O caso foi apresentado por Rui Rocha da Iniciativa Liberal: “É uma trabalhadora com 1100 euros brutos de salário, trabalhou intensamente durante um ano, foi produtiva, esforçada, atingiu os seus objetivos e, portanto, a entidade patronal atribuiu-lhe um aumento de 100 euros brutos. O custo deste aumento de 100 euros brutos são 123,75”, começou por destacar Rui Rocha.
“Vamos ver como é que se dividem estes 123,75 euros: para a Maria vão 60 euros e para o Estado vão 63,11 euros. Isto quer dizer que o Estado leva mais do que a Maria”, disse o líder dos liberais.
Em resposta, o primeiro-ministro veio corrigir as contas da IL, dizendo que, de acordo com as novas tabelas de retenção na fonte que entraram em vigor no início de Julho, do aumento de 100 euros da Maria, apenas 11 euros vão para IRS e 11 euros vão para a TSU do trabalhador, ou seja, são apenas 22 euros.
Afinal, quem tem razão?
As contas da IL
Pedida a explicação à Iniciativa Liberal, apresentou os seguintes cálculos, tendo por base as simulações do site Doutor Finanças.
Quando ganhava 1100 euros brutos, a Maria auferia um salário líquido de 856,59. Quando foi aumentada para 1200, passou a receber um valor líquido de 856,59. Ou seja, teve um aumento de rendimento líquido de 60,64 euros. Já a empresa tinha um custo de 1361,25 e passou a ter um custo de 1485 euros. Ou seja, uma diferença de 123,75 euros.
A conclusão retirada é que o Estado passou a receber 63,11 euros, calculados a partir dos 123,75 euros de custo para a empresa menos os 60,64 auferidos pela Maria. Segundo a IL, estas contas já apresentam as novas taxas de retenção.
As contas do primeiro-ministro
António Costa destacou, no debate, o facto de as tabelas de retenção na fonte terem mudado em Julho, de forma a beneficiar os contribuintes.
Com efeito, a medida anunciada em no Orçamento deste ano incluía um mecanismo de salvaguarda aplicado a partir da segunda metade de 2023 e visa evitar corte do rendimento líquido a quem teve aumento salarial. Introduziu uma lógica de progressividade (com taxas marginais) nas tabelas de retenção na fonte, semelhante à lógica do imposto, evitando que o aumento salarial só fosse refletido no bolso do trabalhador no momento da liquidação de imposto, isto é, no momento do reembolso no ano seguinte, por conta de um modelo anterior de taxa fixa sobre cada escalão de rendimento.
Porém, o primeiro-ministro interpretou o caso com tratando-se de um aumento de 1000 para 1100. Rui Rocha disse “é uma trabalhadora com 1.100 euros brutos de salário”, no presente, referindo-se depois ao aumento no passado, logo a leitura pode ser ambígua. Ou seja, o PM entendeu que os 1100 apresentados seriam já com o aumento de 100 euros.
De acordo com as novas regras de retenção na fonte, num salário de 1100 euros, cada euro de rendimento pagam 0,11 cêntimos de imposto. “Dos 123 euros de custo acrescido da empresa – tirando os 23 euros que são as contribuições sociais da entidade empregadora –, 11 euros vão para IRS e 11 euros vão para a TSU do trabalhador. É isto que sai do salário do trabalhador para estes 100 euros de aumento: 22 euros e não o valor que estava a apresentar”, diz o gabinete.
“Daí que a forma como a IL apresentou o caso era enganador: que aqueles 100 euros do trabalhador tinham uma distribuição para o Estado maior (acrescido ainda nas contribuições sociais das empresas) do que aquela que realmente resulta de se considerar todo o rendimento”, concluem.
Porém, para um aumento de 1100 para 1200, as contas seriam outras.
O que dizem os especialistas
Ana Castro Gonçalves, advogada, fiscalista e sócia da Caiado Guerreiro, explica que o aumento de €100 no salário bruto de um trabalhador, apesar de implicar sempre o aumento da despesa para o empregador no montante de €123,75, terá necessariamente impactos diferentes no salário líquido recebido, desde logo porque a tributação assenta em taxas percentuais e progressivas. Paralelamente, também terá um impacto distinto na receita fiscal arrecadada pelo Estado, em cada situação concreta.
“Vejamos, no exemplo discutido ontem na Assembleia da República – salário bruto do trabalhador aumenta €100, de €1100 para €1200 – o empregador vai despender mais €123,75, o trabalhador vai receber mais €60,64 e o Estado vai arrecadar mais €63,11”. “São estes os valores que resultam da aplicação do novo modelo de retenção na fonte, bem como da contabilização das contribuições e quotizações para a Segurança Social, que se mantém inalteradas”, afirma.
Porém, atentemos a um outro exemplo – salário bruto do trabalhador aumenta €100, de €950 para €1050 – neste caso o empregador continua a despender mais €123,75, mas o trabalhador vai receber mais €65,20 e o Estado vai arrecadar mais €58,55. E podemos continuar a simular, que vamos ter sempre resultados diferentes, consoante o caso concreto – no caso de um salário bruto que passa de €1750 para €1850, o empregador vai despender mais €123,75, o trabalhador vai receber mais €54 e o Estado vai arrecadar mais €69,75.
“Como se constata, o funcionamento do nosso sistema fiscal tal como é, não permite determinar de forma generalizada, que num aumento salarial de €100, X é recebido pelo trabalhador e Y é arrecadado pelo Estado. Depende sempre da situação concreta. Refira-se, em qualquer caso, que no exemplo discutido na Assembleia da República, caso fossem aplicadas as regras do 1º semestre de 2023, o trabalhador veria o acréscimo líquido no seu salário ser ainda menor, recebendo apenas mais €53 (por oposição aos atuais €60,64)”, esclarece.
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CONCLUSÃO: Enganador
É verdade que as novas tabelas beneficiam o trabalhador. Mas o primeiro-ministro fez contas a um valor distinto, um aumento de 1000 para 1100 euros. Na versão de 1100 para 1200 euros, os valores divergem dos que apresentou. Dos 100 euros de aumento, a Maria receberia 60,64 euros líquidos, e despenderia 39 para o Estado. A empresa gastaria mais 23 euros de contribuição social. Ou seja, dos 123 euros de custo para a empresa, Rui Rocha tinha razão: 60 euros vão para a Maria e para o Estado 63,11.