O comum dos mortais desanimaria perante as necessidades colossais com que é confrontado, tendo ao dispor tão parcos recursos. Mas este homem franzino, de 46 anos, não se deixa vergar pelo desânimo e consegue manter o sorriso, acreditando sempre na existência de uma solução. “Vamos ver, vamos ver…”, repete aos moradores, que confiam cegamente nele. Sabem bem que, a haver hipótese de receberem ajuda, será pela sua mão. Chalana, como é conhecido, tornou-se perito em driblar as dificuldades.
Escusado será dizer que tem muitos amigos no Porto. E inimigos. A sua dedicação revela, demasiadas vezes, as incompetências de outros.
Mestre em Sociologia, assume-se comunista, com uma visão não assistencialista da pobreza.
Mas não diaboliza os subsídios sociais. Sobretudo nesta época de crise, que faz a fome roer os estômagos de cada vez mais pessoas. “Agora, para fazerem uma refeição de carne, alguns dos meus utentes vão, de forma envergonhada, ao fim do dia, bater à porta do dono do talho, pedir aparos, a carne que se dá aos cães…” Por isso, lamenta “a estigmatização de quem recebe o rendimento social de inserção”, e os “cortes cegos” de quase 20% de beneficiários, no último ano. Como não quer assinar por baixo das “políticas de austeridade”, trabalha muito além das horas que lhe são pagas. Naqueles bairros, o Estado não é uma entidade abstrata, tem um rosto o seu. E ele não vira a cara à luta.
Só há uma condição de que não abre mão, a bem da sanidade mental: não tem telemóvel. “Então é que deixava de ter vida!”, diz, divertido. Quando está em casa, desliga-se do resto. A mulher e as duas filhas agradecem. Mas Chalana parece ter descoberto o segredo para multiplicar as horas do dia.
Ainda arranja tempo para tocar numa banda rock na prisão de Custóias e para ser voluntário na associação Cor é Vida, arrancando sorrisos às crianças doentes. É quando põe o nariz vermelho de palhaço e entra pelas enfermarias, de viola em punho, que mais se sente vivo.
Diz-se “um privilegiado por ser feliz ao fazer felizes os outros”.
IDEIA EXTRAORDINÁRIA
É preciso ouvir as pessoas, acarinhá-las e acreditar nas suas capacidades
MÃOS À OBRA
Passa dois dias por semana no terreno, ouvindo os moradores da freguesia mais pobre do Porto
(Texto originalmente publicado na edição de 10 de maio de 2012 da revista VISÃO)