O presidente turco Recep Tayyip Erdogan é um homem de jogadas arriscadas e com uma capacidade ímpar de negociação – além de ter a fama (e o proveito) de ser implacável para com os seus adversários. É graças a essas caraterísticas que se mantém há quase duas décadas no poder, esmagando a oposição interna, e continua a conseguir sobreviver a uma economia caótica, em que a inflação ultrapassou, em setembro, os 80 por cento. Tem ainda uma capacidade rara, nos tempos conturbados em que vivemos: é um aliado de Washington (como membro da NATO) e é visto como um “amigo” por Moscovo, além de um parceiro firme – nomeadamente na questão dos refugiados – da União Europeia. Foram esses atributos que o tornaram central, por exemplo, no acordo que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, conseguiu firmar entre a Ucrânia e a Rússia para a saída dos navios carregados de cereais, desde a zona de conflito.
É com este “currículo” que Erdogan vai estar hoje no centro das atenções mundiais, ao reunir-se com Vladimir Putin, em privado e olhos nos olhos, em Astana, à margem de uma cimeira regional na capital do Cazaquistão. O encontro ocorre num momento crucial do conflito na Ucrânia, com a escalada da guerra, e depois de 143 países terem condenado, ontem, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a anexação das regiões ucranianas decretada pela Rússia. Mas também após Vladimir Putin ter afirmado, igualmente ontem, que a Rússia planeia construir mais gasodutos através do Mar Negro para desviar os fluxos de gás natural que costumavam transitar no Nord Stream e, dessa forma, passar a abastecer os seus clientes europeus através da Turquia.