Foi a ideia simples de que Cascais era um concelho pouco florido que levou o atual presidente, Carlos Carreiras, 50 anos, a apostar no caminho da Economia Social.Quando foi empossado vice-presidente e vereador dos Espaços Verdes, em 2005, o autarca achava que havia muito mar, mas poucas flores e jardins. “Percebi, rapidamente, que a capacidade de produção dos viveiros municipais era muito baixa e tentei encontrar forma de a aumentar”, conta à VISÃO. Acabou por fazê-lo de uma forma inesperada e que viria a contribuir para que Cascais se transformasse num bom exemplo a nível do chamado terceiro setor. “Entreguei a produção floral e alguns arranjos à Cercica [uma instituição local de apoio a pessoas com deficiência] e transformei os viveiros em espaços verdes para usufruto dos munícipes. Agora, há mais jardins, mais flores e ainda ajudo uma instituição, sendo seu cliente.” A Câmara de Cascais continua a subsidiar a Cercica, mas em vez de lhe dar o peixe, pô-la a pescar.Negócios como este florescem em Cascais e também noutras autarquias do País.”Mas atenção”, assume Carreiras, “tem de se manter um mínimo de Estado, em termos assistenciais. Há gente a quem podemos dar as canas e ensinar a pescar, mas haverá sempre aqueles que já não têm capacidade de se atualizar ou de garantir a sua própria subsistência”.Que o diga Luís Gomes, 38 anos. O autarca que lidera a Câmara de Vila Real de Santo António desde 2005 ficou conhecido quando começou a levar alguns dos seus eleitores a Cuba para serem operados às cataratas. A autarquia substituiu-se aos hospitais públicos, que tinham listas de espera longas, e encontrou as respostas que os munícipes procuravam. Ainda poupou dinheiro com isso: cada operação, que, aqui, podia chegar aos 3 500 euros por pessoa, ficou por 2 mil euros em Cuba, já contando com as viagens e o alojamento.Perto de 300 pessoas já foram à ilha de Fidel Castro tratar olhos, pele ou ossos.O protocolo assinado com os cubanos é simples e possibilita respostas rápidas. Os diagnósticos seguem por email para Havana e de lá vem, também por email, a solução médica proposta e o custo associado.Há quem vá tratar-se de graça, mas também há quem pague uma pequena contribuição.Tudo depende dos rendimentos de cada um e isso é válido para qualquer situação que implique apoio social para facilitar, a população carenciada está identificada e tem um cartão especial.
Pode dizer-se que, em Vila Real de Santo António, dá-se mais peixe do que se ensina a pescar. É outra forma de aplicar os dinheiros públicos, com vista ao mesmo objetivo: equilibrar a sociedade, promovendo a coesão social apesar das dúvidas do Tribunal de Contas. Mas o modelo também resulta noutro plano. E a prova está nos números: Luís Gomes foi reeleito em 2009, com 71,09% dos votos (em 2005, obtivera pouco mais de 40 por cento).
As outras obras do engenheiro
“Para mim, tudo começou com uma história que gosto sempre de recordar”, conta Luís Gomes. “O senhor Calvino foi ter comigo ao atendimento, chorando e dizendo que era a última vez que ali ia.”Calvino acabara de saber que precisava de ir para o IPO de Lisboa, para ser tratado a um tumor na traqueia e não tinha condições financeiras para a deslocação.A visita à autarquia foi uma despedida, sabe-se lá com que ideias no pensamento.”Havia toda uma realidade social em Vila Real que eu desconhecia”, confessa o filho da terra.Este caso tornou Luís Gomes num político diferente do que se tinha imaginado.”Os meus planos não tinham nada a ver com o que efetivamente tenho feito.Sou engenheiro do território, vinha formatado para programar infraestruturas e elaborar planos de pormenor. Tive de me reprogramar. Concentrei-me nas respostas sociais”, assume.
Apoios ao arrendamento, que abrangem já 60 famílias; uma escolinha de futebol, que fomenta a integração de crianças desfavorecidas; vários ateliês de tempos livres gratuitos; autocarros sociais; um banco de ajudas técnicas e um serviço de reparações que vai a casa dos mais pobres trocar lâmpadas ou vidros partidos são alguns exemplos do que se faz em Vila Real e que valem frequentemente a Luís Gomes a acusação de populista.
