Numa recente Conferência sobre a delinquência juvenil, todos os membros da mesa defenderam que vale a pena investir na recuperação dos adolescentes que iniciaram um percurso marginal. Sei que não há sistemas perfeitos, mas creio que em Portugal se têm perdido oportunidades no sistema de justiça de menores, umas vezes por ignorância, mas muitas vezes por preconceito. E enquanto não for abordado este problema sob o ponto de vista dos direitos, o nosso sistema continuará a permitir o exagero da impunidade ou a injustiça da punição excessiva traduzida na decisão de internamento em regime fechado, por vezes por factos ilícitos muito semelhantes.
Felizmente, sei que nos últimos anos tem sido feito um esforço no sentido da responsabilização destes jovens, procurando ajudá-los a encontrar o seu caminho de dignidade e de respeito por eles próprios e pelos outros, sem os encarcerar.
Na minha intervenção, achei oportuno divulgar a metodologia do “Projeto Rua”, que visa a recuperação de jovens em situação de marginalidade ou em abandono escolar, privilegiando a prevenção e cujo sucesso revela que cada vez mais há a consciência de que não basta a aplicação de medidas de uma forma impessoal, que importa sobretudo um acompanhamento personalizado, destinado a compreendê-los e a motivá-los, quer para o estudo, quer para a formação profissional, através do treino de competências pessoais e sociais.
Eles são, quase sempre, produto do meio muito desfavorável em que viveram. Sem relações afetivas de qualidade, sem condições básicas a nível de habitação, oriundos de meios sociais muito humildes e desfavorecidos, estes adolescentes precisam de sentir-se investidos. Mas tudo isto só terá sucesso se ouvirmos as crianças e os jovens. Como poderemos compreendê-las, se não lhes facultarmos o exercício desse direito fundamental a expressar os seus anseios, emoções e expectativas?
Lembro-me de um livro que foi publicado nos anos oitenta em Portugal, em que os autores, ambos franceses, reproduziram os discursos dos jovens marginais que entrevistaram, em que eles manifestavam essa mágoa, de não serem ouvidos. Nessa altura, a Convenção sobre os direitos da Criança ainda não tinha sido aprovada, mas havia já um grande movimento no sentido de inscrever o direito da criança a ser ouvida nas normas nacionais e internacionais.
Exemplo disso, aliás, é a disposição contida no artº 1878º do nosso Código Civil, na redação introduzida em 1977, logo a seguir à Constituição de 1976, que estatui que os pais devem ter em conta a opinião dos filhos nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.
O Instituto de Apoio à Criança aposta muito nesta norma, procurando pô-la em prática, porque ela é afinal a pedra de toque que os faz sentir cidadãos de pleno direito, que lhes incute sentimentos de pertença e de auto estima e lhes determina a vontade de participação.
Ao favorecer as competências pessoais apela-se a uma metodologia positiva, que muito gostaríamos de ver replicada, porque acredita na educação como instrumento privilegiado para a construção de personalidades bem formadas e honrando o lema de trabalhar os sentimentos para chegar aos comportamentos, tudo devendo ser feito para evitar a medida privativa de liberdade.
Como dizia Pitágoras: “Eduquemos os Jovens para que não tenhamos de punir os Adultos”.
É com este espírito que vai ser assinado no dia 25 de Maio um Protocolo de Cooperação entre o IAC e a Direção-Geral da Reinserção Social, justamente no que respeita à formação específica que se tem revelado tão ajustada para os jovens com medida de acompanhamento educativo.
Ana Oliveira, investigadora que fez uma apresentação baseada na sua tese de Doutoramento nessa área, falou das pesquisas que têm sido efetuadas e da importância da aquisição de competências sociais e pessoais.
Também a recente visita do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa ao nosso país, que durou três dias veio fortalecer a ideia de que estamos no caminho certo.O Comissário ouviu um conjunto de Organizações não Governamentais, encontrou-se com o Provedor de Justiça e com alguns Ministros e visitou os dois Centros de Inclusão e Desenvolvimento Juvenil do Projeto Rua.
Quer em Chelas, quer na Almirante Reis, o Comissário fez questão de ouvir os nossos jovens, que ficaram orgulhosíssimos e decerto não mais esquecerão esse momento.
Adorei ouvir a mensagem unânime destes jovens, que nos fazem continuar a acreditar que o nosso trabalho não é em vão: “Gostávamos que dissesse aos Ministros que estes Centros não podem acabar”.
São estes testemunhos que nos dão ânimo para prosseguir.