Quanto mais intenso o ritmo da mudança a que estamos sujeitos, mais ansiamos por algo verdadeiramente diferente, que nos abra caminhos e perspetivas para o futuro, em vez de termos de consumir o que parece diferente mas é apenas mais do mesmo.
E, pensamos nós, não deve haver maior fonte de novidade do que as áreas da criatividade e da inovação, pois só elas favorecem o aparecimento dos últimos gritos da arte, da tecnologia, do mercado e da ciência. Assim, cremos que devem existir novas formas de gerar ideias que levem as empresas e centros de investigação a novos produtos e patentes, consubstanciando a quantidade de livros, artigos, blogues, sites, que, com grande vitalidade, todos os dias parecem enriquecer esta temática.
Na realidade, as coisas não são tão diferentes assim. Com efeito, se analisarmos em pormenor toda esta evolução, perceberemos que muito do que se escreve deriva da Internet. Termos como open innovation, crowdsourcing, crowdfunding, cocreation, retratam formas colaborativas do processo de inovação, sobre as quais já se falava em finais do século XIX e se teorizaram muito a partir dos anos 40 (pós-Grande Depressão). A diferença agora está em que, graças à Internet, muitas mais pessoas podem participar nestes processos, desde que a estrutura organizacional e o processo de decisão autorizem essa participação, em tempo e com eficácia. Pensarmos que é às áreas tecnológicas de ponta, como a nanotecnologia, a biotecnologia e as TIC, que vamos buscar inspiração é completamente enganador, pois elas flutuam ao sabor dos investimentos, e não das teorias.
Do lado da criatividade, hoje valorizam–se mais as equipas base de formação das organizações colaborativas (as chamadas flat organizations, orientadas por projetos, levados a cabo por equipas de stakeholders internos e externos) e não tanto os métodos de produção de ideias, que arrefeceram bastante desde os anos 90, em virtude da contestação feita à eficácia do brainstorming. Insiste-se sobre a natureza coletiva da criação e do valor da facilitação de equipas enquanto forma de liderança esta, sim, a verdadeira fonte de mudança de paradigma, também muito influenciada pelas organizações baseadas na Internet. Mesmo assim, apenas se recuperaram caminhos traçados pela psicologia social dos anos 40. Por cá, um tanto estranhamente, é a engenharia de processos, de pendor taylorista, que se tem tornado mais popular, indo buscar modelos de inspiração japonesa/norte-americana do pós-guerra (ex. Kaisen/Lean), anteriores aos conhecidos Círculos de Qualidade, TQM e Six Sigma. Também adotámos soluções que a Comissão Europeia importou dos EUA, como o design thinking e os sistemas de gestão de ideias, que permanecem mais como moda do que pelos êxitos obtidos na inovação das empresas.
Sobre a inovação, a crise obrigou a rever muitas das conceções, alterando o discurso baseado quase exclusivamente em investimentos e tecnologia para outro mais centrado no negócio. Assim, do primado dos novos produtos, investimentos em I&D, patentes registadas e adoção de tecnologia derivou-se para a fusão entre produto e serviço, com realce para o processo de construção de um negócio aceite pelo mercado. E a prioridade dada ao mercado colocou o cliente à frente do produto, e o chamado ADN dos colaboradores (conjunto de ideias, conhecimentos, compromissos e capacidade para inovar) à frente dos departamentos de I&D e de marketing. Ao conhecido processo Fuzzy Front End of Innovation, que colocava a essência na produção de ideias para o desenvolvimento do produto final, juntou-se o Fuzzy Back End, ou seja, a compreensão do consumidor enquanto esforço criativo principal, agora alargado a todos os colaboradores, incluindo os responsáveis pela tecnologia. Em termos de conceito de inovação, transferiu-se o “por uma ideia em uso” para a “criação de valor”, o que pressupõe transferir o foco na área financeira e tecnológica para o domínio das pessoas.
E, como tratar as questões relativas a pessoas complica um pouco mais o assunto, vamos tentar resumir, em doze princípios, os últimos 30 anos de produção na área colaborativa da criatividade e da inovação.
