A operação às amígdalas não era novidade para José Couceiro da Costa, 48 anos. Os seus três filhos mais velhos já tinham passado por ela e, agora, era a vez do mais novo. Contudo, não foram precisas nem 24 horas para a família perceber que desta vez seria diferente. Pouco tempo depois da cirurgia, o pequeno Fernão, de 2 anos, estava com dificuldades respiratórias e, ao início da madrugada, seria transferido do hospital privado onde fora operado para a unidade de cuidados intensivos pediátricos do Hospital de Santo António, no Porto. “Quando lá entrei senti-me no meio do nada, como muitos pais se sentem perante situações destas”, recorda o gestor, presidente de uma empresa da área da hotelaria sediada em Guimarães, onde vive. A expressão “no meio do nada” não a utiliza por acaso. É esse o nome da associação presidida pela enfermeira Teresa Fraga, um dos elementos da “equipa inexcedível” que José Couceiro da Costa encontrou no hospital público naquele mês de novembro de 2013. A No Meio do Nada apoia crianças, e as suas famílias, que por algum motivo passam por cuidados intensivos neonatais ou pediátricos. O apoio pode ser dado, por exemplo, através de cabazes alimentares, ajuda monetária ou material técnico.
Durante os dois meses que José Couceiro da Costa e a mulher “viveram” no hospital, a amizade com a enfermeira Teresa Fraga foi crescendo; o gestor chama-lhe “a mais recente amiga de infância da família”. Durante esse período, testemunhou o trabalho da No Meio do Nada e, quase sem dar conta, começou a ajudar. Enquanto guardava o filho adormecido – Fernão esteve 55 dias em coma – o telefone era a sua arma: “A Teresa dizia que precisavam de iogurtes e eu através dos meus contactos resolvia. Aos poucos, fui conseguindo mais coisas. Era uma forma de retribuir um pouco do muito que estava a receber”, explica. Acabaria convidado para fazer parte da associação. Hoje é o seu diretor financeiro. À chegada, envolveu-se de imediato no projeto mais grandioso da organização: o Kastelo, uma unidade de cuidados pediátricos pioneira em Portugal, que custou €2,3 milhões, inaugurada este ano em S. Mamede de Infesta. Com capacidade para 30 crianças, apenas 20 camas estão contratualizadas com a Administração Regional de Saúde do Norte, as outras estão disponíveis para serem apadrinhadas por particulares ou empresas. José está lá três a quatro vezes por semana. Hoje, Fernão tem 5 anos e nenhuma sequela. “Nunca retribuirei tudo o que recebi”, sublinha José, antes de concluir: “Eu vi um filho quase morto e agora tenho um filho vivo”.
SALVAR PELA EDUCAÇÃO
O silêncio foi o que mais perturbou Alexandra Borges, 48 anos, à chegada ao Lago Volta, no Gana. A jornalista da TVI estava lá a fazer uma reportagem sobre a escravatura infantil associada à pesca na região. Ao ver as crianças trabalharem em silêncio, sentiu que “a ausência da sua infância era ensurdecedora”. Começou por resgatar três crianças das mãos dos traficantes e pagou-lhes a educação do seu próprio bolso. Estava dado o primeiro passo para a criação da IPSS Filhos do Coração, já com sete anos de existência. Em parceria com a ONG americana Touch a Life Kids, resgataram 95 crianças e albergam 78 no centro de acolhimento que gerem em conjunto. Uma das prioridades de Alexandra é a angariação de fundos, essencial para suportar os custos da educação das crianças. Um projeto de agricultura local e um atelier de costura contribuem para a sustentabilidade, mas em breve vai lançar mais um livro para angariar fundos. Hoje, é o próprio governo ganês que resgata crianças e as entrega às instituições. “Quando eu cheguei havia milhares de crianças escravas, hoje são centenas”, esclarece.
