Há dois anos iniciei uma relação amorosa. Nessa altura ele deixou de fumar, mas alguns meses depois teve uma recaída. Desde aí não fuma diariamente, mas sim esporadicamente, em convívio com os amigos, com semanas de intervalo.
Contudo, gostaria que ele deixasse de fumar definitivamente, mas não sei como abordar o assunto nem como devo agir quando ele fuma, pois nessas situações tenho tendência a ficar chateada e mal-humorada.
Ele diz que nunca foi dependente mas depois tem este comportamento. Fico triste e preocupada, pois conheço bem os malefícios e penso que o facto de ele fumar de vez em quando aumenta a probabilidade de voltar a fumar diariamente.
Como devo abordar o assunto? Como agir perante a situação?
Começo com uma questão: ele deixou de fumar porque assim o entendeu ou por ser essa uma condição para avançar na vida a dois? Tratando-se de dois adultos, cada um tem a responsabilidade pelas suas escolhas e se a leitora fica “chateada e mal-humorada” por ele não ter abandonado o hábito em definitivo, está na altura de levantar uma nova questão.
É legítimo que lhe desagrade o comportamento dele, por não corresponder às suas expectativas ou ao ideal de homem que construiu acerca dele. No caso, seja o tabaco ou outra coisa qualquer, deverá ele pautar as suas escolhas pelo que a companheira quer, gosta ou não gosta?
Nesta ou noutras áreas da vida conjugal, está implícito algum grau de cedência e de negociação, já que viver em conjunto requer a adaptação a aspetos do outro de que não se gosta e vice-versa. Porém, o receio que apresenta sugere que o seu companheiro não tem capacidade de controlar impulsos, que desconhece os efeitos do consumo regular do tabaco na saúde e, à semelhança de um filho que se tem em casa, precisa ser convencido e avisado, quem sabe até, “castigado”, se não entrar na linha, por assim dizer.
Caso o seu companheiro deseje efetivamente manter o hábito, poderão chegar a um consenso em relação, por exemplo, às áreas da casa onde o poderá fazer, ou quando, tendo em conta que tal lhe desagrada e os seus direitos, enquanto não fumadora.
Se ele acha que tem de deixar o “vício” (por enquanto estamos a falar de fumar ocasional) mas não o quer realmente fazer, é uma coisa. Se ele o quer fazer de facto, em nome da promoção da saúde dele, é provável que a sua melhor ajuda seja a de não interferir ou pressionar, nem tampouco dar ouvidos a eventuais queixas dele por não estar a conseguir faze-lo sozinho, como se não tivesse capacidade para pedir ajuda específica.
A título informativo, o coaching, a programação neurolinguística e a hipnose clinica são métodos de mudança comportamental que podem facilitar a transição do perfil de “fumador” para o de “não fumador”. Ainda assim, cabe ao visado perceber se quer essa ajuda e, acima de tudo, se precisa dela. Ou se esse gesto (o de fumar quando está com amigos) é também uma forma de afirmar a sua própria liberdade, num contexto que não é o da relação conjugal.
Talvez o tabaco seja o “sintoma” de um mal-estar comum. Hoje pode ser o tabaco, amanhã o ressonar, ou o ler/ver futebol antes de ir para a cama… Se for este o caso, talvez faça sentido que ambos redefinam as margens de liberdade e de poder no relacionamento, por forma a aceitarem o que não podem (nem devem) mudar um no outro e aceitarão, dentro dos limites do que consideram razoável para ambas as partes poderem conviver com as diferenças individuais, sem que a relação fique em xeque por isso.
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara