Lars Mehlum esteve em Portugal para apresentar a Terapia Comportamental Dialética (TCD) a um grupo de psiquiatras e psicólogos hospitalares, como forma de tratamento de pessoas com tendências suicidárias e personalidades borderline (comportamento marcado pela impulsividade e instabilidade dos afetos). A estratégia poderá ser seguida pela Eutimia organização não governamental portuguesa de prevenção do suicídio. O psiquiatra, de 58 anos, que a todos os seus doentes dá o número de telemóvel, mostrando-se disponível 24 horas por dia, fundou o Centro Nacional para a Prevenção e Pesquisa do Suicídio da Universidade de Oslo, na Noruega, e tem dedicado a sua vida ao estudo deste fenómeno. Uma conversa com vista sobre o mar da Praia Grande, em Sintra.
> Um dos seus lemas é ‘competências em vez de medicamentos’. Não prescreve comprimidos?
Claro que sim! Sou psiquiatra. Mas, para certos casos, os comprimidos não são a solução.
> Que casos?
Deve conhecer pessoas que são problemáticas, difíceis, temperamentais, que entram em discussões, dramáticas, com humor oscilante. Podem ser uma boa companhia, mas também muito exigentes porque vivem a vida em extremos, a preto e branco. Chamamos-lhe personalidade borderline. Nestes casos aplico a Terapia Comportamental Dialética (TCD), na qual ensino as pessoas a sobreviverem às suas próprias emoções. É uma psicoterapia, individual, mas também ensinamos o paciente a lidar com as suas emoções negativas, os conflitos com os outros e também com a necessidade de se automutilarem ou até de matar. Alguns sobreviventes de suicídio têm recaídas em que fazem mal a si próprios, cortando-se ou intoxicando–se. Nestas pessoas, a mortalidade é muito elevada. Trata-se de um problema grave, que atinge adolescentes e adultos até aos 30, 40 anos. Ajudamos os pacientes a usar o que aprenderam para saírem das crises e poderem ter vidas estáveis.
> De que forma?
Há várias formas. O importante é que se distraiam. Podem sair à rua, sentir o vento na cara, ouvir música. Usar os sentidos. Ensino uma técnica aos meus pacientes, para usarem quando passam por emoções negativas: ir à cozinha, encher um recipiente com água gelada, respirar fundo e mergulhar a cara na água, ficando assim durante uns 20 segundos. A cara toda, não apenas a ponta do nariz. Ao fazer isto, ativamos aquilo a que chamamos o reflexo de mergulho. Baixa a pulsação, o ritmo cardíaco e as hormonas de stresse. Conseguimos tudo isto através de uma resposta fisiológica, sem comprimidos. É apenas um exemplo. Precisamos de uma bateria de soluções porque as pessoas são todas diferentes. Também aplico a TCD a pessoas com tendência para o suicídio e seus sobreviventes.
> O que condiciona as taxas de suicídio num país?
Na Noruega estamos a meio da tabela europeia, próximos da Alemanha e da França.
Mas já a Finlândia ou a Rússia, nossos vizinhos, têm valores muito mais elevados.
E os países da Europa de Leste têm taxas elevadíssimas. Esta questão está relacionada com questões culturais, sociais.
Pensamos que no Sul da Europa há mais apoio social, a estrutura familiar é mais forte. Outro fator é o acesso a armas de fogo. Isto condiciona muito vejamos os Estados Unidos, onde há uma grande prevalência do suicídio. Outra questão é a diferença de género. Na Europa de Leste é muito mais elevada nos homens, na China e na Índia é muito superior nas mulheres.
Em Portugal, pelo que sei, a taxa aumenta com a idade. Na Noruega não, é ao contrário, diminui presumivelmente devido aos apoios que há na velhice.
> O que determina a forma como as pessoas reagem a um problema?
Pensamos que é uma combinação de fatores, onde a genética tem um peso forte.
Há pessoas mais sensíveis, empáticas, que sabem ler os outros. Mas se estas pessoas crescem em ambientes menos adequados, com pais que não os percebem, tratando-os como se fossem robustas, desenvolvem-se estes problema de regulação das emoções, que começam na adolescência e vão até à idade adulta. É preciso que os pais tratem os filhos de acordo com as suas características. Não se deve obrigar uma criança mais sensível a ser robusta e dura.
> Quais são os sinais de alarme?
Os pais devem estar atentos a sinais de depressão ou mudanças de comportamento inexplicáveis, em que não conseguem chegar ao fundo da questão, mesmo perguntando.
Pode ser um indicador de mudança.
Mas o que por vezes acontece é os pais estarem demasiado próximos e normalizarem a patologia. E podemos estar perante um adolescente que se corta ou que está a consumir drogas.
> O que leva alguém a querer fazer mal a si próprio, cortando-se?
É o mesmo que com as drogas ou as perturbações alimentares. Sentem alívio. Pode ser pela dor física ou por verem o sangue a correr pelo braço como se as emoções negativas se esvaíssem também. Não conheço ninguém que não sinta dor. Mas há pessoas que conseguem confortar-se sozinhas, outras que não. Para alguém que se corta é muito difícil evitar fazê-lo como um viciado em drogas. A primeira coisa a fazer é eliminar todos os objetos cortantes da sua vista. Aos meus pacientes dou sempre o meu número de telemóvel e estou disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana. Prefiro que me liguem numa crise, se não conseguirem sozinhos evitar cortar-se. E ao telefone eu conduzo-os.
> Há ainda um forte estigma, no que se refere à doença mental.
É verdade. Na Noruega percorremos um longo caminho. Foi muito importante a atitude de um ex-primeiro-ministro que admitiu publicamente sofrer de depressão [Kjell Magne Bondevik, em 1998, o primeiro líder mundial a fazê-lo]. Ficámos chocados com a sua abertura. Mas foi determinante e tornou-se quase uma moda, e então diretores de empresas e pessoas reconhecidas começaram a fazê-lo também.
Talvez fosse importante que uma celebridade em Portugal o fizesse.
> Um jogador de futebol, por exemplo.
Exato. Não é que seja uma coisa boa, obviamente.
Mas o estigma é a última coisa de que a pessoa com depressão precisa.