Como a doença inflamatória intestinal transforma a juventude

Como a doença inflamatória intestinal transforma a juventude

Será que consigo encontrar uma casa de banho? A pergunta que Vera Gomes faz a si mesma, sempre que sai de casa, chegou, em algumas ocasiões, a dar origem a ataques de pânico e a crises de ansiedade. Por sofrer de Colite Ulcerosa, uma doença inflamatória intestinal que se manifesta, na maioria das vezes, em jovens adultos, Vera Gomes teve de aprender a lidar com idas constantes aos sanitários – 30 vezes por dia, nas fases mais agudas –, com perdas de peso repentinas e com um sono com pouca qualidade  (chega a passar noites em claro, na casa de banho). 

“É uma sensação de frustração e impotência. É como se o meu corpo não conseguisse acompanhar a mente e me obrigasse a abrandar. Também é difícil gerir a consciência de que, por minha causa, os que me são mais próximos sofrem”, assume. O mais difícil, porém, garante, “é a vergonha e a humilhação” que sentiu nas ocasiões em que, por não conseguir reter as fezes, se sujou em público. 

Pelo impacto que provocam (físico e emocional), as doenças inflamatórias intestinais, que afetam cerca de 24 mil pessoas em Portugal, e cujas formas mais comuns são a colite ulcerosa e a doença de Crohn, são muitas vezes entendidas pelos doentes como “catastróficas”, considera o psicólogo Jorge Ascensão, da Associação Portuguesa da Doença inflamatória do Intestino (APDI). “O caráter crónico, o prognóstico imprevisível, a própria experiência e conhecimento sobre doenças crónicas ou mesmo sobre as doenças inflamatórias do intestino, bem como as relações prévias e atuais com os médicos e os técnicos de saúde, irão colocar à prova, numa tempestade emocional, as competências de qualquer um”, afirma o especialista.

Nos períodos em que a patologia está ativa, a prevalência de perturbações de ansiedade moderada a grave, entre os pacientes, ronda os 60%, enquanto as perturbações depressivas atingem 30%. Os estudos indicam, ainda, que metade dos doentes sofre de perturbações do sono. “Em muitos casos, estas patologias psicológicas não estão relacionadas com a gravidade da doença de Crohn ou da colite ulcerosa, mas com a perceção negativa que a pessoa tem de si e do mundo, a partir do momento do diagnóstico”, diz Jorge Ascensão.

Um impacto psicológico que, como explica a psicóloga e investigadora da Universidade de Gotemburgo (Suécia) e da Universidade de Coimbra Inês Trindade, “é mais acentuado em adolescentes e jovens adultos”. É que, além dos sintomas, um adolescente, por exemplo, pode ser também confrontado com atrasos na puberdade ou no desenvolvimento, além do impacto que a doença pode ter na vida social. “Por isso, o acompanhamento nestas faixas etárias é considerado particularmente importante. É fundamental que estes jovens desenvolvam ferramentas que os ajudem a lidar com as adversidades (desde sintomas físicos a emoções, como medo ou vergonha)”, diz.

A necessidade de recorrer ao apoio psicológico
Diagnosticada aos 26 anos, depois de seis meses de várias idas às urgências, com infeções e reações alérgicas, Vera Gomes começou a ser acompanhada por um gastrenterologista e, pouco depois, acabou também por recorrer à psicoterapia.  “Cheguei a um ponto em que era muito difícil gerir a doença, os danos colaterais e o sentimento de impotência”, sublinha, contando que, durante oito anos, só falava da colite ulcerosa aos “mais próximos”.

“As pessoas falam mais abertamente sobre sexo do que sobre o que se passa no wc. Ninguém quer ouvir falar sobre cocó, sobre sujar as cuecas, sobre ter dores 24 horas por dia, sete dias por semana”, considera. “Isso faz com que [os doentes] não falem sobre o assunto a não ser com os mais chegados.” Hoje, trabalha “em prol da sensibilização e educação para este tipo de doenças” e afirma que foi “aprendendo a ser mais resiliente e a lidar com os altos e baixos da doença”. “Desenvolvi estratégias para gerir a doença. Tenho uma espécie de radar interno para saber onde são as casas de banho. Também guardo mudas de roupa no carro, no escritório e um kit básico para usar em caso de ‘acidente’”.

Entre diversas psicoterapias possíveis, a investigadora Inês Trindade afirma que as que “têm maior eficácia demonstrada, e por isso mais recomendadas, são as terapias cognitivo-comportamentais, incluindo as de terceira geração”. “Baseiam-se, por exemplo, no treino de aceitação e de mindfulness, assim como na identificação e implementação de estratégias comportamentais que nos ajudam a viver uma vida plena e que nos faz sentido, mesmo em contexto de doença”.

Uma doença ainda pouco conhecida
Muitas vezes, estes doentes são confrontados com “um desconhecimento geral” sobre a doença”, diz Jorge Ascensão, frisando que uma das missões da APDI é justamente esclarecer a população. Gabriel Pinto, de 22 anos, passa frequentemente pela experiência. Quando conta, pela primeira vez, a alguém que sofre de Doença de Crohn, costuma ouvir comentários como: “Isso é tudo psicológico. Vais ver que passa”, “Se tomares umas vitaminas, deixas de ter dores de barriga”, ou ainda “Basta deixares de comer fast food e ficas bem”.

Noutros casos, a falta de informação e o estigma associado à doença acabam por condicionar a vida social. “Sinto que alguns dos meus amigos se preocupam demasiado e, numa viagem longa, por exemplo, me perguntam se tenho a certeza que é seguro ir”, conta Gabriel Pinto, assumindo o desconforto com este tipo de questões.

O professor de teatro tinha 19 anos quando começou a ter os primeiros sintomas. “Em março de 2020, comecei a ter muitas dores de barriga. Emagreci 15 quilos. Os médicos começaram por me dizer que era intolerante à lactose, depois ao glúten. Só um ano e quatro meses depois é que detetaram o que de facto tinha”, recorda, contando que, sobretudo nos primeiros tempos, sofreu de ansiedade “por não saber nada sobre a doença”. “Os médicos que me acompanharam ajudaram-me bastante”, conta o jovem, que neste momento tem a doença “relativamente controlada” graças ao tratamento biológico que faz.  “Fui recentemente operado a uma fístula [comunicação anómala entre duas ou mais estruturas do corpo]. Recuperei bem e voltei à vida normal.”

Poucos especialistas

Jorge Ascensão, psicóloga da Associação Portuguesa da Doença inflamatória do Intestino (APDI), alerta para o número insuficiente de psicólogos no serviço nacional de saúde (SNS) que possam acompanhar quem sofre de doença inflamatória intestinal.  “A APDI, desde o primeiro dia, disponibiliza aos associados e familiares acompanhamento psicológico. Nos últimos anos, temo-nos dedicado também à formação de jovens psicólogos nestas patologias”.

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