1. Se juntarmos as pessoas adequadas (com autoridade, conhecimentos, perícias, recursos ou informação) a um dado objetivo, sob uma liderança facilitadora e utilizando um m étodo de trabalho rigoroso, elas criarão as visões e estratégias necessárias e surpreender-nos-ão com a sua criatividade, sabedoria e poder de concretização.
2. A inovação é tanto mais geradora de mudança efetiva quanto maior for o círculo da participação, isto é, quanto mais indivíduos, grupos e organizações se responsabilizarem por um mesmo projeto.
3. Apesar de só a inovação (traduzida pelo valor criado) interessar verdadeiramente às organizações, é essencial a criatividade (imaginação, conhecimento e vontade em persistir) de cada indivíduo para tal valor acontecer, pois a aprendizagem organizacional faz-se através das pessoas, e não dos sistemas.
4. A criação é sempre coletiva, pelo que o indivíduo isolado, por muito criativo que seja, estará sempre mais limitado do que se estiver inserido num grupo. Por isso a base de qualquer organização deve ser constituída pelas equipas e o valor de cada equipa depende, em alto grau, da qualidade da liderança que a serve.
5. Por qualidade da liderança deve entender-se a capacidade de incluir outros no processo de decisão e de conciliar a disciplina no trabalho do dia a dia com o desenvolvimento de projetos imaginados e levados a cabo pelas equipas.
6. O valor dos grandes talentos individuais é inegável, mas, para as organizações, é menor que o resultante da aplicação do talento e conhecimentos únicos que todos possuem em benefício do coletivo, cabendo aos órgãos de gestão reconhecer esses talentos, incentivá-los e desenvolvê-los.
7. Sem participação não existe verdadeiro desenvolvimento organizacional, mas não basta apelar à participação para que ela ocorra. A transparência é fundamental, sobretudo no que respeita às recompensas, avaliação do desempenho e segurança na relação, pois sem confiança a participação não é possível.
8. A criatividade surge mais da diversidade de contribuições do que dos métodos utilizados ou do treino recebido.
9. A definição ou a descoberta do problema é mais importante do que a sua solução, mas fazer um diagnóstico que mobilize todos para a ação requer tempo, conhecimentos e persistência, não podendo ser conseguido meramente pela aplicação de um qualquer processo de raciocínio individual ou forma de trabalho em grupo.
10. A maior dificuldade do trabalho em grupo consiste em obter flexibilidade no pensamento, isto é, na capacidade de cada um aceitar os pontos de vista dos outros e de não censurar os seus próprios pensamentos. No entanto, por muito boa que seja a flexibilidade de pensamento obtida, se não houver um compromisso forte com a equipa e com as decisões tomadas, a criatividade dificilmente pode resultar em inovação.
11. Se bem que os grupos ideais sejam os grupos pequenos, é perfeitamente possível trabalhar com grupos grandes, desde que os métodos utilizados e as perícias de coordenação permitam manter o mesmo grau de eficácia e participação dos grupos pequenos.
12. A Internet e as novas tecnologias vieram ampliar muito as possibilidades de juntar as pessoas adequadas em grande número e ao mesmo tempo. No entanto, a tecnologia será sempre complementar do valor da reu nião presencial, sem outra mediação que um facilitador e um cavalete com folhas de papel.
Sendo assim, que novidades para Portugal? Sabemos que somos dos mais criativos, adaptáveis e improvisadores, mas colaboramos pouco uns com os outros (no Projeto EPOC Employee Direct Participation in Organizacional Change ficámos em último lugar entre dez países europeus), pelo que é na forma colaborativa de inovação que teremos ainda de percorrer um caminho considerável. Se isso acontecer, temos potencial de sobra para sermos dos melhores; se mantivermos a tendência para a fragmentação, continuaremos a insistir em soluções que podem parecer diferentes mas que, no fundo, são só mais do mesmo.
Fernando Cardoso de Sousa
Presidente da Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação – APGICO, fundada em 2007 e formada por um conjunto de associados fundadores ligados a universidades e a empresas com interesses no desenvolvimento da criatividade e da inovação nas organizações.
Este artigo é parte integrante da edição de maio da Revista EXAME