Encontrei-me com um ex colega de trabalho que já não via há muito tempo. É um pouco mais velho que eu e sempre senti um “fraquinho” por ele. O lanche prolongou-se pela noite, à mesa de um restaurante, num ambiente promissor. Na hora de chegar a conta, ele fez o cálculo a dividir por dois. Esperava que ele se oferecesse para pagar, até por uma questão de cortesia. Fiquei desapontada e despedi-me dele pouco depois. Numa situação de flirt, ser o homem a oferecer faz parte do jogo. Costumo propor pagar a meias a uma oferta deste tipo, embora aceite a oferta quando quem está comigo leva a mal a minha sugestão. Faço-o também, não por precisar, mas por apreciar o gesto de cavalheiro, que não tem preço. Estou a exagerar ou há algo aqui que me escapa?
Gisela, 32 anos
Ser homem pode significar muitas coisas e ter gestos de cavalheiro talvez não seja uma delas. Pelo menos, de uma forma inequívoca, como sucedia há algumas décadas. Com a igualdade de género, os papéis tradicionalmente assumidos no feminino e no masculino começaram a tornar-se mais fluidos, criando situações novas e ambíguas. Como a de quem deve pagar a conta num encontro especial.
A chave para o seu desapontamento parece estar no seu ideal romântico. Um gesto de cortesia pode não ter preço, mas quando há uma intenção de algo mais, será mesmo só “um jantar grátis”? Quando alguém se propõe a pagar-lhe algo – revelando, implicitamente, o interesse que tem em si – o que é suposto dar-lhe em troca? Até que ponto se sente confortável na posição em que se coloca (poder ter a iniciativa mas preferir que a tomem por si, nesta ou noutras situações)?
Nem todos os homens se sentem confortáveis no papel de “macho alfa”. Em igualdade de circunstâncias, já começa a ser, também, “de homem”, colocar-se no lado oposto sem, com isso, por a masculinidade em xeque. Um homem já se permite sentir-se seduzido por uma mulher tão ou mais voluntarista que ele, que lhe dê luta ou lhe desperte interesse de outros modos, sem ele ter de exibir o registo protector/conquistador.
Mesmo que chegue à conclusão de que o estilo de “flirt” do seu ex colega não é para si, deu-lhe a possibilidade de sentir-se noutro papel, a que não está acostumada. Dividir – ou partilhar? – a conta, permite supor que o comando (do jantar ou do pós) ficou a cargo dos dois. Na versão “copo meio cheio”, sugere a distribuição igualitária do poder. Na do “copo meio vazio”, não terá, tanto “glamour”.
* Uma investigação americana sobre códigos de sedução, levada a cabo pela universidade Chapman, na California, mostrou que 84% dos homens faziam questão de pagar a conta no primeiro encontro (mas 64% admitiram que não tinham de fazê-lo). A condizer, 39% das mulheres disseram ficar irritadas se dessem o primeiro passo e o homem o aceitasse. Para uma imensa minoria, a tradição ainda é o que era, pelo menos nas fantasias românticas.