Lucília Gago está “intimada” para ir ao Parlamento com “caráter de urgência” para falar “sobre a apresentação institucional do relatório anual de atividades do Ministério Público”. É com este pretexto redondo, vago e de certo modo enigmático que o Bloco de Esquerda, partido autor da iniciativa, justifica a chamada da procuradora-geral da República à AR. Os partidos contorcem-se nas cadeiras, receosos de serem acusados de pôr em causa a separação de poderes. A fórmula arrevezada que o Bloco inventou para justificar a chamada da PGR foi uma maneira de contornar essas suspeitas. E Lucília Gago, que prontamente aceitou o convite, pede que se espere até que o relatório de atividades de 2023 fique pronto, “daqui a escassas semanas”. (Daqui a escassas semanas, lá para agosto, oito (!) meses depois de 2023 ter terminado!…). Ou seja, não pretende falar do que interessa. Ora, como dizia Paulo Mota Pinto, ex-presidente do grupo parlamentar do PSD, professor catedrático de Direito e ex-juiz do Tribunal Constitucional, no podcast da VISÃO, Golpe de Vista, “à política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça, mas tem de haver uma política de Justiça!”. Ou seja, estes pruridos, complexos e pezinhos de lã dos partidos – que só se justificam se tiverem alguma coisa a temer – na sua relação com a Justiça, em geral, e com o Ministério Público (MP), em particular, não servem o interesse nem da nação, nem do povo que representam, nem da democracia. O PAN juntou aos motivos do Bloco a necessidade de se ouvir a PGR sobre as quebras do segredo de Justiça, o que desde logo foi apontado como estando no limite, visto que isto obrigaria Lucília Gago a falar de casos concretos. Alegadamente, a PGR não é ali chamada para se pronunciar sobre casos em concreto. Ora, se não se pronunciar sobre casos em concreto, vai pronunciar-se sobre o quê? Esta iniciativa é bastante temerária, porque o tiro dos deputados pode sair-lhes pela culatra. Lucília Gago pode esvaziar a audição, em nome do segredo da investigação e… pronto. Já ninguém lhe pode exigir mais esclarecimentos. Por assim dizer, arruma a questão. Pelo que a audição deve ser preparada muito mais profissionalmente, pelos parlamentares, do que é usual, nestes casos.
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