É ano de festa para toda a família Delta. Calharam dois aniversários redondos na mesma altura: o sexagésimo do grupo Delta e o nonagésimo do seu fundador: Rui Nabeiro. O único azar foi o tempo ser de pandemia. Não fosse isso e haveria abraços, festas, talvez até uns passos de dança… Mas criatividade para resolver problemas é coisa que não falta na Delta, ou não fosse isto o grupo de Rui Nabeiro – já lá vamos.
A Delta Q (empresa do grupo dedicada ao segmento do café em cápsulas) preparou uma homenagem especial em duas partes. Por um lado, criou o blend Comendador Collection, feito ao gosto de Rui Nabeiro, com grãos originários da região costa-riquenha de Tarrazu e em Java, na Indonésia, e que resulta num café encorpado, rico em notas de cacau, chocolate e avelãs torradas. Por outro lado, a empresa pensou numa forma de fazer chegar a Rui Nabeiro o carinho das pessoas: criou o site 90AnosComendador.mydeltaq.com, onde qualquer pessoa poderá deixar uma palavra de apreço pelo homem que fundou a Delta.
Uma celebração palavra por palavra que, ao jeito do Comendador, promove a empatia e a partilha. Para que nenhuma palavra fique por dizer e nenhuma história fique por contar.
E histórias é o que não falta. Quando era pequeno, a mãe dizia às vizinhas que podiam chamá-lo sempre que precisassem de ajuda ou de um recado feito. Até o peixeiro o recrutava quando tinha mais trabalho que mãos. Às vezes ganhava uns tostões que guardava num mealheiro. Esse mealheiro ainda existe e hoje, quando os bolsos pesam e chocalham mais que o necessário, é para lá que o Comendador os esvazia. Quando fica cheio, o valor vai para alguém que precise. Este espírito de serviço e de partilha é um dos muitos aspectos da vida e do carácter de Rui Nabeiro que se celebra em 2021.
A vida, não é segredo para ninguém, começou modesta. Para ele e para quase todos os que nasceram e viveram em Campo Maior na década de 1930. O pai trabalhava de dia como motorista, e de noite tomava conta do filho do patrão, com problemas psiquiátricos. Passava meses sem ver os filhos. Mas, por conta disso, quando muitos ainda andavam descalços, as crianças Nabeiro tinham sapatos. E com o fruto do trabalho do marido, a mãe também conseguiu abrir uma pequena mercearia e charcutaria. O pequeno Rui começou a trabalhar aos nove anos. Primeiro a ajudar a mãe (e quem mais dele precisasse) e depois o tio, irmão do pai, que transportava e negociava café em Espanha.
O tio foi fazendo contas à vida e percebeu que em vez de vender café verde, podia torrá-lo em Portugal e fazia mais dinheiro. Um dia trouxe de Madrid um encarregado de uma torrefacção que o ajudou a montar uma pequena fábrica. Começou num quintal, mas foi o início de um império. O pai de Rui Nabeiro entrou no negócio com o irmão, mas morreu novo e, aos 17 anos, o futuro Comendador teve de assumir a quota da família.
A produção ia toda para Espanha, mas Rui Nabeiro acreditava que havia mercado em Portugal e foi acalentando essa ideia. Criou a Delta em 1961, com três funcionários que estavam a receber da reforma, o que calhava bem porque Nabeiro não podia pagar muito. Ele próprio sustentava a sua casa com o cargo que mantinha na Camelo, a empresa da família, e acumulou funções na Delta até conseguir dedicar-se a 100%. Como as horas não esticam, levantava-se às três e meia da manhã todos os dias. Hoje tem quase quatro mil empregados, sabe o nome de todos e nunca despediu ninguém.
Entre uma coisa e outra, não faltam episódios audaciosos. Em 1975, quando toda a gente regressava de Angola, Rui Nabeiro foi lá e comprou todo o café que conseguiu. Ao mesmo tempo que o fazia, passava despercebido, debaixo do radar dos grandes negociantes. Subvalorizavam-no. Era só um alentejano, não ia muito longe. Engaram-se. Mais tarde houve falta de café, mas Nabeiro tinha o armazém cheio. Quiseram comprar-lho, e com grande margem, mas ele não vendeu. Aproveitou o momento para impulsionar a sua marca.
A força da empatia
Em todas as entrevistas que dá, Rui Nabeiro reforça a importância de se aproximar das pessoas, de as ouvir e de se compadecer com os seus problemas. E porque a empatia é como um boomerang, isso ajudou-o em Angola, num momento em que para outros teria sido difícil lá entrar, para ele foi fácil porque quando visitava as fazendas dormia lá, no meio dos cafezais, com os trabalhadores. Sempre tratou bem as pessoas e elas não se esqueceram.
A facilidade com que cria laços de confiança serviu-o múltiplas vezes ao longo da vida. Certa noite recebeu um telefonema de um indivíduo que tinha trabalhado no Banco Nacional Ultramarino de Campo Maior. Disse-lhe que tinha acabado de sair de uma reunião com Xanana Gusmão e que este tinha café que queria vender, mas não sabia como. Nabeiro pediu amostras, mas, como não lhas conseguiam fazer chegar, decidiu ir ele a Timor. Dessa viagem guarda um episódio que o diverte: quando o jornalista da VISÃO chegou ao território, pouco depois da libertação, estava convencido que era o primeiro e ficou atónito quando deu de caras com o Comendador, de mangas arregaçadas.
É frequente ouvi-lo desabafar que quase todos os dias lhe pedem emprego. E nunca diz não a ninguém. Também não pode dizer que sim a todos, note-se. Mas ouve-os, dá-lhes coragem, ânimo, diz-lhes que vão conseguir construir o seu próprio caminho. Numa cerimónia de celebração do seu 90º aniversário, a 28 de Março, disse o seguinte: “O mundo só é possível se conseguirmos todos, e cada um, dar o que se pode. Uns darão trabalho, outros darão meios, outros seguirão da forma mais capaz. Mas sempre com um sorriso e sempre com um dever cumprido.”