Tribunal de Contas contesta Cuba
Alheio às críticas, o autarca guia os repórteres da VISÃO pela menina dos seus olhos: a Casa do Avô José Martí, em Monte Gordo, uma instituição inspirada num exemplo cubano. Este é o expoente máximo da política que desenvolve. Todos os dias, mais de 60 idosos chegam às duas casas do Avô já construídas e é lá que comem, leem, exercitam a memória e os músculos, fazem fisioterapia e recebem o carinho de uma equipa coordenada pela “señorita Daisy”, uma cubana casada com um português. Das 9 às 17 horas.É assim desde 2008 e tem sido sempre grátis para os utentes, o que deverá mudar em breve.A crise assim como o endividamento também chega às respostas sociais, apesar de Luís Gomes garantir que pode fazer-se muita coisa com inspiração [a dele, apesar de social-democrata, passa, obviamente, por Cuba] e com criatividade, como quando o Pingo Doce lhe pediu para alargar o espaço de exploração do supermercado e ele disse que sim, desde que a empresa contribuísse com 150 mil euros para o programa VRSA a Sorrir (consultas de estomatologia grátis).Mas a criatividade nem sempre anda a par da legalidade, afirma o Tribunal de Contas, que, este ano, censurou as contas da autarquia. “O processo dos serviços médicos cubanos consubstancia um contrato de aquisição de bens e serviços sujeito ao regime que disciplina a atividade da contratação pública. Porém, aqueles serviços foram adquiridos sem consulta ao mercado”, o que os torna “ilegais e suscetíveis de configurar eventual responsabilidade financeira sancionatória”, diz o relatório dos auditores.
O edil defende-se. “É possível que venha a ter de pagar uma multa, mas isto é uma missão que se tem.” E que dá votos.
‘Take-away’ social
Carlos Carreiras nunca levou munícipes a Cuba nem teve o Tribunal de Contas à perna, desde que assumiu a presidência, em fevereiro deste ano. Mas, no seu município, também há muita criatividade.”Porque é que toda a roupa de cama e de casa de banho dos hotéis desta região está a ser lavada fora do concelho, quando há, em Cascais, instituições de solidariedade que podem dedicar-se a isso e ganhar algum dinheiro?”, pergunta o autarca.A resposta a esta questão está em estudo e há abertura por parte dos vários parceiros para que o serviço de lavandaria e engomadoria dos hotéis passe a ser prestado por uma ou mais Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).E as ideias não faltam. Carreiras entusiasma-se quando fala dos vários projetos em carteira. Um deles, a “Cozinha com Alma”, vai funcionar como uma espécie de take-away normal, mas com preços sociais para os “novos pobres”, pessoas que estão em dificuldades e que não sabem cozinhar, porque nunca precisaram de aprender. Já o “Toma Lá”, pressupõe a criação de uma marca social para os produtos produzidos e vendidos pelas instituições sociais.Outros planos já foram postos em prática, quer com o apoio direto da autarquia quer com o apoio dos business angels, parceiros que se comprometem a injetar dinheiro em boas ideias de negócios sociais.
Há um insuspeito café no Jardim da Quinta da Alagoa, em Carcavelos, que só está aberto porque a Câmara de Cascais emprestou o espaço às proprietárias em troca de workshops de educação alimentar: o Vitamimos. “As donas dizem que conseguem pôr verduras a saber a bifes com batatas fritas”, brinca o presidente, sublinhando a forma como esses projetos estão a alargar a consciência social de todos.
