O Bruno [18 anos] sofreu uma paragem cardiorrespiratória em 2023, dia 6 de novembro, às oito e meia da manhã. Tinha acabado de chegar ao colégio, onde estava a tirar o curso técnico-profissional de Mecânica e Design Industrial – queria ser mecânico de Fórmula 1, era o seu sonho.
Nem teve tempo de começar a aula de Educação Física, caiu inanimado no chão. A escola ligou para o INEM, demoraram muito a atender, mas um funcionário, o senhor Augusto, felizmente não desistiu do meu filho e fez-lhe as manobras de reanimação. Os bombeiros sapadores também tentaram reanimá-lo com o desfibrilhador, assim como a equipa médica do INEM, mas ele não respondeu. Levaram-no para o Hospital Eduardo Santos Silva, em Gaia, e ficou ligado à ECMO, suporte que substitui temporariamente os pulmões e o coração. Mas todo este processo demorou muito tempo, cerca de uma hora e 40 minutos, e a falta de oxigénio no cérebro, hipoxia, provocou-lhe danos graves. Nessa manhã, passou-me tudo pela cabeça, inclusive, “vou ficar só com um filho” [Rafael, 14 anos, é o filho mais novo].
Depois de ter sido transferido para o Hospital de São João, no Porto, logo nessa manhã, permaneceu nos cuidados intensivos três semanas, cinco dias ligado à ECMO, e ao fim dessa semana o coração dele já estava a trabalhar sozinho. Esteve dez meses internado na pediatria, à espera de conseguir vaga no CRN – Centro de Reabilitação do Norte, onde só entrou em setembro de 2024.
As lesões cerebrais afetaram parte do sistema nervoso central e tudo o que possa provocar desconforto a nível físico e psicológico, o meu filho reage com espasticidade muscular, o corpo enrijece. O Bruno não fala e do pescoço para baixo não mexe quase nada. Também não come sozinho, é alimentado por uma peg gástrica e embora já respire sozinho, está traqueostomizado (pequeno orifício na garganta). Em vez de dizer que ele perdeu muita coisa, prefiro pensar ao contrário, que ele tem de conquistar mais coisas.
O que nos dá esperança é que entende tudo o que dizemos: se lhe contar uma anedota, reage, se disser uma piada, também sorri. Tem um grau de compreensão bastante razoável para aquilo por que passou. Temos tentado estar sempre com um espírito positivo à volta dele, sempre a puxar por ele.
Inicialmente, tudo isto foi um terramoto para nós. Depressa me dei conta de que, se me fosse abaixo emocionalmente, viria tudo atrás de mim. Como o meu marido [Miguel Pires, 57 anos] tem um salário superior ao meu e houve muita compreensão da sua entidade patronal, foi ele quem meteu baixa médica e esteve sempre com o Bruno nos internamentos, enquanto eu ia gerindo a minha atividade profissional [designer de vestuário por conta própria] e também tinha de estar focada no Rafael, sentia-se desamparado, com medo.
“Não cabe no elevador”
Dezasseis meses depois do incidente, a 13 de março, o meu filho regressou a casa. Sabemos que é uma recuperação muito lenta, mas acreditamos que é possível dar-lhe qualidade de vida. É nisso que queremos estar focados e o irmão também já interiorizou isso. Costuma fazer palhaçadas para o Bruno sorrir e também me ajuda quando preciso pegá-lo ao colo. É complicado fisicamente, sem dormir e sem descansar. Já tenho marcada fisioterapia para mim, por causa das costas.
Voltou a ser um bebé. Só o banho e arranjá-lo são quase duas horas: é preciso mudar a traqueostomia, fazer a aspiração de secreções, hidratar o corpo para evitar escaras. Nós não conseguimos dormir uma noite inteira, de três em três horas é preciso ir virar o Bruno para evitar essas lesões no corpo.
Duas horas de fisioterapia por dia numa clínica privada custam €75, a terapia da fala €35 por dia, e como não temos carrinha adaptada, também pagamos €40 por dia pelo transporte feito pelos bombeiros. A somar a tudo isto, toda a medicação para a parte cardíaca, relaxantes musculares, protetores gástricos, prevenção para convulsões, fraldas, cremes.
Fizemos obras totais na casa de banho, para conseguir dar banho ao Bruno sentado numa cadeira própria; no quarto dele foi preciso abrir espaço junto à porta, assim como no corredor deitei abaixo uma parede para conseguir ter uma abertura maior para fazer as manobras com a cadeira. No prédio, está a entrar pela garagem, mas vamos ter de fazer rampas de acessibilidade. No elevador, como ele mede 1,85 metros [pesa 50 quilos], quase não cabe lá dentro, pois tem as pernas compridas e a rigidez muscular faz com que tenha dificuldade em dobrá-las.
Em vez de dizer que ele perdeu muita coisa, prefiro pensar ao contrário, que ele tem de conquistar mais coisas. O que nos dá esperança é que entende tudo o que dizemos: se lhe contar uma anedota, reage, se disser uma piada, também sorri. Tem um grau de compreensão bastante razoável para aquilo por que passou. Temos tentado estar sempre com um espírito positivo à volta dele, sempre a puxar por ele
A cadeira de rodas que temos foi emprestada pelo CRN, porque estamos a aguardar desde setembro que a Segurança Social nos forneça a cadeira adaptada. Estamos desesperados pela cadeira com assento especial antiescaras, com uma separação entre os joelhos, com guias telescópicas, costas próprias e almofadinhas para segurar a coluna. Pedi um orçamento a uma empresa e custa quase dez mil euros.
Os 22 mil euros que precisamos são para cobrir terapias e tratamentos, além da fisioterapia. O Bruno já fez 20 sessões de ozonoterapia, que acelera o processo de regeneração das células mortas ou adormecidas. Também está a fazer Estimulação Magnética Transcraniana para recuperar caminhos que ficaram “cortados” pela falta de oxigénio da paragem cardiorrespiratória.
Em julho, vamos a Madrid para uma intervenção cirúrgica pouco invasiva que vai trabalhar a fáscia [membrana de tecido conjuntivo fibroso], ajudando a libertar as partes mais presas do Bruno e depois potencializar a fisioterapia.
Nunca tivemos grandes problemas financeiros. Agora, investimos tudo o que temos e o que não temos e criámos a página Unidos Pelo Bruno no Instagram e no Facebook para divulgar iniciativas solidárias que estamos a organizar para conseguir apoio financeiro: jantar a 29 de maio com a Associação Rotary Club de Vila Nova de Gaia e caminhada a 22 de julho.
Infelizmente, o Estado não nos oferece tratamentos suficientes. E, se um de nós vai ter de deixar de trabalhar, como é que podemos assumir um crédito?
Depoimento recolhido por Sónia Calheiros