Nos últimos anos as emissões de obrigações e financiamentos destinados ao investimento em projetos sustentáveis disparou. Mas, apesar, da forte procura por parte de investidores e instituições financeiras, as empresas portuguesas ativas neste mercado não têm notado grande vantagem no que diz respeito aos custos de financiamento.
“Não existe uma vantagem económica e material em termos dívida verde ou ESG”, afirmou André Sousa. O Head of Corporate Finance & Treasury da Sonae foi um dos participantes num painel das ESG Talks que debateu, esta quarta-feira, o financiamento da transição verde. O responsável da empresa dona do Continente revelou que a bonificação que tem conseguido com esse tipo de dívida não tem do além de dois ou três pontos base.
A perspetiva é partilhada por Carlos Mourisca, que faz parte da direção financeira da EDP. O representante da elétrica – uma das empresas portuguesas mais ativa no mercado de dívida verde – citou um estudo da Reserva Federal dos EUA que indicava uma poupança de oito pontos base no custo dos financiamentos sustentáveis em relação às operações mais tradicionais. E realçou que essa poupança pode não ser suficiente para compensar os custos de montar operações de emissões de dívida sustentável.
Também na Altri não se tem sentido grandes vantagens financeiras em contrair financiamentos com a condição de alocar esses fundos a projetos sustentáveis. “Sentimos que existe muita procura por dívida verde por parte de investidores de retalho e dos bancos, mas quando chegamos ao momento do pricing da operação não sentimos grande diferença”, afirmou Miguel Silva. O chief financial officer da Altri revelou que a sensação é de que “chegamos ao final e não existe grande vantagem em termos de condições mais competitivas”.
Fase de transição, mas mudanças vão chegar rápido
Este aparente paradoxo em que apesar da procura os custos de financiamento não baixam pode ser explicado pelo mercado estar ainda em fase de adaptação. “Na parte dos bancos temos uma realidade em transição”, observou Luís Ribeiro. O administrador executivo do novobanco explicou que os modelos de avaliação das instituições financeiras ainda atribuem um peso maior ao risco de crédito e de mercado da operação. Mas salientou que isso “não vai ser sempre assim e os riscos de sustentabilidade irão impactar e ser incorporados nos modelos de decisão e de preço”.
Com o tempo, a tendência será de um maior benefício na parte das emissões de dívida verde, antevê Luís Ribeiro. Já as empresas que não adaptem o seu modelo de negócio para incorporar os critérios ESG terá, na melhor das hipóteses, um aumento nos custos de financiamento. Na pior, poderão mesmo perder o acesso a empréstimos. “Certas atividades vão ser asfixiadas porque sociedade não vai aceitar”, afirmou o responsável do novobanco. No caso deste banco, por exemplo, já não se fazem financiamentos a setores dependentes do carvão, uma tendência que tem sido cada vez mais seguida a nível global.
Apesar de ainda não notar grande vantagem em termos de custos, Miguel Silva acredita que “a curto prazo este tipo de financiamento será mais competitivo”. Considera que irá começar a existir uma discriminação negativa. “Quem não cumprir com este tipo de critérios terá dificuldade em continuar a operar”, avisou. E conclui que mais que uma questão de ter vantagens, que não cumprir com os critérios ESG “terá desvantagens e, no limite, terá dificuldade em operar”.
Na perspetiva dos investidores, a preocupação em seguir as métricas ESG é já uma realidade. André Almeida Santos, partner da sociedade de capital de risco Indico Capital Partners, revelou que “quando as start-ups chegam a rondas de financiamento um pouco mais avançadas, os investidores vão perguntar quais são os indicadores de sustentabilidade e essa é uma realidade que qualquer start-up tem de saber”.
O responsável da capital de risco especializada em investimento ainda em fases muito iniciais de start-ups nota que há um apetite global por soluções que possam ser desenvolvidas na área da sustentabilidade – como as renováveis ou a captura de carbono, por exemplo.