Foram quase cinco dias, em que nada parece ter ficado por dizer. Dos jovens, a quem transmitiu a cultura da aceitação e da inclusão, aos governantes – a quem apelou por paz, mais investimento no Estado Social e estratégias que respondam à crise migratória e à ambiental -, Francisco trouxe “recados” para “todos, todos, todos”; parafraseando-o.
A Igreja portuguesa foi uma das visadas, numa das mensagens que trouxe ao País. Talvez, através do mais duro aviso de todos os que fez e o que, por ter sido televisionado, mais se assemelhou a uma repreensão ao clero nacional – que ainda não conseguiu acertar o passo com os recentes acontecimentos, relacionados com os números de vítimas de abusos na instituição.
Segundo o arcebispo de Évora, Francisco Senra Coelho, o discurso do Papa no Mosteiro dos Jerónimos, logo no primeiro dia de visita, na passada quarta-feira, dirigido às fileiras eclesiásticas, “foi um despertar para toda a Igreja e não só para o clero”.
“O Papa quis-nos acordar para uma dimensão de empreendedorismo, de renovação, de criatividade. A visão, de que o Papa só tenha falado para o clero, é não só redutora, como já ultrapassada. Porque somos todos Igreja. Mas, obviamente, que me diz muito a mim, como bispo, é evidente; porque tenho uma missão específica, como pastor, de conduzir a Igreja”, disse, à VISÃO, Senra Coelho, um dos nomes apontados para a sucessão a Manuel Clemente, no Patriarcado de Lisboa, e cujo anúncio ocorrerá na próxima quinta-feira, dia 10 de agosto.
Visto como alguém ligado a uma ala renovadora da Igreja, Senra Coelho assegura que o tom do Papa naquele encontro não diferiu de outras circunstâncias. “O Papa Francisco não é uma pessoa de diplomacias. O Papa Francisco diz o que tem a dizer. Como tal, não esteve a estudar o que é que ia dizer nos Jerónimos, para cumprir um protocolo ou para parecer bem. O que ele tinha a dizer à Igreja portuguesa, aos pastores e a todos os fiéis – a nós, todo o povo de Deus – era esse recado que todos ouviram: temos de ser céleres e não adormecer na fila, como o povo diz”, garante.
Para o responsável de uma das três arquidioceses existentes em Portugal, que foi um dos mais enérgicos a agir em relação aos nomes de sacerdotes denunciados por vítimas, “a mensagem não se centrou, nem sequer teve como ponto culminante”, a questão dos abusos.
“O Papa quis lembrar à Igreja portuguesa que a história avança, sem a Igreja ou com a Igreja. Veio lembrar à Igreja portuguesa que se não entrar no comboio da história, fica no apeadeiro. E que não podemos estar distraídos. Há algumas atitudes de desistência, de desalento, de algum comodismo? É, evidente, que sim. Ele deu-nos o recado que, como pai, pastor universal, sentiu que nos devia dar. Com toda a sinceridade, senti alegria por ele me dizer, a mim, bispo, aquilo que ele sente que devo, de facto, rever na minha vida; que me tenha dito, com clareza, que neste e naquele ponto há aspetos que devo parar e rever”, assumiu o arcebispo, que, até 2018, era bispo auxiliar de Braga.
Ou seja, disse, “naquele encontro foi apontada a necessária, e maior, abertura ao mundo, que está em transformação. Que estamos aqui para todos; não devemos excluir. Não deve haver elitismos, nem deve haver atitudes de exclusão, por quaisquer que sejam os motivos. A Igreja é para todos, mas há um caminho a fazer dentro da Igreja“.
Quanto ao nome do futuro patriarca de Lisboa, que o Papa poderá anunciar dentro de quatro dias, Senra Coelho admite que o seu percurso continuará a ser feito em Évora: “Não tenho qualquer informação, a não ser o que vejo na Comunicação Social, de que sou um dos potenciais [nomes]. É uma afirmação que tem aparecido. No entanto, a minha alma está muito batizada pelo Alentejo. E a planície joga muito com a minha fome e sede de liberdade. E lá, há um povo muito bom. Estou de facto desposado com a diocese de Évora; esse matrimónio é monogâmico. Portanto, penso que, haverá pessoas com grande capacidade para Lisboa, mas Évora continuará com o seu pastor. Mas a atitude do meu coração é de disponibilidade para servir; sempre para servir”.