Banco de ideias
Mais do que terem em vista o lucro, os parceiros que aceitam associar-se aos projetos querem praticar algum tipo de bem.”Porque nenhuma sociedade pode ser feliz se à sua volta estiver tudo desestruturado “, afirma Carlos Carreiras.Assim, se há um eleitor que, por exemplo, se encontra desempregado ou em dificuldades e tem uma boa ideia para um negócio social em Cascais, mas não possui capacidades financeiras para o concretizar, pode sempre preencher o formulário do banco de ideias (www.dnacascais.pt) e esperar que o projeto convença alguém.A plataforma por detrás deste ecossistema empreendedor é a DNA Cascais, uma associação sem fins lucrativos que começou por promover o empreendedorismo em geral, incluindo através de ações de formação (entre elas uma que envolve a prestigiada escola de gestão francesa INSEAD), e que hoje também atua na captação de talentos entre a população em risco de exclusão social.O autarca costuma dizer que não basta ensinar a pescar, é preciso revolucionar a indústria da pesca e que é esse o caminho que quer seguir. A coisa não é para levar à letra, até porque há muito que Cascais deixou de ser terra de pescadores, mas há pequenas revoluções sociais a acontecer todos os dias. Como a que pôs hortas comunitárias nos jardins do concelho.
“Decidimos entregar terra a munícipes na condição de eles produzirem agricultura biológica”, conta Carreiras. A ideia, confessa, teve resultados inesperados criaram-se relações de vizinhança entre hortelãos que exploram terras lado a lado, houve casais jovens que arranjaram “avós” postiços para irem buscar os filhos à escola e a Câmara poupa dinheiro com a manutenção dos jardins, porque uma parte deles virou horta mas tudo acabou por transformar-se numa “dor de cabeça” sem solução à vista. “Entreguei 20 talhões e, agora, tenho 100 pessoas em lista de espera, de todos os estratos e condições sociais”. Com tanta procura, Carlos Carreiras ainda vai ter de abrir mercados comunitários, para escoar a produção.
Exemplos Boas práticas
Dez ideias de sucesso que revelam autarquias socialmente responsáveis e que vão além das convencionais iniciativas de recolha de alimentos, apoio a bombeiros ou festas da solidariedade
Lojas sociais:
O conceito existe em vários concelhos. São projetos geridos pelas autarquias para ajudar as famílias mais carenciadas. Os produtos (roupa, eletrodomésticos, brinquedos ou material didático) têm preços simbólicos
Refeitórios sociais:
Uma parceria entre a Câmara e a Misericórdia de Viseu lançou os refeitórios sociais, onde vários munícipes carenciados podem tomar as suas refeições.À autarquia cabe assegurar a oferta nas zonas rurais e à Misericórdia nas urbanas
Obras em casa:
Em Oliveira de Azeméis, as famílias com casas arrendadas e cujos rendimentos não ultrapassem o salário mínimo nacional (por pessoa), podem obter apoios em dinheiro ou em serviços para fazer obras
Bolsas de mérito:
Várias câmaras atribuem este tipo de apoio. Em Felgueiras, há 75 mil euros para distribuir, sob a forma de bolsas universitárias. em troca de voluntariado.Nas horas livres, 35 alunos disponibilizam o seu tempo para projetos da autarquia ou de instituições locais
Cantinas escolares:
Quando as carências das crianças apertaram ao ponto de se tornarem básicas, autarquias como Gaia, Matosinhos e Porto decidiram abrir as cantinas escolares nas férias, para dar de comer a quem é sinalizado como “pessoa com necessidade de apoio logístico”
Ser solidário:
Há sete anos que os alunos do 12.º ano, em Fafe, podem doar tempo, através do programa Ser Solidário, dinamizado pela autarquia. Este ano, 33 voluntários estão a preparar refeições, tratar de papeladas ou ajudar em infantários, por 160 euros/mês
Empreendedorismo jovem:
Na Amadora, além de haver um projeto de empreendedorismo social idêntico ao de Cascais, há uma iniciativa destinada aos jovens sub-30: a Quick Amadora, que facilita o contacto entre quem tem potencial empreendedor e quem pode ajudar a concretizar as ideias
Bolsa do Voluntariado:
Quase todos os concelhos do País já têm bolsas de voluntários, algumas online, uma espécie de ponto de encontro entre a procura e oferta de trabalho voluntário
Empréstimo temporário:
Em Vila Real há empréstimos temporários para idosos e pessoas com deficiência, mas em vez de dinheiro, o que se empresta é equipamento médico. Camas articuladas, cadeiras de rodas, andarilhos ou muletas estão entre os equipamentos com maior procura