Apesar das boas relações com o atual governo, o regresso de Alexandra ao Gana não é seguro devido aos estragos que provocou no negócio do tráfico de crianças. Mas a Filhos do Coração organiza duas missões no terreno por ano e está em contacto permanente com os técnicos locais. A primeira criança resgatada é hoje um adolescente de 16 anos a frequentar o liceu. Ao apelido Queitey, juntou o nome Alex para homenagear a “mulher branca” que o salvou. Alexandra sonha com o dia em que os seus gémeos de 12 anos vão jogar futebol com Alex e os outros meninos a quem ajudou a resgatar a infância.
A fronteira da humanidade
Elisabete Maisão, 41 anos, lembra-se de se sentir sufocar com o gás lacrimogéneo. Era a resposta habitual da polícia sempre que os refugiados do campo de Calais, no norte de França, tentavam atravessar o Canal da Mancha para chegarem ao Reino Unido. Foi o único momento em que teve medo. A fotógrafa profissional tinha chegado a Calais em novembro do ano passado para uma estada de quatro dias no âmbito do projeto de uma amiga cabeleireira que a convidou a fotografar cabelo à volta do mundo. Mas na hora de voltar a casa sentiu que “nada era mais importante do que estar ali”.
Passou um mês em Calais. Fez triagem de roupa, distribuiu comida, ajudou famílias a terem botijas de gás e levou doentes ao médico. Pelo meio, fotografava sempre que podia. Pouco tempo depois, seria convidada por uma ONG francesa para fazer um périplo por vários campos de refugiados. Alemanha, Bélgica, Eslovénia, Sérvia e Grécia foram alguns dos países por onde passou. Conheceu quem se tivesse perdido da família durante a fuga e ainda transportou ilegalmente um grupo de jovens afegãos para o campo grego de Idomeni. “Alguns deles estão agora na Bélgica”, conta, orgulhosa. Quando regressou a Portugal, no início deste ano, o sentimento de impotência era grande e leiloou algumas das suas fotografias para pagar a viagem de regresso a Idomeni, onde passou o mês de maio. O campo seria evacuado pela polícia e, mais uma vez, além do trabalho de voluntária, Elisabete estava pronta para fotografar (e denunciar) eventuais episódios de violência. Uma missão que só foi possível com a ajuda de uma família síria que a ajudou a disfarçar-se de refugiada para circular à vontade no campo. Voltou à Grécia no mês passado, mas sonha ajudar na Síria. Para já, sabe que não será possível. Até ao final deste ano, planeia ir ao Líbano, Jordânia ou Palestina. “Não consigo voltar à vida normal enquanto tudo isto acontece. Tenho de continuar a fazer este trabalho”.
Agir na catástrofe
Também Lourenço Macedo Santos, 36 anos, e Pedro Queirós, 35 anos, sentiram que não podiam parar depois de assistirem ao terramoto que devastou o Nepal a 25 de abril de 2015. Nesse dia, a viagem de sonho dos dois amigos pelo sudeste asiático seria abruptamente interrompida. Comprar 400 bananas e 50 quilos de arroz com o dinheiro que lhes restava foi o primeiro gesto que ajudou a desencadear a onda de solidariedade “Obrigado Portugal” através das redes sociais. “No Facebook, explicávamos o que estávamos a fazer, mostrávamos as faturas do que comprávamos e pedíamos aos nossos amigos para apoiarem”, explica Lourenço. O apelo tornou-se viral e a ajuda começou a chegar. O regresso a casa foi sendo adiado porque não podiam “abandonar o Nepal”. A arquiteta Maria da Paz juntou-se ao grupo e ajudou-os na concretização do Projeto Saudade, uma aldeia com 22 casas. A cargo do movimento ficou também o Campo Esperança, onde estão instalados 350 desalojados. Atualmente, aguardam o fim das monções para iniciarem a construção da Our Dream Village (a nossa aldeia de sonho), com 222 casas, escola e centro de saúde. A grandiosidade do projeto levou-os a oficializar a Associação Obrigado Portugal no final do ano passado. Ainda não têm os €4,5 milhões necessários para a obra, mas a angariação de fundos não vai parar. A formação em gestão dos dois amigos tem-lhes sido útil e, apesar da vida profissional estar em espera, este é “o melhor MBA em gestão e na vida” que podiam ter.