O ano de 2014 será sempre aquele em que a troika saiu fisicamente de Portugal e em que o país saiu da recessão mais prolongada (três anos) por que passou desde 1974. Mas será, sobretudo, o ano da implosão do maior e mais tradicional banco português e da melhor e mais internacional empresa não financeira do país.
O desaparecimento do Banco Espírito Santo e a falência do grupo com o mesmo nome ficarão para sempre como um dos mais traumáticos acontecimentos na história da economia portuguesa. Já antes houve fusões, encerramentos e falências de bancos. Mas nunca se tinha verificado tal coisa com uma instituição que representava pelo menos um quinto do mercado bancário, com atividade muito relevante no financiamento de milhares de pequenas e médias empresas (cerca de 15% do total), na captação de depósitos e no apoio ao financiamento da República, da economia e a projetos de inovação.
Além disso, Ricardo Salgado, o presidente da instituição, era considerado o banqueiro dos banqueiros ou o último banqueiro de uma linhagem de banqueiros familiares, tendo recebido ao longo da sua carreira diversos prémios e distinções pela excelência da sua gestão. O banqueiro opinava sobre os grandes investimentos da República, ao mesmo tempo que fornecia quadros da instituição para lugares políticos relevantes (Durão Barroso, Manuel Pinho e Miguel Frasquilho são só alguns exemplos). As suas palavras eram analisadas com atenção. Cada entrevista sua era lida, vista ou escutada atentamente. Não por acaso criou-se a ideia de que o poder político, qualquer poder político, não podia ignorar, e muito menos hostilizar, Ricardo Salgado, sob pena de ter vida curta. Daí a forma como era designado pelos corredores, embora ninguém o dissesse em voz alta: o DDT (Dono Disto Tudo).
Ao mesmo tempo, a PT Portugal, a maior operadora nacional de telecomunicações, que desempenhou um papel fundamental no investimento, modernização e inovação do país nesta área, é apanhada no furacão BES/GES, quando é conhecido que tinha feito uma aplicação de tesouraria de 897 milhões de euros na Rioforte, uma empresa não financeira do GES e que, com grande probabilidade, não recuperaria esse dinheiro (como veio a acontecer). Os dois administradores brasileiros da PT Portugal demitem-se e a OI, com quem a empresa portuguesa se tinha fundido com o objetivo de vir a criar uma grande operadora de telecomunicações em língua portuguesa, altera a estratégia, passando a ter como prioridade vender rapidamente a PT Portugal, para, com esse dinheiro, ir às comprar no mercado brasileiro.
A aplicação na Rioforte provoca ainda outros danos colaterais: Henrique Granadeiro, chairman da PT, e Zeinal Bava, presidente executivo da Oi, demitem-se. A imagem de gestão de excelência de que a PT gozava (e foi por isso que Bava ascendeu a presidente da Oi) sai ferida de morte com o episódio. E o destino da PT reduz-se a manter-se como um operador local, controlado por capitais estrangeiros, mas sem os drivers da internacionalização, investimento, emprego e inovação que eram a sua marca de água até então.
As consequências destes dois acontecimentos ainda estão por ser percebidas em toda a sua plenitude. Contudo, é provável que exista uma redução do crédito total à economia, em particular às pequenas e médias empresas e que haja uma maior concentração no setor, porque o Novo Banco, sucessor do BES, deverá ser vendido a mais ou menos curto prazo a outra instituição. Nas telecomunicações, também a concorrência tenderá a reduzir-se, porque a PT deixará de ter o papel liderante que assumiu até agora. Com a implosão do BES e o apagamento da PT haverá menos impostos a ser pagos, menos investimento a ser concretizado, menos inovação a acontecer e seguramente muito mais desemprego.
Finalmente, 2014 será também o ano em que o capital estrangeiro, em particular chinês, se afirmou definitivamente como um parceiro incontornável, embora não criando novas empresas, antes comprando as existentes, sobretudo aquelas que garantem rendas garantidas. Mas este investimento, chinês ou angolano, não traz, ao contrário do que seria desejável, novas empresas, tecnologia, inovação, formação ou emprego qualificado. Por isso, nesta matéria, 2014 não foi seguramente um ano brilhante.
Este artigo é parte integrante da edição de dezembro da revista EXAME