em última análise, da emergência de uma nova classe empresarial, livre dos erros do passado e do proteccionismo político, que substitua a que começou a desaparecer a partir do início da presente década.
Este artigo é parte integrante da edição de abril da Revista Exame