As ESG Talks têm o apoio do novobanco
João Pedro Matos Fernandes inquieta-se: o Homem é que estragou tudo e ainda tem o desplante de questionar quem busca um caminho melhor. O ex-ministro do ambiente agitou a sala com a sua intervenção de encerramento nas ESG Talks, uma iniciativa do novobanco em parceria com a VISÃO e a EXAME, com os knowledge Partners Nova SBE e PwC.
“A primeira questão que devemos colocar-nos é o que é que nos preocupa e porque é que nos preocupa. Nós todos juntos, mesmo com a dieta mediterrânica e futuros cuidados alimentares que vamos ter, pesamos 300 milhões de toneladas. Os animais que estão neste momento a ser criados para nós comermos pesam 600 milhões de toneladas e os outros animais todos maiores do que o gato pesam 100 milhões de toneladas. Ou seja, pesamos na terra o que nunca ninguém pesou, mandamos nisto o que nunca ninguém mandou, e mesmo assim passamos a vida preocupados com o que aí vem“, enquadra.
Porquê? “Há uma resposta: porque somos uns putos. Somos, facto, uns imaturos, porque foi num período curtíssimo de tempo, 5 mil anos, entre sociedades que não se conheciam de lado algum, passamos de recoletores a agricultores”, explica.
A sua fina ironia arranca sorrisos: “Os outros animais, o leão, o tubarão, que como nós estão no topo da cadeia alimentar demoraram centenas de milhares de anos a chegar lá. E por isso não verão nunca no olhar de um homem ou de uma mulher, a serenidade do olhar de um leão sentado na fraga a olhar cá para baixo e a discutir com ele mesmo ‘o que vou jantar logo à noite’.”
A nossa imaturidade é flagrante, afirma João Pedro Matos Fernandes. “Somos uns putos, imaturos, que demos cabo disto tudo, e ainda pedimos explicações a quem quer remendar. Nós é que estragamos, a culpa é nossa, e se alguém quer encontrar um caminho melhor, pomo-nos na retranca a fazer perguntas e a achar que se calhar é depressa demais e que a exigência que se nos coloca é muito grande. É extraordinário: é como querer ir para a cadeia a prestações, quando somos culpados de um crime qualquer”.
“Temos mesmo de usar ferramentas diferentes, temos de crescer não gerando emissões, temos de crescer não gastando recursos, mas com o desafio dos limites que o sistema terrestre tem”
João Pedro Matos Fernandes diz que houve três gerações de políticas ambientais. A primeira muito focada na conservação da natureza. A segunda preocupada com a saúde pública – as infraestruturas, o abastecimento de água, a recolha e tratamento de afluentes, a gestão dos resíduos. “E Portugal seguiu aqui um caminho extraordinário: passámos em menos de 30 anos de menos de 30% de água segura na torneira para 99,8% de água segura na torneira, de 65 bandeiras azuis nas praias para 370 praias”, acrescenta. A terceira geração é a de quem deve entender, “com toda a naturalidade e legitimidade”, a sustentabilidade como um negócio. “Sim, a sustentabilidade é um negócio. E é mesmo investindo nos negócios da sustentabilidade e transformando os nossos negócios em prol da sustentabilidade que vamos fazer com que a economia cresça”, afirma.
O ex-ministro é dos que acha que a economia tem de crescer. “Li [Bart] De Groof com toda a atenção e não me convence que traga justiça nem promova uma transição justa. É insuportável que cresçamos no futuro com as ferramentas que usámos no passado. É impossível de ser repetido no futuro, porque senão aquilo que nos já desgraçámos, desgraçaremos ainda mais. E pronto, um dia acaba”, enfatiza.
“Temos mesmo de usar ferramentas diferentes, temos de crescer não gerando emissões, temos de crescer não gastando recursos, mas com o desafio dos limites que o sistema terrestre tem”, resume.
E a banca vai ser ao catalisador da mudança? Não acredita. “Pode ser empurrada para a mudança. Mas na minha anterior gerência, quando estava com a banca, era sempre de mão estendida que ela vinha. ‘Sim, se nos criarem condições, pois se nos arranjarem maneira, o período é mau…’ Vai sim ter de ir atrás, vai deixar de financiar projetos que estão contra a sustentabilidade.”
E a economia adapta-se sempre. “Há uma coisa que me custa que é a frase ‘o tecido económico não está preparado’. Uma coisa posso garantir: o tecido económico está sempre preparado quando mete plástico. O mercado está sempre preparado para embrulhar em plástico. É uma coisa impressionante. O loby dos lobys é o cruzamento dos veterinários com a indústria da segurança alimentar.”
Eficiência material não existe
“Enquanto não internalizarmos o que é a depleção dos valores naturais, e não dermos valor aos bens naturais quando não são transformados, teremos sempre um modelo económico errado”
Por outro lado, se já se pode falar em eficiência energética, ainda não existe eficiência material. “Não há qualquer separação entre o crescimento económico e o uso dos materiais. Continuamos a ir à biosfera, este bocadinho de chão que acaba muito antes do inferno e este bocadinho de ar que acaba muito antes do céu, e a buscar materiais da mesma maneira como sempre fomos.”
E a propósito disso, João Pedro Matos Fernandes mostra duas imagens que fazem soltar uma gargalhada na sala. A primeira laranja descascada e embalada do Brasil e ovos estrelados vendidos embalados em plástico. “Só um animal estúpido como uma galinha é que põe um ovo embrulhado num material biodegradável!”, ironiza. “Enquanto olharmos para os materiais assim, enquanto pensarmos que vamos resolver o problema das alterações climáticas falando apenas em energia sem mudarmos a forma de produzir e a forma de consumir, nós não iremos lá. Sim falemos de energia, 55% dos cento das emissões estão aí, mas 45% não estão.”
O problema começa no economista que inventou a palavra externalidade. “Uma árvore que dá sombra a 20 pessoas não conta para o PIB, mas uma mesa pileca feita com esta madeira já conta. Enquanto não internalizarmos o que é a depleção dos valores naturais, e não dermos valor aos bens naturais quando não são transformados, teremos sempre um modelo económico errado, e que não nos conduz para a racionalidade da suficiência, que é aquele em que eu acredito. Aqueles que reclamam hoje, se não fizeram o que é preciso, vão reclamar muito mais adiante porque vai ser muito pior!”